Priscila




Foi numa sexta de verão, entre néons e batidas graves, que André a viu pela primeira vez.

Ele estava na pista, camisa preta colada no corpo, bebendo com moderação, apenas o suficiente para parecer seguro. Tinha vinte e poucos anos, alma inquieta e olhos famintos — mas ainda ingênuo. Vira muitas mulheres, desejara várias, mas nenhuma como Priscila.

Ela dançava como quem não devia nada a ninguém.

Vestido vermelho curto, colado, lábios vinho, olhos de gata. Os cabelos longos deslizavam pelas costas como uma promessa de pecado. Priscila não pedia atenção: tomava. Seu corpo se movia em compassos indecentes, e os homens, em volta dela, pareciam planetas em órbita. Havia algo nela — algo sujo e sagrado ao mesmo tempo.

André se aproximou. Ela o ignorou.

Tentou de novo. Um sorriso breve, enigmático. Mas logo ela já dançava com outro — um cara mais velho, barba grisalha, terno aberto, olhar de dono do mundo. Ele a segurava pela cintura e ela se deixava conduzir, como se a música viesse das mãos dele. André ficou ali, duro, vendo os corpos colados, os beijos no pescoço, a risada atrevida dela.

Na semana seguinte, voltou à mesma balada. Lá estava Priscila. Desta vez com um rapaz negro, mais jovem, pele de ébano reluzente. Os dois se beijavam com uma fome explícita. Ele a apertava contra a parede perto do bar. A saia dela subia, quase indiscreta. André fingia beber, mas a olhava com olhos de cão faminto.

E assim foi por meses.

Priscila era livre. Amava o desejo dos outros, e deixava-se amar nos braços de quem ousasse. Um empresário japonês, um segurança de corpo atlético, um artista de olhos claros e mãos hábeis. André assistia. E sofria. E se masturbava pensando nela, imaginando seus gemidos, suas pernas abertas, o calor que ela negava a ele e dava ao mundo.

Mas não desistiu.

Começou a estudar seus movimentos. Sabia onde ela gostava de sentar, o que bebia, quando sorria com interesse. Um dia, se ofereceu para pagar um drink. Ela aceitou. Conversaram. Descobriu que ela era formada em Letras, filha de pastor, rebelde desde os quinze. Priscila dizia que transar era sua forma de não morrer. André, encantado, ouvia e ardia.

— Você quer me comer, né? — ela disse uma noite, encarando-o sem pudor.

— Quero — respondeu, sem rodeios.

— Então espera.

Ela foi embora com um homem de terno branco.

André esperou. Por semanas.

Até que uma madrugada, ao fim da música, ela o chamou com o dedo.

— Vem.

Foram para o apartamento dela, pequeno, decorado com velas e livros. Priscila tirou a roupa devagar. Sem pressa. Como se estivesse em um altar. Ficou nua diante dele, sem vergonha. O corpo era perfeito em sua realidade: seios firmes, coxas largas, barriga suave. Um mapa de todas as noites que ele invejara.

André ajoelhou-se.

Beijou-lhe os pés, as pernas, o ventre. Ela segurou seu cabelo e o guiou. Ele a lambeu com devoção, como quem reza. Ela gozou em sua boca, gritando seu nome.

Depois o puxou para dentro de si. Montou-o com ferocidade. Rebolava, gemia, mordia. André segurava seus quadris como se fosse desabar. Sentiu-se homem, bicho, oferenda.

Quando acabou, ela acendeu um cigarro e riu.

— Agora você me tem. Vai continuar querendo?

Ele não soube responder.

Amava-a mais do que nunca. Mas sabia: ela nunca seria só sua.

E talvez, pensou, fosse isso que o excitava tanto.

André voltou, noite após noite, como quem obedece a um feitiço.

Priscila sabia. E jogava com isso.

Dançava mais perto dele, olhava em sua direção enquanto enfiava a língua na boca de outro homem. Às vezes, André a encontrava nos braços de dois ao mesmo tempo, sorrindo com aquela calma perversa. E ele ficava ali, preso entre o ciúme e a ereção, entre o desprezo e a devoção.

Mas não ia embora. Nunca ia.

Certa noite, ela o puxou pela mão e sussurrou:

— Vem ver.

Levou-o até os fundos da casa noturna, onde os segredos fedem a sexo e cigarro. Havia um cara lá. Moreno, corpulento, talvez um dos seguranças. Ela o beijou sem dizer nada, as mãos do homem logo explorando cada centímetro daquele corpo que André tanto desejava. Ela se virou, empinou, abaixou a calcinha. E se deixou tomar.

André ficou ali. Gelado. Ardente. Vendo.

— Isso te machuca? — ela perguntou depois, ajeitando a saia, ofegante.

— Não sei… acho que sim.

— Mas continua vindo.

Ele assentiu. Continuava. Porque queria mais. Porque, em algum nível doentio e belo, ele a compreendia. E ela, no fundo, também o queria.

O tempo passou. As provocações continuaram. Mas mudaram.

Priscila passou a procurá-lo com os olhos. Ficava mais tempo perto dele, às vezes recusava outros. Certa noite, dançaram juntos por horas. Trocaram beijos, muitos, longos, quentes. Ela deixou que ele a tocasse por dentro da calcinha no meio da pista, escondidos por nada. E quando gozou nos dedos dele, mordeu seu ombro e sussurrou:

— Você me quebra.

No apartamento dela, passaram a se ver com mais frequência. Fizeram amor, não só sexo. André notava a diferença. Ela chorou uma vez, depois do orgasmo.

— Você me olha como se eu fosse pura.

— Talvez você seja. Do seu jeito.

Naquela noite, ela dormiu nos braços dele, pela primeira vez.

O jogo mudou. Ela passou a dizer “não” para outros. Ele a viu recusar um trio. Um ex. Um empresário. Os olhos dela, antes vagos, agora o procuravam como farol.

Priscila ainda era livre. Mas começava a se prender — sem correntes.

E André, que antes só queria possuí-la, agora queria ser abrigo.

Ela passou a aparecer sem aviso, como um incêndio noturno.

Uma vez, invadiu o apartamento de André à meia-noite, embriagada de vinho e desejo. Veio vestida apenas com uma camisa dele — que havia roubado dias antes — e uma calcinha de renda preta que parecia feita para pecar. Sem uma palavra, ajoelhou-se diante dele e o despiu, com a calma de uma sacerdotisa em ritual.

Fez sexo oral como quem devora um segredo. Olhos fixos nos dele. Desafiando-o. Desarmando-o.

Depois subiu em seu colo e se esfregou contra ele, ainda vestida. Roçava, mordia, gemia. Mas não deixava entrar. Era tortura. Queria ver até onde ele aguentava.

— Me deixa louco — ele sussurrou.

— É porque você me olha com alma. Eu não estava pronta pra isso.

Mas os toques se tornaram mais íntimos, mais lentos. Mais cúmplices.

No sofá, no banheiro, no capô de um carro sob a chuva — Priscila se entregava em partes, como se testasse os próprios limites. Uma noite, o levou para um motel com espelhos por todos os lados. Quis que ele a visse com outro, um tatuado, másculo, silencioso. André assistiu, e ela não tirava os olhos dele. Quando terminou, deitada, suada, abriu os braços e disse:

— Agora vem. Me mostra o que é ser sua.

E ele veio. Com raiva, com desejo, com amor. Fez dela seu universo.

Naquela noite, ela chorou. De novo.

— Não aguento mais brincar com o mundo se não for pra te ter no fim — disse, nua, nos braços dele.

A partir dali, os jogos mudaram. Os olhares nos clubes agora eram só para ele. As mãos, a pele, os beijos — tudo era mais profundo, mais cheio de verdade.

Priscila ainda provocava, mas agora era diferente. Sabia que André era o centro. Que ele era o que restava depois do caos. E ele também sabia: ela era sua tempestade e seu refúgio.

Um dia, entre lençóis amassados e corpos exaustos, ela sussurrou:

— A gente não vai mais conseguir se deixar, né?

— Não. A gente já é.

E foram. Juntos. Como dois loucos que, ao se queimarem, viraram um só fogo.

A vida a dois começou sem grandes pactos. Apenas o silêncio confortável de dois corpos que já se conheciam demais para fingir cerimônias. Priscila passou a deixar escovas de dente, calcinhas esquecidas, perfumes espalhados. André ajeitava tudo em silêncio, como quem acolhe, como quem espera — não por gestos, mas por presença.

O sexo, agora diário, era outro. Menos performance, mais entrega. Ainda havia noites em que ela se montava como uma deusa — salto, lingerie, olhos de felina — só para o receber na porta. Fazia striptease, dominava, provocava. Às vezes pedia que ele a amarrasse. Noutras, que a tomasse com força, como se não fossem mais amantes, mas algo mais selvagem, mais antigo.

Mas depois vinha o afago. O beijo demorado nas costas. O “fica comigo”. A cabeça dela no peito dele, escutando seu coração como se fosse uma canção que só ela entendia.

Eles viajaram, riram, cozinharam nus, brigaram por ciúmes e fizeram as pazes gemendo um no ouvido do outro. O mundo lá fora seguia indiferente. Mas dentro daquele apartamento, havia um universo inteiro.

Certa vez, ao passearem de mãos dadas por uma rua calma, Priscila parou diante de uma vitrine e disse:

— Sabia que eu nunca imaginei viver isso?

— Isso o quê?

— Amor com permanência. Desejo com ternura.

André sorriu. Apertou a mão dela. Ela continuou:

— Mas... tem uma parte minha que ainda vive num canto escuro. Uma faísca. Dorme, mas não morreu. Eu só queria que você soubesse.

Ele parou. Olhou dentro dos olhos dela. Disse, sem medo:

— Eu sei. E amo todas as suas partes. Até as que me assustam.

Ela mordeu o lábio, emocionada. E beijou-o ali mesmo, como se o mundo fosse acabar naquela esquina.

Naquela noite, fizeram amor como nunca. Com olhos fechados e almas abertas. Como se prometessem, sem palavras, o impossível: ficar.

E talvez ficassem.

Porque às vezes, o amor mais verdadeiro nasce justamente no caos. E resiste — não apesar dele, mas por causa dele.

Mesmo que, lá no fundo, em alguma noite distante, Priscila volte a ouvir o chamado do fogo antigo.

Mas até lá... ela era de André. E ele, dela. Inteiros.

Para sempre — ou o mais perto disso que a vida permite.


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Ficha do conto

Foto Perfil mr-caveira-
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Nome do conto:
Priscila

Codigo do conto:
235272

Categoria:
Heterosexual

Data da Publicação:
10/05/2025

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