Em meio ao choro catártico e ao silêncio acolhedor, acabei adormecendo. O choro havia sugado todas as minhas forças, e acho que o remédio que Carlos me deu também contribuiu para que eu finalmente conseguisse descansar. Por bastante tempo, mergulhei num sono profundo, reparador, longe de pesadelos ou lembranças dolorosas.
Ainda meio grogue pelo sono e pelo efeito do medicamento, lembro vagamente que Carlos tentou sair da cama em algum momento, mas eu segurei sua mão.
— Não me deixa, por favor — murmurei, ainda de olhos fechados.
— Está bem, está bem. Não vou sair até você dormir completamente. Preciso só dar uma saída rápida depois.
— Não me deixa sozinho. Eu te amo — falei meio grogue, sem filtros, deixando escapar o que meu coração gritava.
— Também te amo — Carlos respondeu sussurrando, como se fosse um segredo sagrado entre nós.
— Não vai embora...
— A gente precisa comer, e eu quero terminar uma coisa que estava escrevendo — Carlos continuou sussurrando, com uma voz que era pura ternura. — Mas você é incrível. Pode ficar tranquilo, eu saio, mas volto antes de você perceber. Só vou embora mesmo quando ouvir seu primeiro ronco.
— Eu não ronco... — protestei, já mais sonolento.
Lembro que falei mais algumas coisas desconexas e finalmente apaguei completamente. Não sei por quantas horas dormi, não sei quantos sonhos tive. Meu corpo estava pesado, como se estivesse se recuperando não apenas do cansaço, mas de um trauma profundo.
Abri os olhos lentamente e fui me lembrando de tudo: da conversa com Carlos quando eu já estava meio grogue, de como tinha chegado ali, do silêncio reconfortante, da dor que havia me trazido até aquele lugar. Carlos estava ali ao meu lado, olhando para mim com uma expressão de pura ternura, alisando meu cabelo como se eu fosse algo precioso que precisava de cuidado.
Abrir meus olhos e ver essa cena, Carlos ali, cuidando de mim mesmo enquanto eu dormia — me fez esboçar um sorriso. Era a primeira vez que eu sorria de verdade desde a noite anterior. Finalmente me aproximei, nossos rostos se encontraram, e dei um beijinho carinhoso no Carlos.
— Obrigado por tudo! — falei, sentindo meu coração se expandir de gratidão.
— Está melhor? Se sentindo bem? — perguntou ele, passando a mão no meu rosto com uma delicadeza que me arrepiava.
— Sim. Que horas são?
— 16h.
— Sério? Eu dormi isso tudo?
— Digamos que sim. Te dei um remédio para dormir, você precisava descansar de verdade. Está com fome? Comprei umas coisas para fazer aquela massa que você gosta.
— Não sei... Acho que não quero comer nada agora.
— Ah, mas vai comer sim, senhor! — Carlos disse com um tom brincalhão mas firme. — Eu vou me levantar e fazer nossa comida, porque você pode não estar com fome, mas eu estou aqui deitado desde que fiz as compras, e estou morrendo de fome.
— Por que você não foi comer?
— Eu prometi que estaria do seu lado quando você acordasse, e eu não sabia que horas seria essa. Então dormi um pouco, acordei, fiquei olhando você, voltei a dormir, mas ficava acordando de tempos em tempos para ver se você estava bem.
— Você é incrível. Obrigado por cuidar de mim tão bem.
— Não faço mais que minha obrigação. Eu te amo, Lucas. Sempre vou te amar.
Carlos se levantou, e eu fiquei ali deitado, olhando para o quarto, pensando em tudo e nada ao mesmo tempo. Era como se minha mente estivesse tentando processar lentamente tudo que havia acontecido, mas ao mesmo tempo buscando se proteger de lembranças muito dolorosas.
Carlos foi fazer nossa comida, e eu aproveitei para ir no banheiro, tomar outro banho — sentia necessidade de me lavar novamente —, escovar os dentes, me sentir mais humano. Quando saí para a cozinha, Carlos cozinhava com um sorriso no rosto, com uma alegria genuína, e o cheiro já havia invadido toda a casa. E obviamente, aquele aroma delicioso despertou minha fome.
— O cheiro está bom! Acho que vou querer um pouco — falei, sorrindo pela segunda vez no dia.
— Eu sabia que você não ia resistir.
— Você me conhece muito bem.
— Desde a quinta série, você sabe — disse Carlos, sorrindo de uma forma que me lembrou exatamente por que eu me apaixonei por ele.
Ficamos conversando enquanto ele preparava o almoço. Eu pensava em como dizer a Carlos o que havia acontecido, e se eu realmente queria contar tudo. Ali estava uma outra realidade, um mundo paralelo de paz e cuidado. Mas se eu não contasse, estaria guardando toda aquela dor só para mim, e isso certamente me corroeria por dentro.
Depois que comemos — e a comida estava realmente deliciosa, Carlos sempre foi um excelente cozinheiro, conversamos sobre coisas aleatórias, triviais, seguras. E então fomos para a sala, e eu senti que era o momento. Respirei fundo e decidi contar tudo para Carlos.
Narrei cada detalhe: como tudo começou com a ligação do Vinícius, a reação desproporcional de Luke, como ele me deixou na estrada, como me buscou de volta, o motel, a violência, a humilhação, o abandono final. Carlos ouvia tudo com uma expressão que era visivelmente desconfortável — sua mandíbula ficava tensa, suas mãos se fechavam em punhos, seus olhos brilhavam com uma mistura de raiva e tristeza.
Contei as barbaridades que Luke tinha feito, expliquei o contexto, tentei ser o mais honesto possível, e no final acabei chorando novamente. Carlos me abraçou forte e disse, com uma convicção que me tranquilizou:
— Vai ficar tudo bem. Esquece esse cara para sempre, isso é o que você deve fazer.
— Eu sei, eu sei. Não quero mais papo com Luke. Para mim, ele morreu.
— Eu queria muito acreditar nisso, mas eu te conheço. Sei que uma hora ou outra você vai perdoar, e não duvido nada de você voltar para ele.
Aquelas palavras me atingiram como um soco no estômago, porque no fundo eu sabia que Carlos tinha razão. Mesmo depois de tudo, mesmo com toda a dor, havia uma parte de mim que ainda sentia algo por Luke.
— Carlos, você acha que eu seria capaz de fazer isso? Eu não me odeio tanto assim.
— Eu não duvido, mas enfim, isso não é um problema agora. Eu quero você bem, você precisa ficar bem!
— Eu já estou bem. Estou aqui com você, e isso está sendo incrível. Você está sendo incrível, Carlos. Eu não sei nem como agradecer.
— Você não precisa me agradecer. Eu fiz isso, e faço, porque eu te amo e nunca vou te abandonar.
— Obrigado.
Nos abraçamos, e Carlos perguntou se eu queria voltar para Natal. Disse que não — não estava preparado para encarar a realidade lá fora. Ele perguntou se eu topava dormir ali, e eu disse que sim, que seria perfeito.
Carlos pegou uma garrafa de vinho e duas taças, brindamos ao momento, à nossa reencontro, à superação. Ele colocou uma música — era um forró suave, daqueles que embalaram nossa adolescência, e então me chamou para dançar.
Já tínhamos tomado algumas taças, e eu finalmente estava sorrindo e conseguindo esquecer temporariamente tudo que havia acontecido. Ficamos dançando na sala, Carlos me conduzia com uma habilidade natural, cheirava meu pescoço, passava a mão em mim, fazia os passos clássicos — dois para lá, dois para cá —, me girava com delicadeza.
E então, finalmente, ele me beijou.
Foi um beijo calmo, respeitoso, quase hesitante no início, como se ele estivesse testando minha reação, certificando-se de que eu estava realmente preparado para aquilo. Quando ele percebeu que eu fui me entregando, que comecei a passar a mão em seu corpo musculoso, que me permiti sentir novamente, ele foi intensificando o beijo.
O que começou como um beijo leve e cuidadoso se transformou gradualmente num beijo cheio de fúria e desejo reprimido, onde sua língua encontrava a minha, onde meus pensamentos se concentraram unicamente ali — naquela sala, naquele beijo, naquele corpo que conhecia tão bem.
Carlos era exatamente tudo o que eu precisava naquele momento. A música embalava nossos beijos, criando uma trilha sonora perfeita para aquele reencontro. Logo tomei a iniciativa, comecei a tirar seu short, tirei o meu, e nos jogamos no sofá da sala, ficando apenas de cueca, sem conseguir tirar a língua da boca um do outro.
Carlos era quente, nosso beijo tinha o encaixe perfeito, era o gosto de saudade misturado com vinho, era exatamente aquilo que eu precisava para esquecer temporariamente toda a dor. E ali, sob o chão macio da sala, fizemos amor, comi o Carlos com carinho e cuidado, apesar de todo o desejo e fogo eu não estava no clima para um sexo pesado, e o Carlos parecia muito bemm entender isso.
Foi um sexo completamente diferente de tudo que eu havia experimentado recentemente. Era calmo e ardente ao mesmo tempo, carinhoso mas intenso, cheio de familiaridade mas também de redescoberta. Toquei Carlos de diversas maneiras, relembrando cada centímetro do seu corpo, cada reação, cada gemido. E depois ficamos deitados em completo silêncio, apenas respirando, apenas existindo naquele momento perfeito.
— Botei seu celular para carregar, e aqui tem wifi, esqueci de te dizer, caso você queira olhar alguma coisa. O meu segue desligado desde que saímos de Natal — Carlos quebrou o silêncio, sempre prático e cuidadoso.
— E o Raul? Você disse alguma coisa para ele?
— Não, só disse que tinha que sair. Ele sabe que foi você que me ligou, mas não disse mais nada. Só avisei meu pai que eu vinha para cá, e pronto. Eu não queria saber de nada nem de ninguém. Estava e ainda estou preocupado com você. Só você importa agora para mim.
— Obrigado por tudo. Não sei nem como agradecer.
Nos levantamos, e pedi a senha do wifi. Confesso que fiquei curioso, não vou mentir. Eu esperava, no fundo do meu coração machucado, que talvez houvesse algum pedido de desculpas do Luke. Sei que muitos podem querer me julgar por isso, depois de tudo que Carlos estava fazendo por mim, mas enfim... não sei ao certo descrever esse sentimento quando peguei o celular. Foi algo estranho, contraditório. Eu queria me punir por sequer pensar nisso enquanto estava com Carlos, mas eram coisas que, como Carlos disse corretamente, somente anos de terapia seriam capazes de me ajudar a entender.
Peguei meu celular, e meu coração acelerou quando começaram a chegar as mensagens e ligações perdidas pelo WhatsApp. Eram mensagens de grupos, do Matias, do grupo da família, colegas da faculdade, Juliette, Raul... não parava de chegar. O barulho das mensagens chegando fez Carlos me olhar com curiosidade.
Quando tudo carregou, confirmei o que eu já meio que esperava: não havia nada de Luke. Tinha várias mensagens e ligações da Juliette, eu já podia imaginar o que poderia ser, provavelmente Luke havia procurado ela ou contado alguma versão dos fatos, mas optei por não abrir nem ver naquele momento.
Carlos chegou perto e perguntou se estava tudo bem. Disse que sim, que não tinha nada de mais nem nada urgente. E então resolvi abrir a conversa com Raul. Tinha algumas ligações e mensagens: "Cadê o Carlos?", "Onde vocês estão?", "Oi", "...", todas com um certo intervalo de tempo entre elas.
Vi que Raul estava online. Uma ideia maliciosa passou pela minha cabeça e mandei uma mensagem para o Carlos “Liga daqui a dez minutos”
Em meio a todo aquele caos emocional, resolvi que iria me vingar um pouco de Raul. Afinal, ele havia sido parte ativa na destruição do meu relacionamento com Carlos, e agora Carlos estava aqui, cuidando de mim quando eu mais precisava. Fui até Carlos, puxei ele para um beijo intenso e disse:
— Vem, vamos pro quarto.
Ficamos deitados, nus, fazendo amor com uma paixão renovada, eu estava cavalgando lentamente no pau do Carlos, sem dúvida a melhor parte do sexo com o Carlos era nossa Versatilidade, quando meu telefone tocou. Eu estava por cima de Carlos e atendi propositalmente ofegante.
— Alô — falei com a voz claramente ofegante, sabendo exatamente o efeito que isso causaria.
— Cadê o Carlos? — a voz de Raul do outro lado soava tensa, desconfiada.
— Aí, para um pouco amor... Está aqui comigo, você quer falar com ele? — falei, gemendo um pouco mais alto intencionalmente.
— O que vocês estão fazendo?
— Isso, Carlos, aí mete, vai... — gemi alto, olhando para Carlos com um sorriso malicioso. — Só conversando. Vou passar para ele.
Carlos já me olhava, imaginando quem era, quando peguei seu rosto e comecei a gemer ainda mais alto de propósito. Não sei o que Carlos disse para Raul, mas a conversa não durou mais que poucos segundos. Eu estava satisfeito momentaneamente, Raul ia ter exatamente o que ele procurou. Aquele seria só o começo da minha pequena vingança.
— Você não devia ter feito isso — disse Carlos, me olhando com uma mistura de reprovação e diversão.
— Ele fez muito pior — respondi, sentindo uma satisfação momentânea.
— Você é um safado, mas não quero saber disso agora. Só me importo com você.
Terminamos de fazer amor, ficamos deitados em silêncio por alguns minutos, apenas curtindo a intimidade e a conexão que sempre existiu entre nós. Era como se, por alguns momentos, todo o resto do mundo tivesse desaparecido.
E então Carlos quebrou o silêncio com algo que mudaria completamente o rumo daquela noite:
— Lucas, eu te trouxe aqui por um motivo específico. Na real, eu já tinha esse plano em mente há um tempo. Eu sabia que em algum momento de nossas vidas a gente iria vir aqui novamente, só não sabia que seria tão rápido.
Ele fez uma pausa, como se estivesse reunindo coragem para continuar.
— Enfim, eu faço terapia, você sabe. E um dos exercícios que minha psicóloga passou foi escrever tudo o que eu penso sobre você, entre outras coisas. Era para ser um processo de elaboração, de fechamento. E ela me deu duas opções: eu te entregava, ou jogava fora. Guardar não era uma opção, ela foi bem clara sobre isso.
Carlos se levantou da cama, foi até o guarda-roupa e voltou com o caderno que eu havia visto ele escrevendo quando acordei.
— Ela disse que se eu guardasse, eu estaria mantendo esperança, e isso não seria saudável para o meu processo. E então... eu menti para ela. Disse que tinha rasgado tudo, que me sentia livre. Mas tudo aconteceu exatamente como ela previu, eu não deveria ter guardado.
Ele segurou o caderno com as duas mãos, como se fosse algo precioso e perigoso ao mesmo tempo.
— Isso aqui é um diário meu, com algumas coisas que lembrei sobre nós, algumas coisas que eu queria te dizer e não tive oportunidade, e tem também coisas que acho que você nem sabe sobre mim, sobre como eu me senti em vários momentos. Eu quero te dar. Eu sei que isso vai fazer bem para mim, sei que talvez faça bem para você também. E eu preciso que você entenda tudo o que eu fiz, preciso que você entenda todo o amor que tenho por você.
Carlos respirou fundo, claramente nervoso.
— Não é algo muito longo, tem algumas passagens rápidas e outras mais detalhadas, mas acho que você vai entender quando ler. Eu terminei de escrever hoje, com os últimos acontecimentos, antes de saber tudo o que Luke tinha feito com você. Então... é isso.
E então lá estava eu, com um diário de Carlos nas mãos. Um "exercício" que sua psicóloga havia sugerido, mas que se transformou em algo muito maior. Talvez eu finalmente fosse entender Carlos por completo, entender por que ele me largou para ficar com Raul, entender seus medos, seus sentimentos, sua versão de toda nossa história.
Era uma oportunidade única, mas confesso que tive um pouco de medo. Medo do que poderia descobrir, medo de como aquilo mudaria minha percepção sobre tudo que vivemos juntos. Mas eu aceitei, peguei seu diário sabendo que aquilo poderia ser transformador, para o bem ou para o mal.
Carlos resolveu sair, me deu um beijo longo nos lábios e disse que ia para a sala.
— Qualquer coisa, você me chama, está bem? Não tenha pressa, leia no seu tempo.
Confesso que por um momento me passou um medo imenso, mas eu precisava daquilo. Eu precisava entender Carlos, nossa história, nossos erros, nossos acertos. Precisava compreender como chegamos até ali e o que realmente significava tudo que vivemos juntos.
Abri o diário, vendo a caligrafia familiar de Carlos na primeira página, e soube que estava prestes a mergulhar na perspectiva dele sobre nossa história — uma história que eu achava conhecer completamente, mas que talvez fosse muito mais complexa do que eu imaginava.
Os próximos capítulos serão narrados por Carlos... Continua...
[Nota do Autor]
Bom, pessoal, chegamos num momento da história que ela vai voltar algumas casas atrás. A ideia inicial era escrever tudo na visão do Carlos, mas percebi que isso consumiria muito tempo e deixaria a narrativa bem mais longa do que planejado.
Por isso, vou resumir algumas passagens e focar nos pontos essenciais da perspectiva dele. Se alguém quiser alguma coisa específica da visão do Carlos, ou se ficou alguma ponta solta que vocês gostariam de ver desenvolvida, deixem nos comentários que posso considerar abordar nesses capítulos narrado pela visão do Carlos.
O próximo capítulo (ou capítulos - ainda não sei quantos serão) narrado pelo Carlos vai demorar um pouco para sair. Vou entrar num ritmo de trabalho intenso nas próximas semanas, então não vou ter um dia certo para postar. Mas fiquem tranquilos - voltarei assim que possível, porque quero fazer esses capítulos do Carlos fundamentais para o desenvolvimento da história.
Esses capítulos da perspectiva dele são cruciais para vocês entenderem várias nuances que ficaram pelo caminho, algumas decisões que podem ter parecido sem sentido, e principalmente para compreenderem a complexidade dos sentimentos dele ao longo de toda essa jornada.
Obrigado a todos que acompanharam até aqui. A história está longe de acabar, e as revelações que vêm pela frente vão explicar muita coisa que vocês devem estar se perguntando desde os primeiros capítulos.
Até breve!
Tinha pegado ranço do Carlos... Aproveita Sábado e domingo e escreve tudo então.