Foram felizes. Por duas semanas.
Érico era metódico, calado, um homem de horários. Saía às oito, voltava às seis e quarenta. Jantava em silêncio e dormia com culpa. Marta, não. Tinha olhos de tragédia e pernas de cinema. Andava pela casa como quem espera um telegrama. Ou um amante.
O sofá, coitado, foi o primeiro a saber. Tinha marcas de batom nos cantos, vincos que não vinham do uso conjugal. E, um dia, Érico notou: a almofada afundava demais, como se um corpo maior que o dele tivesse dormido ali, satisfeito.
Começou a voltar mais cedo.
Um dia, às cinco e meia, o céu prenunciava chuva. Ele subiu as escadas sem fazer barulho. Sentiu o cheiro: perfume masculino, vagabundo, daqueles de camelô. Ouviu risos. O riso dela. Aquela risada que nunca dera com ele — larga, obscena, como quem goza com o mundo.
Abriu a porta.
Ela estava nua, montada num homem que ele nunca vira, mas parecia ter saído de um calendário de oficina mecânica. Musculoso, bronzeado, com um bigode cínico. Eles não pararam. Marta apenas lançou um olhar vago, quase terno. Como se dissesse: “Agora você sabe.”
Érico não gritou. Não brigou. Sentou no sofá — no mesmo — e ficou. O amante gozou segundos depois, como se a presença do marido fosse o tempero final.
Marta se levantou, enrolou-se num lençol e disse:
— Você sempre chega na hora errada.
Foi só então que Érico chorou. Não por ela. Não por ciúme. Chorou pelo sofá. Aquilo era profanação. Aquilo era sagrado.
Naquela noite, dormiu no chão da sala. No dia seguinte, quando ela perguntou se ele queria conversar, ele respondeu, com uma calma que a fez estremecer:
— Só não sente mais aí. Por favor.
Ela não respondeu. E nunca mais se sentou.
Um elogio erótico a Machado de Assis, muito bom, Dom Casmurro ficou lisongeado.