O tempo se dissolveu sem que eu percebesse sua passagem. Estava tão imerso em meus pensamentos tortuosos que nem ouvi Carlos voltando com Thanos. De repente, senti o colchão afundar com seu peso, e então ele estava ali, deitando-se sobre mim com aquela naturalidade desarmante, me acordando de meu fingimento.
Abri os olhos lentamente e finalmente olhei nos olhos de Carlos – aqueles olhos castanhos que conhecia tão bem, mas que agora pareciam guardar segredos. Seu rosto estava sereno, quase sem culpa, como se nada de extraordinário tivesse acontecido naquela manhã.
— Acorda, amor, já são quase meio-dia — disse ele, tentando me beijar com a mesma ternura de sempre.
Desviei ligeiramente o rosto, fingindo ainda estar sonolento.
— O Raul já foi?
— Já, sim. Acabou de ir embora. Aproveitei e fui passear com o Thanos — respondeu com uma simplicidade que me deixou ainda mais confuso.
— Sorte a minha ter você para cuidar do Thanos quando está aqui — murmurei, e então mantive um silêncio carregado por alguns segundos antes de soltar a pergunta que me queimava por dentro: — Você e o Raul ficaram agora de manhã?
Carlos não demonstrou nem um pingo de constrangimento. Pelo contrário, respondeu com uma naturalidade que me desconcertou completamente:
— Sim, a gente acordou com aquele tesão matinal. Te chamei, mas você dormia profundamente, então ficamos um pouco. Algum problema?
Algum problema? A pergunta ecoou em minha mente como um tapa na cara.
— Enquanto eu dormia? — insisti, minha voz traindo uma vulnerabilidade que eu não queria mostrar.
Carlos suspirou, como se eu estivesse sendo dramático desnecessariamente. Sentou-se na cama e me olhou com aquela expressão paternal que ele usava quando achava que eu estava sendo irracional.
— Qual o problema, Lucas? Foi uma ficada. Eu continuo aqui te amando, continuo aqui querendo te pedir em noivado em Paris, continuo querendo te levar para jantar. Ainda sou seu namorado. Foi sexo, beijos, uma ficada da qual você estava presente e aceitou. Apenas hoje de manhã você não acordou, e eu aproveitei um pouco com o Raul. Não vejo problema algum nisso.
Ele fez uma pausa, passou a mão pelo cabelo com aquele gesto que eu adorava, e continuou com uma intensidade que me desarma:
— Eu estou aqui querendo passar o domingo inteiro com você. Quero te beijar, te amar, te foder todo e nada mudou – pelo menos não para mim. Será que você não entende que você é o grande amor da minha vida? Que eu sou completamente louco por você?
Senti meu peito apertar. Como ele conseguia fazer aquilo? Como conseguia me fazer sentir culpado por questionar algo que claramente me machucara?
— Carlos... não gostei, sei lá. Tenho medo de te perder — admiti, minha voz saindo mais fraca do que eu gostaria.
— Me perder? — Ele riu baixinho, mas não era um riso cruel. Era genuíno, como se a ideia fosse absurda. — Lucas, eu te amo. Eu sou completamente apaixonado por você. Se eu falar que não gostei do Raul, vou estar mentindo, e tudo que eu menos quero nessa vida é mentir para você.
Ele se aproximou mais, pegou meu rosto entre as mãos com uma delicadeza que contrastava com a firmeza de suas palavras:
— Eu gostei dele, sim. Ele é gostoso, pauzudo isso é óbvio. Mas eu não o amo. Eu não quero nada sério com ele. Eu estou namorando com você, estou com você, e não com o Raul. Será que você não entende isso? Preciso desenhar?
— Desculpa... só estou meio com dor de cabeça e confuso — menti, desviando o olhar.
— Eu tenho um remédio que sei que vai fazer você melhorar rapidinho dessa sua neurose — ele disse, e pude ver aquele sorriso travesso se formando no canto de sua boca.
— O que, posso saber?
— Isso — e então Carlos tirou a camisa com um movimento fluido, revelando aquele torso que me fazia perder a razão, e me beijou com uma fome que me pegou desprevenido.
— Carlos, para — falei, mas minha voz saiu como um gemido contra seu ouvido, traindo completamente minha intenção de resistir.
— Tem certeza de que não quer isso? — Ele tirou o short e me puxou para um beijo mais profundo, mais urgente, onde eu já sentia seu pau completamente duro..
— Carlos... para de ser tão gostoso — sussurrei em seu ouvido, já completamente rendido.
E ali me rendi completamente. Ao seu discurso sedutor, aos seus beijos que conheciam cada parte sensível do meu corpo, àquele físico que parecia ter sido criado especificamente para me torturar de prazer, dizem que quando um homem está errado, ele consegue o perdão enfiando o pau, e bom isso era a mais pura verdade, o Carlos me fodeu de quatro, de lado, me deu tapas, transou comigo de forma lenta, me beijou, me chupou, era como se nada realmente tivesse mudado entre a gente, tudo era a mesma coisa.
Sim, eu havia ficado chateado com toda a situação com Raul. Claro que ficara. Mas talvez eu estivesse realmente fazendo uma tempestade em copo d'água? Era uma possibilidade que minha mente, nublada pelo desejo, queria aceitar. Obviamente eu não confiava no Raul – havia algo nele que me incomodava profundamente. Mas Carlos era meu namorado. Eu estava perdidamente apaixonado por ele. E por mais que tudo que eu vira e ouvira tivesse me ferido profundamente, cada toque dele conseguia me fazer esquecer, pelo menos temporariamente, toda a dor.
Quando terminamos, estávamos ambos ofegantes e suados. O relógio marcava quase 13h quando fomos tomar banho juntos, e foi então que Carlos, enquanto ensaboava meus cabelos com uma intimidade reconfortante, fez o convite:
— Vamos almoçar com meus pais. Eles estão na praia e mandaram te chamar especificamente.
— Temos que dirigir até a praia agora? — reclamei, ainda preguiçoso pós-sexo.
— É melhor comermos a comida da minha avó do que ter que pedir iFood — ele argumentou pragmaticamente. — Já tomamos banho, é só colocar uma roupa e podemos ir.
— Tudo bem, só vou porque é sua avó que vai cozinhar — cedi, sabendo que a sua avó fazia o melhor na cozinha.
Carlos parou de me ensaboar e me olhou com um brilho especial nos olhos:
— Será meu primeiro evento familiar com meu namorado oficialmente. Devo admitir que estou curioso para ver como vai ser.
A realidade do que ele estava dizendo me atingiu como um raio:
— Sua avó sabe sobre a gente? — perguntei, tentando disfarçar meu nervosismo.
— Não sei se mamãe falou alguma coisa, mas acho que não. Meus pais são reservados, não vão sair gritando aos quatro ventos que o filho é gay e tem o namorado mais lindo da cidade — ele respondeu com aquele sorriso orgulhoso que me fazia derreter.
— Estou com vergonha — admiti, sentindo um frio na barriga.
Carlos me puxou para mais perto, colando nossos corpos molhados sob o chuveiro:
— Relaxa, amor. Não vou chegar de mãos dadas com você, nem vou te beijar na frente de ninguém. Mas será aquela coisa natural, sabe? Se alguém perguntar, você é meu namorado e não estou nem aí para o que pensam. As únicas pessoas com cuja opinião eu deveria me preocupar são meus pais, que me sustentam. Se eles me apoiam, não estou nem aí para a opinião de terceiros.
E então lá fomos nós para o primeiro evento familiar oficial da nossa relação. Confesso que estava com uma mistura de vergonha e ansiedade correndo pelas veias. Apesar de frequentar e conhecer toda a família de Carlos há anos, agora era diferente. Eu não era mais apenas seu melhor amigo – eu era seu namorado.
Mas ter Carlos ao meu lado, sentir a confiança dele, me deixava completamente seguro. Eu sabia que ele seria capaz de me defender de qualquer coisa, de qualquer pessoa, de qualquer situação desconfortável.
Quando chegamos à casa da praia (O apartamento do Carlos que ficava numa praia fora da cidade apesar de ser apartamento, a gente chamava casa de praia), cumprimentei seus pais normalmente, mas troquei um abraço estranhamente demorado com o tio Augusto, que me olhou com aquele olhar indecifrável – como se estivesse tentando ler nas entrelinhas da nossa relação. Conversei com sua avó sobre as receitas tradicionais da família, com sua mãe sobre os planos para as férias, com seus primos sobre futebol e estudos.
A tarde passou num piscar de olhos, entre conversas, risadas e aquela sensação estranha mas gostosa de pertencimento. Era como se uma nova camada tivesse sido adicionada à minha relação com a família de Carlos – eu não era mais apenas o amigo querido, eu era parte da família de uma forma diferente, mais íntima, mais permanente.
Quando voltamos para a cidade, já era quase noitinha. Carlos perguntou se eu queria fazer mais alguma coisa, mas eu disse que não – o dia havia sido emocionalmente intenso demais. Ele me deixou em casa, e namoramos um pouquinho no carro como dois adolescentes apaixonados, com aquela urgência doce de quem não quer se separar.
Quando cada um seguiu seu rumo, fiquei ali parado na porta do meu prédio, vendo as luzes traseiras do carro dele desaparecerem na esquina, com uma sensação estranha no peito. Era como se duas versões de mim estivessem brigando: uma que queria acreditar que tudo estava bem, que éramos um casal normal navegando pelos desafios de um relacionamento aberto; e outra que sabia, lá no fundo, que algo fundamental havia mudado naquela manhã.
E talvez essa segunda versão estivesse mais certa do que eu gostaria de admitir.
Quando subi no elevador, meus pensamentos ainda estavam a mil por hora, processando tudo que havia acontecido naquele domingo surreal. A certeza de que realmente amava Carlos pulsava em meu peito como uma ferida aberta – dolorosa, mas impossível de ignorar.
As portas se abriram no meu andar, e caminhei pelo corredor com aquela sensação estranha de quem estava retornando para casa depois de uma viagem longa, mesmo tendo saído apenas algumas horas antes. Girei a chave na fechadura, empurrei a porta e...
Congelei.
Ali, sentada no sofá da minha sala como se fosse a dona do lugar, estava Camille. Minha ex-namorada. A mesma Camille que eu havia deixado para ficar com Luke. A mesma que havia jurado que eu me arrependeria da minha escolha.
Ela me olhou com um sorriso que não chegava aos olhos – um sorriso que conhecia bem e que nunca significava nada de bom.
— Oi, Lucas. Boa noite — disse ela, e havia uma ironia venenosa em sua voz que me fez questionar mentalmente o que diabos ela estava fazendo ali, na minha casa, àquela hora da noite.
Antes que eu pudesse processar completamente a situação, meu pai apareceu vindo da cozinha, carregando duas xícaras de café. Ele estava sorrindo – um sorriso que eu não via há muito tempo, um sorriso que me deixou com um pressentimento terrível.
— Ah, Lucas, você chegou! Achei que fosse dormir na casa do Carlos — disse ele, colocando as xícaras na mesa de centro com um cuidado quase cerimonioso.
O silêncio que se seguiu pareceu durar uma eternidade. Meu pai me olhou com aquele jeito dele quando tinha algo importante para anunciar, e eu senti meu estômago despencar.
— Bom, tenho uma notícia para te dar — ele fez uma pausa dramática, pegou a mão de Camille e sorriu ainda mais largo. — Eu e Camille estamos namorando.
O mundo parou, literalmente parou, meu cérebro simplesmente se recusou a processar aquelas palavras. Era como se alguém tivesse desligado todos os meus sistemas de uma só vez. Fiquei ali, parado como uma estátua, olhando alternadamente para meu pai e para Camille, esperando que um dos dois dissesse que era uma piada de muito mau gosto, mas não era piada.
Camille apertou a mão do meu pai e me olhou diretamente nos olhos, com aquele mesmo sorriso venenoso:
— Surpresa, Lucas.
E naquele momento, com aquelas duas palavras simples, todo o meu mundo desmoronou.