Entre senhas e olhares



O salão do Poupatempo estava cheio, o som dos números sendo chamados misturava-se ao burburinho das pessoas apressadas. Eu esperava minha vez, observando a fila que se movia devagar. Tentava me distrair, mas meus olhos voltavam sempre para o mesmo balcão — onde uma atendente de crachá prateado sorria de um jeito que parecia iluminar até o ambiente mais cinzento.

Quando minha senha finalmente apareceu no painel, senti o coração dar um leve salto. Caminhei até o guichê tentando disfarçar a ansiedade. Ela me recebeu com um sorriso profissional, mas algo nos olhos dela tinha um brilho diferente. “Bom dia, posso te ajudar?”, perguntou, com uma voz calma, quase melódica.

Enquanto eu explicava o motivo da visita, ela digitava no computador com rapidez, o som das teclas pontuando o silêncio entre uma frase e outra. O perfume suave dela me envolvia, misturando-se com o ar frio do ar-condicionado. Por um instante, nossos olhares se cruzaram — e nenhum de nós desviou de imediato.

Ela percebeu meu olhar e disfarçou com um sorriso breve, voltando a atenção para a tela. “Vai precisar assinar aqui”, disse, empurrando o formulário. Nossas mãos se tocaram por um segundo. Foi o suficiente para o tempo parecer desacelerar.

A tensão era palpável — não de algo proibido, mas de algo que ambos fingíamos não perceber. Agradeci, pronto para ir embora, mas a voz dela me chamou de volta: “Senhor… só um instante.” Ela revisou o papel, mesmo sem precisar. Era apenas um pretexto para mais alguns segundos de proximidade.

Quando finalmente devolveu o documento, nossos olhares se encontraram novamente. Um silêncio leve, carregado de intenções não ditas, se formou entre nós. “Espero que tenha um bom dia”, disse ela, mas o tom tinha um peso diferente — quase uma promessa.

Ao me afastar, senti novamente aquele frio no estômago do primeiro encontro. Só que agora, eu sabia: o próximo passo dependia apenas de nós dois.

Nos dias que se seguiram, a lembrança daquele momento no Poupatempo insistia em voltar. O jeito que ela olhou para mim, o sorriso contido, o toque rápido — tudo se misturava numa memória difícil de ignorar. Acabei enviando uma mensagem, simples, direta, e para minha surpresa, ela respondeu: “Estou até mais tarde hoje, te espero no balcão.”

Quando cheguei, o salão estava mais calmo, as pessoas quase todas atendidas. Ela estava atrás do guichê, mas sem a pressa do movimento intenso de antes. Ao me ver, o sorriso dela se abriu de um jeito diferente, mais próximo, quase provocativo, e eu senti meu coração acelerar.

Conversamos sobre a rotina, sobre pequenos detalhes do trabalho, mas cada palavra parecia ter camadas escondidas. Os olhares se encontravam mais vezes do que o necessário, e cada gesto parecia carregar intenções não ditas. A tensão entre nós crescia a cada instante, silenciosa, mas palpável.

Em certo momento, nossos braços se tocaram enquanto eu pegava um documento. O contato foi breve, mas suficiente para que o tempo desacelerasse ao nosso redor. Ela desviou o olhar rapidamente, sorrindo de leve, e eu tentei manter a compostura, mesmo sentindo uma mistura de nervosismo e expectativa.

“Você sempre consegue me pegar desprevenida”, ela disse baixinho, como se falasse mais para si mesma do que para mim. Sorri, mas não respondi de imediato — deixei o silêncio falar. E naquele silêncio, ambos sabíamos: havia algo ali, algo que ainda não precisava de palavras.

Quando finalmente me despedi, não houve promessas, nem planos. Apenas um olhar que dizia tudo o que não podia ser dito em voz alta — a certeza de que aquele jogo entre nós ainda não tinha terminado.

Quando marcamos o encontro no motel, meu coração batia acelerado, como se soubesse que aquele momento seria diferente de tudo o que havíamos vivido até agora. O caminho até lá parecia se arrastar, e ao mesmo tempo, cada segundo parecia carregado de antecipação.

Ela me recebeu com o mesmo sorriso que sempre me tirava o fôlego, só que agora havia uma coragem nova no olhar, uma decisão silenciosa de que ambos estávamos ali por escolha própria. O ar estava denso de expectativa, como se cada palavra pudesse acender algo invisível entre nós.

Enquanto atravessávamos o corredor, senti a proximidade dela mais intensamente. Cada passo, cada gesto, parecia carregado de significados que não precisávamos verbalizar. Nossos olhares se encontravam constantemente, e cada sorriso tinha um peso que só nós entendíamos.

Quando finalmente entramos no quarto, não houve pressa, nem gestos precipitados. Apenas o silêncio carregado, o olhar intenso e o sorriso contido que dizia mais do que qualquer palavra. Sentamos lado a lado, e por alguns minutos apenas nos estudamos, explorando a tensão que havia crescido entre nós desde o primeiro encontro no Poupatempo.

Ela inclinou-se levemente, deixando que nossos olhares se cruzassem de maneira intensa, quase desafiadora. “Nunca imaginei que chegaríamos a isso”, disse baixinho, com um tom que misturava diversão e expectativa. Sorri de volta, sem precisar responder — nossas expressões já falavam tudo.

Cada gesto parecia prolongar o momento, cada silêncio era carregado de desejo contido. Não havia pressa, nem necessidade de acelerar nada. Apenas a presença um do outro, a tensão elétrica que nos envolvia e a certeza silenciosa de que aquele encontro mudaria a maneira como nos veríamos dali em diante.

Quando a porta se fechou atrás de nós, algo no ar mudou: não era apenas um encontro, mas um ponto de virada, um espaço onde a atração que vinha se acumulando finalmente podia existir sem distrações, sem olhares de terceiros, apenas nós dois e a tensão que queimava silenciosa entre cada gesto.

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Nome do conto:
Entre senhas e olhares

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244778

Categoria:
Confissão

Data da Publicação:
15/10/2025

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