O Presente

Estávamos voltando do trabalho dela. Era fim de tarde, e o sol filtrava pela janela do carro, pintando o rosto dela com tons dourados. Eu observava sua beleza, como tantas vezes fiz ao longo desses anos, e me peguei admirando cada detalhe: a forma como ela mexe no cabelo, o jeito calmo, a expressão serena.

Conversávamos sobre o dia, trivialidades, coisas de casal. Ríamos. Ela estava leve. E eu... tomado por um sentimento estranho de intimidade. Daquele tipo raro, que não exige palavras nem gestos grandes. Era o tipo de momento em que me sinto mais próximo dela.

E então, no meio do riso, eu deixei escapar, com a voz leve e provocativa:

- Será que esse ano eu posso ganhar uma outra de presente de aniversário?

Ela sorriu com aquele canto de boca que sempre me desmonta, e respondeu sem hesitar:

- Se quiser, pode. Eu também quero um... e deu uma risadinha gostosa, olhando pra frente.

O que veio depois foi silêncio. Um silêncio cheio. Denso. Eu senti uma onda quente subir pelo meu peito, se espalhar pelo corpo, como um segredo sendo tocado pela primeira vez.

Aquela fantasia... não era nova. Vivia em mim há anos. Começou no passado, quando as circunstâncias nos afastavam por um tempo. Nessas pausas, acabávamos nos envolvendo com outras pessoas, sem mágoas declaradas, mas com marcas internas. Eu descobria, ficava enciumado, mas... em silêncio, me masturbava com aquelas imagens. Ela com outro. Não como traição. Mas como cena. Como fantasia. Como provocação que me deixava em chamas.

Com o tempo, essa ideia cresceu. Tomou forma. Não era mais sobre ciúmes, era sobre liberdade. Sobre confiança. Comecei a imaginar nós dois vivendo algo além do que se espera de um casal. Ela com outro homem, com meu desejo inteiro apoiado nela. E eu, talvez, com outra mulher, mas tudo vivido juntos. A quatro mãos. Quatro olhos. Um pacto.

Não se tratava de preencher um vazio. Era justamente o contrário. Era porque nos sentimos tão completos, tão seguros um no outro, que comecei a fantasiar essa possibilidade como uma extensão do nosso amor. Queria vê-la ousada, solta, linda nos braços de alguém, e saber que, no final de tudo, ela continuava sendo minha. Nossa.

No carro, ela mudou a música, ainda sorrindo. Como se nada demais tivesse sido dito. Mas havia algo ali... algo no ar.

- Você falava sério? — perguntei, mantendo o tom leve.

- Sobre o quê?

- O presente.

Ela olhou para mim de lado, com aquele olhar que me conhece melhor do que eu mesmo. E respondeu:

- Talvez sim. Desde que fosse com você junto. Eu acho que a gente se diverte mais assim.

O coração bateu mais forte. E eu entendi: o desejo dela também existe. Talvez não seja o mesmo que o meu, mas caminha perto. Talvez ela também imagine algo além do habitual. Talvez ela também queira se ver livre, poderosa, desejada — com minha cumplicidade, não com meu julgamento.

E naquele momento, tudo ficou claro:
O que eu quero não é simplesmente outra mulher.
O que eu quero... é ela.
Ela, em sua versão mais livre, mais ousada.
Ela sentindo-se desejada por outro, sabendo que é vista por mim.
E eu... sendo desejado também, com ela ao meu lado.
Sem medo. Sem dúvida. Só desejo.

Talvez seja esse o verdadeiro presente:
a liberdade de confiar tanto, que o prazer possa ser vivido sem limites e juntos.