Chuva fina caía lá fora, o movimento na farmácia era lento, e Marcelo alternava entre organizar caixas de analgésicos e conferir pela milésima vez a validade dos mesmos xaropes de sempre. O relógio parecia não andar. Era um daqueles dias que se arrastam sem piedade.
Para passar o tempo entre um atendimento e outro, pegou o celular e entrou em um site de contos — nada explícito, só para distrair a mente. Clicou em um título aleatório. Depois outro. E então, caiu em um texto assinado por “Cah”.
Leu a primeira linha, e parou.
Havia algo diferente ali. Não era vulgaridade barata. Era tensão bem construída, sensualidade no ponto certo, frases que pareciam dançar na tela. Um conto erótico com alma, com ritmo, com personalidade.
Ele leu outro. Depois mais um.
No terceiro, já estava envolvido. A protagonista — forte, segura, desejada — parecia real. E talvez fosse. No rodapé do texto, havia um perfil discreto da autora. Um link para redes sociais. Uma caixa de mensagens.
Impulsionado pela curiosidade e pelo tédio, Marcelo escreveu algo simples:
“Teus contos me prenderam mais que qualquer série. Quem é você por trás dessas palavras?”
Ele não esperava resposta. Mas ela veio.
Horas depois, no fim da tarde, a notificação chegou.
A mensagem de Cah era direta, bem-humorada:
“Só uma mulher que escreve o que vive. E você... está fugindo do trabalho, doutor?”
Daquele dia em diante, o tempo passou a correr de outro jeito. Marcelo, entre um atendimento apressado e outro, trocava mensagens com ela. E Cah, dividida entre seus contos e as tarefas da casa, respondia no ritmo dela.
Com o tempo, vieram as conversas mais picantes, as perguntas curiosas de Ma, os trechos inéditos que ela enviava antes de publicar. Depois, as fotos. Provocantes, sensuais — mas sempre elegantes. Cah gostava de se exibir. Sabia o que fazia. Escolhia o ângulo, a luz, o momento.
Ma, por sua vez, se tornava cada vez mais envolvido. Começou a desejar vê-la de verdade. Queria sair da tela. Queria mais. Mas Cah era clara: não queria ser tocada. Queria ser vista. Admirada. Desejada — à distância.
E ele aceitava, mesmo que em silêncio isso o consumisse.
Tudo começou num dia entediante.
Mas depois de Cah, nenhum dia foi comum de novo.
No dia seguinte :
11:02 – Ma:
já treinou hoje ou vai deixar pra enganar o corpo mais tarde?
11:03 – Cah:
hahaha
já treinei, senhor fiscal de glúteos e endorfina
tô aqui no pós-treino: suada, com cara de satisfeita e fome de tudo
11:03 – Ma:
satisfeita em que nível?
porque se for só pelo treino, ainda acho pouco
11:04 – Cah:
olha ele querendo completar o serviço… ??
11:05 – Ma:
só tô dizendo que esse suor todo merecia uma recepção melhor
tipo uma toalha quente
ou duas mãos lentas
11:06 – Cah:
gente?
isso é sugestão terapêutica ou fetiche profissional?
11:06 – Ma:
um pouco dos dois
como farmacêutico, eu recomendo descanso
como homem, eu me candidato pra limpar cada gota desse suor, com a boca é claro
11:07 – Cah:
ousado
mas gosto da preocupação com a hidratação da minha pele
me senti valorizada
11:08 – Ma:
se eu fosse descrever seu pós-treino na bula:
"produto altamente inflamável. uso externo desejado. pode causar aceleração cardíaca em observadores desprevenidos."
11:09 – Cah:
e o modo de uso?
11:10 – Ma:
com a boca, preferencialmente
mas só em imaginação, infelizmente
11:11 – Cah:
ufa
por um segundo achei que você ia pedir visita em domicílio
11:12 – Ma:
sonhar ainda é gratuito, né?
e se um dia o suor escorrer até a cintura, me avisa
já deixo a toalha na estufa
11:13 – Cah:
se escorrer, vou fingir que nem percebi
só pra você sofrer imaginando
11:14 – Ma:
só reforça minha teoria: você não é cruel, só irresistível
e um pouquinho perigosa
11:15 – Cah:
perigosa nada
sou mansa
só tenho cara de quem gosta de ser olhada
11:16 – Ma:
e eu?
cara de quê?
11:17 – Cah:
cara de quem queria ser meu pós-treino inteiro
toalha, água, massagem e abraço suado no final
11:18 – Ma:
certeira.
mas com você, até o abraço parece luxo
11:19 – Cah:
então aproveita a conversa
porque ela, pelo menos, é de graça
por enquanto ??