Naquela semana, a casa de Renata estava mergulhada num silêncio estranho, quebrado apenas pelo som distante do relógio e pelas visitas rápidas que iam e vinham desde que Carlos sofrera o infarto. Eu estava ali para ajudar no que fosse preciso — café, companhia, qualquer coisa que afastasse o peso da preocupação. Renata parecia grata, mas havia nela algo inquieto, um brilho nervoso no olhar que não combinava apenas com o medo de perder o marido.
Foi João Paulo quem chegou naquela tarde. Primo de Carlos, sempre educado demais, solícito demais. Disse que vinha “fazer companhia”, que Renata não devia ficar sozinha. As palavras eram corretas, mas o corpo dele dizia outra coisa. Eu percebi antes mesmo de querer perceber. O jeito como ele olhava para ela — não era piedade, era fome contida.
Renata tentou manter a compostura, mas havia algo no ar, denso, quente, quase indecente diante da fragilidade de Carlos no hospital. Eu observei tudo do sofá, fingindo folhear uma revista, enquanto os dois se moviam pela casa como se estivessem ensaiando uma dança silenciosa. Um toque rápido no braço, um olhar que demorava um segundo a mais, respirações que não coincidiam por acaso.
João Paulo sempre encontrava uma desculpa para se aproximar. Um copo d’água, um lenço, um comentário sussurrado. E Renata… Renata não recuava. Pelo contrário. O luto antecipado parecia ter aberto nela uma urgência quase desesperada de sentir-se viva, desejada, tocada.
Quando percebi que eu já não era parte da equação, levantei-me devagar. Disse que ia ao quarto descansar um pouco. Não fechei a porta completamente. A curiosidade — ou algo mais sombrio — me manteve alerta.
Ouvi vozes baixas. Depois o silêncio pesado, quebrado apenas por um suspiro que não tinha nada de inocente. Meu coração acelerou quando entendi: João Paulo não estava ali por compaixão. Nunca esteve. Aquela era a oportunidade que ele cultivara em segredo, esperando o momento exato em que a culpa estivesse fraca demais para vencer o desejo.
Quando espreitei pelo corredor, vi os dois muito próximos, corpos inclinados um ao outro como se o mundo tivesse encolhido àquele espaço entre respirações. O beijo aconteceu com uma naturalidade cruel, carregado de tudo o que fora contido por tempo demais. Não havia pressa, mas também não havia arrependimento.
Voltei para o quarto, o corpo quente, a mente em turbilhão. Eu não participei, não interferi, mas vi tudo — e ver, às vezes, é uma forma perigosa de intimidade. Até hoje, quando lembro daquela tarde, não sei dizer se o que senti foi choque… ou excitação.



