Casada há 21 anos com Jorge, funcionário público, homem sem vícios, sem paixões, sem pressa. Sua vida era feita de panelas, panos de prato, novelas repetidas. Os filhos haviam crescido e a deixado para trás — como se mães fossem eternas cozinheiras do passado.
Às quintas-feiras, Clarice pegava o ônibus das 17h20. Dizia que ia à casa da irmã, mas bastava rodar alguns quarteirões e ela já descia, inventando desculpas para si mesma. Era um ritual bobo. Um passeio para olhar vitrines e fingir liberdade.
Mas naquela quinta, o ônibus vinha cheio. Uma massa de corpos suados e apressados. Clarice entrou espremida, o avental dobrado na bolsa, um batom leve nos lábios — vaidade esquecida que reaparecia às vezes.
Ele subiu dois pontos depois. Alto, sujo de oficina, cheiro de graxa e desgraça. Mas tinha algo nos olhos — uma fome crua, indecente. Parou atrás dela. A multidão não permitia distância.
No balanço do ônibus, o corpo dele se encostou no dela. Clarice sentiu. O quadril dele, firme, roçando as nádegas como quem não pedia permissão. Ela deveria ter se afastado. Deveria.
Mas não.
O toque se repetiu. Primeiro um roçar. Depois, uma mão no ferro, outra solta — e de repente, ela sentiu a palma quente subindo pela lateral do vestido, quase invisível no tumulto. Seu corpo tremeu. O cheiro dele — suor, óleo, urgência — a embriagava.
O ônibus sacolejava.
A mão dele agora estava entre as pernas dela. Por cima da calcinha fina que vestira sem intenção. Um toque direto, decidido. Clarice mordeu o lábio. Um velho sentado resmungava, sem ver nada. Uma jovem ria alto no celular.
A cidade seguia.
Ela se deixou tocar. Sabia que era loucura. Sabia que era pecado. Mas sentia-se viva. Molhada. Cheia. Uma mulher.
Ele encostou a boca no ouvido dela.
— Desce comigo na próxima.
Ela hesitou. Queria. Tinha medo. Tinha sede.
Desceu.
Foram até uma ruela escura, atrás do terminal. Não trocaram nomes. Apenas gestos. Ele a tomou ali mesmo, contra a parede descascada, com a fúria de quem come o mundo. Clarice gemeu baixo. Os olhos marejados. Não era amor. Era fome.
Minutos depois, ela ajeitou o vestido. Ele já sumia na esquina, como um demônio que cumprira sua missão.
Voltando pra casa, Clarice sentia os passos leves. O rosto ardendo. O corpo marcado.
Jorge assistia ao jornal quando ela entrou.
— Tava na sua irmã?
— Tava.
Sentou-se. O cheiro dele ainda em sua pele. Sorriu.
Na semana seguinte, às 17h20, Clarice pegaria o mesmo ônibus. Não sabia se o encontraria. Mas sabia que não era mais invisível. Nem virgem de si mesma.
Que delicia de conto votado
muito bom.... imaginando e esperando pela continuação
Que estão!
Conto tesudo Adorei.