A rotina era sempre a mesma: pegava uma blusa escura, vestia o capuz e saía pela cidade caçando confusão. Eu nunca estava nem aí pra nada. Com o tempo, já conhecia a maioria dos loucos por ali. Sempre me embebedando, usando entorpecentes. Era o meu jeito.
Não era famoso, nem querido entre as meninas do rolê. Nunca fiz o tipo da maioria delas, então nem tentava. Só queria a brisa perfeita. Mas numa dessas sextas-feiras de loucura, meu destino cruzou com o de Luana.
Ela também usava blusa escura com capuz, calça jeans, e bolava um baseado sentada na arquibancada. Nunca tinha visto ela por lá.
— E aí, Rafinha, quem é essa garota?
Ele sacou na hora meu interesse.
— Irmã do Billy. A que foi morar com a mãe. Tá passando as férias com o pai.
Eu e Billy não nos dávamos bem. Viciado igual a mim, a gente evitava o mesmo espaço. Ele tinha uma cicatriz no pescoço de briga antiga, dizia que era “A marca de como é difícil de derrubar ele”. Quando soube que Luana era irmã dele, meu interesse só cresceu. É foda, né? Como eu disse: eu sempre caçava confusão.
A noite seguia no ritmo de sempre: som alto, fumaça no ar, gente rindo e gritando. Rafinha sumiu no meio da galera. Fiquei encostado na grade, observando Luana de canto de olho. Ela terminava de bolar o baseado, acendia com calma, dava um trago longo e soltava a fumaça pro céu como se o mundo fosse dela.
De repente, o clima mudou. Billy chegou. Camisa aberta, tatuagens à mostra, olhar vidrado de quem já tinha começado cedo. Passou direto pela irmã. Nem “oi”, nem aceno. Só um tapa nas costas de um cara ali perto e já foi pro meio do rolê, pedindo cerveja, rindo alto.
Luana nem se mexeu. Só deu outro trago. Rotina.
Quem sou eu pra ela me notar? Só mais um cara de capuz no escuro, latinha na mão, cara de quem não dorme há dias. Baixei a cabeça, engoli a cerveja morna e me preparei pra mais uma noite de nada.
Foi quando ouvi os passos. Leves, mas duros. Era ela.
Luana parou do meu lado, encostou na grade, ficou olhando pro nada por um segundo. Depois virou pra mim, com um sorriso de canto de boca.
— Gostei da sua blusa. Chicago Bulls, clássico.
Fiquei travado meio segundo. Ela estava falando comigo.
— Valeu. A sua também. Corinthians, firmeza.
Ela riu. Riso curto, verdadeiro. Olhou pra blusa como se tivesse esquecido o que vestia.
— Essa aqui é velha pra caralho. Ganhei do meu pai quando era uma menina. Ainda cabe. Milagre.
Ri junto. Pela primeira vez naquela noite, a brisa parecia estar chegando.
Ficamos ali, encostados na grade, capuzes apoiados na parede fria como travesseiros improvisados. O som do rolê ficava mais longe, abafado pelo vento. Luana falava baixo, mas cada palavra batia firme, sem enrolação. Era baixinha — mal chegava no meu ombro —, mas carregava uma presença que ocupava o dobro do espaço.
Quando ria, o rosto inteiro se abria: sorriso largo, sincero, iluminando as sardinhas espalhadas pelo nariz e bochechas como estrelas salpicadas. Era lindo. Era perigoso.
Eu não conseguia desviar o olhar. Um imã. Puxava tudo: peito, estômago, sangue. Cada gesto dela — virar a cabeça, passar a mão no cabelo curto por baixo do capuz — acendia uma faísca. Eu queria tocar. Queria sentir. Queria saber se a pele era tão quente quanto parecia.
Ela percebia. Claro. Os olhos escuros, afiados, deslizavam por mim sem pressa. Quando eu falava, ela se aproximava um pouco mais. Ombro roçando no meu, de leve. Como quem não quer nada. Mas quer tudo. A mão dela, pequena e firme, batia no meu braço quando ria de alguma besteira que eu soltava. Toque rápido. Mas ficava queimando.
Era pequena, mas não frágil. Tinha atitude de quem já enfrentou o mundo e voltou rindo. E isso me prendia. Queria aquela força. Aquela boca. Queria ver até onde aquele sorriso ia quando ninguém mais estivesse olhando.
A conversa rolava fácil, como se a gente já se conhecesse de outras vidas. O baseado dela acabou, meu copo esvaziou, o rolê lá atrás perdeu a graça. Olhei pra ela — sardinhas brilhando, sorriso que não saía — e soltei:
— Quer dar um rolê? Só nós dois, longe dessa bagunça.
Ela nem pensou. Olhos faiscaram, sorriso se alargou.
— Bora.
Saímos andando, sem pressa, lado a lado. Capuzes na cabeça, passos sincronizados. Do canto do olho, vi Billy no meio da galera. Ele virou a cabeça, nos viu saindo. Nossos olhares se cruzaram por um segundo. Ele sabia quem eu era: o louco, o cara que não media consequência. Mas não disse nada. Só apertou a garrafa, deu as costas e voltou pro papo.
Andamos umas quadras. O barulho sumindo. Paramos num beco estreito, luz de poste piscando no fim. Ela encostou na parede. Eu fiquei na frente. Silêncio. Só respiração.
Ela me olhou. Eu a olhei. Não precisava falar.
Me aproximei. Ela ergueu o rosto — baixinha, mas com força toda nos olhos. Nossas bocas se encontraram. Primeiro devagar, testando. Depois firme, urgente. As mãos dela subiram pro meu pescoço, puxando o capuz pra trás. As minhas desceram pra cintura, apertando o tecido do Corinthians.
O beijo era o encaixe perfeito. A boca dela abria na medida exata da minha. Língua encontrando língua. Eu mordia o lábio inferior dela, ela respondia com um gemido baixo que vibrava no meu peito. Mãos dela na minha nuca, guiando. Minhas deslizando pelas costas. Tudo fluía. Sem tropeço. Sem pausa. Como se nossos corpos já soubessem o roteiro inteiro.
Ela virou de costas, ainda colada em mim, mãos na parede. Eu a segui. Peito nas costas dela, boca no pescoço. Beijo ali, mordidinha aqui. Ela arqueou. Minha mão desceu, desabotoou a calça com um estalo. A dela ajudou, empurrando jeans e calcinha preta até os tornozelos. Pés travados, abertos. A pele das nádegas, branca, quase brilhava no escuro, contrastando com a blusa escura.
Segurei firme. Apertei. Abri. Ela empinou, oferecendo.
Meu pau latejava, livre. Entrei devagar — calor, aperto, suspiro rouco contra a parede. Depois mais fundo. Mais rápido. Cada estocada respondida por um rebolado perfeito. Quadril girando no meu ritmo. Mãos nas nádegas, dedos cravados, eu puxava ela pra mim enquanto ela se empurrava pra trás. Como se fôssemos um só corpo. Inevitável.
O beco ecoava só nossos sons: respiração ofegante, carne batendo, gemidos abafados.
Terminamos colados, suor misturado, respiração se acalmando. Ela subiu a calça. Eu ajeitei a minha. Trocamos um olhar que dizia tudo. Mão na mão, voltamos pro rolê como se nada tivesse mudado. Só dois capuzes na noite.
Chegamos na arquibancada. O som ainda batia alto. Escolhemos o canto mais escuro, sentamos lado a lado, pernas encostadas. Ela apoiou a cabeça no meu ombro. Eu passei o braço por trás.
Beijos lentos começaram de novo: testa, bochecha, sardinhas, boca. Sem pressa. Só vontade de ficar ali, curtindo o gosto um do outro. Ela ria entre um beijo e outro. Eu mordia o lábio dela de leve. Ela respondia com a língua. Natural. Nosso.
A noite passou assim: beijo, riso, beijo. A galera dançava lá embaixo. A gente estava num mundo só nosso.
Quando o som baixou e a galera começou a dispersar, Billy apareceu. Olhos vermelhos, passo pesado. Parou na nossa frente, me encarando.
— O nóia… onde você levou essa vagabunda?
O ar gelou. Luana apertou minha mão. Eu levantei devagar, sem soltar.