Saí da academia suado. Cansado. Mas diferente, porque pela primeira vez, eu sentia que estava fazendo algo por mim, não pra pegar alguém. Não pra ser aceito. Não pra entrar no padrão, mas pra olhar no espelho e não sentir vergonha. Mudar o corpo é mais fácil que mudar a mente, essa frase martelou na minha cabeça enquanto eu dirigia pra casa. Porque eu podia perder peso. Podia ganhar músculo. Podia comprar roupa nova. Podia cortar o cabelo. Mas se eu não mudasse a forma como eu pensava sobre mim mesmo, nada disso ia importar. E essa era a parte mais difícil, porque o corpo responde a estímulos. Treino. Dieta. Descanso. Mas a mente? A mente resiste. A mente sabota. A mente te convence de que você não merece. De que você não consegue. De que não adianta tentar. E é isso que mata a maioria das pessoas, não é a falta de informação. Não é a falta de tempo. Não é a falta de dinheiro, é a falta de acreditar que você pode. É a zona de conforto que te abraça e te sussurra: "Fica aqui. É mais fácil. É mais seguro." E você fica, e os anos passam, e você continua na mesma. Reclamando. Sonhando. Mas sem agir. Porque agir dói. Agir exige esforço. Agir exige sair da zona de conforto e encarar o desconforto. E a maioria das pessoas não aguenta. Mas quem aguenta? Quem aguenta conquista. Quem aguenta transforma. Quem aguenta vira outra pessoa. E eu estava cansado de ser quem eu era. Estava cansado de me esconder. De me sabotar. De aceitar migalhas. Eu queria mais. E pela primeira vez, eu estava disposto a sofrer um pouquinho agora pra colher resultado depois.
Cheguei em casa suado. Cansado. Mas bem, abri a porta.e dei de cara com Bernardo. Ele tinha acabado de chegar, cabelo bagunçado. Roupa amarrotada. Cheiro de perfume e suor.
— Opa, tio — ele sorriu. —
— Saiu novamente? — perguntei. —
— Fui ver uns outros amigos, agora pela manhã — ele deu de ombros. — Vou tomar um banho.
— Beleza.
Ele passou por mim e foi pro banheiro, e então eu notei que ele andava estranho. Não era óbvio. Mas era perceptível. Um leve desconforto. Uma rigidez nas pernas. Como alguém que tinha… Não, parei de pensar, fui pro quarto. Tirei a roupa. Coloquei na cesta. Ouvi o chuveiro ligar. Fiquei ali, deitado na cama, imaginando. Imaginando o que Bernardo tinha feito essa noite e pela manhã, porra será que meu sobrinho tinha transado duas vezes me menos de 12 horas? E sabe o que era pior? Eu estava com tesão novamente, tesão misturado com culpa. Porque ele era meu sobrinho. Porque eu o tinha visto crescer. Porque isso era errado. Mas meu corpo não ligava pra moralidade, meu corpo só sentia.
Meia hora depois, o chuveiro parou, ouvi Bernardo sair do banheiro e ir pra quarto de hóspedes. Esperei mais alguns minutos, e então, como um idiota, levantei. Fui até o banheiro, a roupa dele estava no cesto, bermuda, camiseta e a cueca. Tranquei a porta, peguei a cueca, boxer cinza. Calvin Klein falsa. E então, antes que a parte racional do meu cérebro pudesse me impedir, eu cheirei, cheiro de suor. De pele. De sabonete, de porra fresca, foi ai que eu notei, manchas, na frente: esperma seco, atrás: mais esperma. E outra coisa. Lubrificante, ele tinha transado, tinha sido leitado, e tinha gozado. E eu estava ali, cheirando a cueca do meu sobrinho, com o pau duro, e tocando uma outra punheta me sentindo o pior ser humano do planeta, gozei segurando meus gemidos, e então larguei a cueca. Lavei o rosto. Olhei pro espelho. Quem era esse homem?
Sábado à tarde lá estava eu no supermercado Louds, trabalho, rotina e relatórios. Eu estava no corredor de bebidas conferindo estoque quando o vi. Lucas Gabriel, ele estava repondo refrigerantes. Camiseta justa. Calça cargo. Cabelo bagunçado. Nossos olhos se encontraram, ele sorriu. Aquele sorriso de quem sabe. De quem tem poder.
— Bom dia, chefe.
— Bom dia, Lucas.
— Como foi a semana?
— Tranquilo. E a sua?
— Produtivo — ele respondeu, e havia algo no tom. Algo que dizia mais do que as palavras.
Fiquei ali, parado, sem saber o que dizer, e então Billy chegou, patinando pelo corredor como sempre.
— Bom dia, mores! — ela cantarolou. — Que reunião é essa? Fofoca?
— Nada disso — eu disse. — Só conferindo o estoque.
— Hmmm, sei — ela olhou pra mim, depois pro Lucas, de volta pra mim. — Vocês tão com uma cara suspeita.
— Billy, vai trabalhar — eu disse, mas estava sorrindo.
— Já vou, já vou — ela se afastou patinando. — Mas tô de olho, hein!
Lucas riu, e então eu saí. Fui pra minha sala, liguei os monitores, e comecei a procurar Lucas pelas câmeras, como sempre, como um idiota obcecado, até que vi algo que me fez congelar, Lucas Gabriel. No corredor de massas, conversando com alguém, e era o Bernardo, meu sobrinho, no meu supermercado, conversando com Lucas Gabriel, rindo, como se fossem amigos, como se se conhecessem, meu coração disparou. Como? Como eles se conheciam? E então tudo se conectou, o Grindr. Lucas Gabriel devia estar no Grindr também, e deve ter falado com o Bernardo, essa era a única possibilidade, eles tinham se encontrado, entao pensei, será que tinha sido Lucas? Lucas tinha comido meu sobrinho, e a porra que estava na cueca do Bernardo era dele? Só de imaginar isso fiquei com o pau latejando de duro, esperei alguns minutos meu pau baixar, e então sai de sala, e fui até o corredor, onde eles ainda estavam.
— Bernardo?
Meu sobrinho se virou. Sorriu.
— Tio! Que surpresa!
— O que você tá fazendo aqui?
— Vim te buscar pro jantar. Pensei que a gente podia comer junto.
Olhei pra Lucas. Ele estava com aquela expressão neutra. Profissional.
— Vocês se conhecem? — perguntei, tentando parecer casual.
— A gente se esbarrou aqui — Bernardo disse. — Ele trabalha com você, né?
— Trabalho — Lucas confirmou. — Prazer. Sou o Lucas.
— Bernardo. Sobrinho dele.
Eles apertaram as mãos, e eu fiquei ali, observando. Procurando sinais. Procurando confirmação, mas não havia nada. Só educação. Só formalidade. Será que eu estava pirando? Será que não tinha sido Lucas?
— Bom, vou deixar vocês — Lucas disse. — Tenho que voltar pro trabalho. Foi um prazer, Bernardo.
— Igualmente.
Lucas saiu, e eu fiquei ali com meu sobrinho, com um milhão de perguntas e nenhuma coragem de fazer.
Jantamos numa padaria perto do supermercado, Bernardo comia com apetite. Eu mal tocava na comida.
— Tio, você tá quieto hoje.
— Tô cansado.
— Do trabalho?
— É.
Ele me olhou. Estudou meu rosto.
— Posso te perguntar uma coisa?
— Claro.
— De onde você conhece o Lucas?
Meu coração parou.
— Ele trabalha comigo. Por quê?
— Nada. Só achei ele... interessante.
— Interessante como?
Bernardo sorriu.
— Tio, eu preciso te contar uma coisa.
— Fala.
Ele respirou fundo.
— Eu sou gay.
Silêncio, não era surpresa. Mas ouvir em voz alta era diferente.
— Eu sei — eu disse.
Ele piscou.
— Você sabe?
— Sei.
— Como?
— Eu vi seu perfil no Grindr.
Ele ficou vermelho.
— Você... você usa Grindr?
— Uso.
— Mas você é...
— Gay. Eu também sou gay, Bernardo.
Silêncio de novo, ele me olhou como se estivesse me vendo pela primeira vez.
— Caralho — ele murmurou. — Eu nunca imaginei.
— Ninguém imagina.
— E meus pais sabem?
— Não. E não vão saber. Pelo menos não por mim.
Ele assentiu devagar.
— Tio... eu tô sofrendo. Eu não aguento mais viver escondido. Não aguento mais fingir. Eu quero sair de casa. Quero vir morar aqui. Quero ser quem eu sou.
— E seus pais?
— Eles não vão aceitar. Eu sei disso. Meu pai é evangélico. Minha mãe é... sei lá. Eles vão me expulsar.
— É uma vida complicada Bernardo, mas se você quer vim embora posso falar com alguns amigos é tentar uma vaga pra você, não consigo te colocar pra trabalhar no LOUD´S porque você é família, .poderiam achar que eu estou praticando nepotismo, e quando você tiver sua dependência, não vai se importar com a opinião dos seus pais.
— Eu sei tio, eu fiz algumas entrevistas, mas não sei se vou passar, e eu quero muito vim morar aqui, e agradeço desde já toda a sua ajuda.
— Segunda eu dou alguns telefonemas e vejo o que posso conseguir, você vai voltar amanhã pro interior não é?
Bernardo passou a mão pelo rosto.
— Sim, volto amanhã para aquele inferno de vida.
Olhei pro meu sobrinho, dezenove anos. Olhos cheios de esperança. De medo. De desespero, e eu me vi nele.
— Eu vou te ajudar, sei o que você tá passando — eu disse. — A gente dá um jeito.
Ele sorriu. Olhos marejados.
— Obrigado, tio.
— Mas Bernardo...
— Fala.
— Você... você ficou com alguém esse fim de semana?
Ele hesitou.
— Por quê?
— Só curiosidade.
— Fiquei. Com um cara na sexta, e dois hoje de manhã.
Meu estômago revirou.
— Dois?
— É. Foi... intenso.
— Eles eram daqui?
— Eram. Conheci pelo Grindr. Por que tá perguntando isso?
— Nada. Só... toma cuidado, Bernardo. Tem muito maluco por aí.
— Eu sei. Mas esses caras foram legais. A gente se divertiu.
Não perguntei mais, mas eu sabia, eu sentia que tinha sido o Lucas e provavelmente o Felipe, minha intuição nunca falha. Conversei ainda com o Bernardo, falei sobre o meu casamento, sobre o divorcio, ele me contou algumas coisas, e acabou desabafando muito comigo, que desde sempre sabia que era gay, e escondia de tudo e todos, até que finalmente resolveu começar a sair com caras, e resolveu vim morar na capital. Foi uma conversa boa, e consegui entender melhor o meu sobrinho.
Voltamos para casa, e estávamos no elevador, e então ele falou:
— Tio... eu conversei com alguém no Grindr sexta de noite. Alguém que morava no mesmo prédio que eu.
Meu sangue congelou.
— Ah é?
— É. Mas a pessoa parou de responder. Disse que era casada.
— Hmmm.
— Era você?
Olhei pra ele.
Ele me olhou de volta, o elevador parou. Nono andar, saímos e caminhamos até o apartamento. Abri a porta, entramos, e então, no meio da sala, ele parou.
— Tio... era você?
Não respondi, ele se aproximou.
— Porque se era... eu não tô julgando. Eu só quero saber.
— Era — eu confessei, voz baixa.
Ele ficou parado. Processando.
— Você viu minhas fotos?
— Vi.
— E mandou a sua?
— Mandei.
— Caralho.
Silêncio, ele estava perto. Muito perto, eu podia sentir o cheiro dele. Sabonete. Desodorante. Juventude.
— E agora? — ele perguntou.
— Não sei.
Ele deu mais um passo, estávamos a centímetros de distância.
— Tio...
— Bernardo, isso é errado.
— Eu sei.
— Você é meu sobrinho.
— Eu sei.
— A gente não pode.
— Eu sei.
Mas nenhum de nós se afastou, ficamos ali. Olhando um pro outro, respiração pesada. Coração acelerado, desejo misturado com medo misturado com culpa, e então...