Naquela noite, porém, algo era diferente. O ar estava carregado não com ciúme, mas com uma curiosidade profunda e um pouco assustadora. Observava Beto e Amanda conversando sobre um filme que eu não tinha visto, e em vez do frio habitual na barriga, senti uma pontada de algo quente, um interesse voyeurístico. Como seria ver aquela dinâmica de outro ângulo? Não como participante, mas como… espectadora privilegiada?
A conversa fluiu para assuntos mais pessoais, para memórias de infância, para medos ridículos. O vinho afrouxou nossas línguas e, mais importante, nossas defesas. Em um determinado momento, Amanda, falando sobre seu terror de palhaços, gesticulou e sua mão tocou levemente no braço de Beto. Foi um toque casual, mas o ar parou. Meus olhos encontraram os de Beto, e eu vi nele não a culpa que esperava, mas uma pergunta. Uma pergunta silenciosa, cuidadosa, dirigida a mim.
E eu, para meu próprio espanto, respondi com um pequeno sorriso. Quase imperceptível.
Foi esse sorriso que abriu a porta.
Mais tarde, depois que a Amanda foi embora, o silêncio no quarto era espesso, palpável. Beto deitou ao meu lado e, em vez de virar de costas, ficou de frente para mim, seus olhos sérios escaneando o meu rosto.
- "Você ficou brava?" - ele perguntou, sua voz um sussurro áspero.
Eu balancei a cabeça devagar, procurando as palavras dentro de mim.
- "Não. Estava… curiosa”
- "Curiosa como?"
E eu me soltei. Falei da estranha sensação de observar os dois, daquela centelha de atração que não era exatamente por ele, nem por ela, mas pela dinâmica que eles criavam. Falei de um desejo que eu mesma não sabia que habitava em mim: o desejo de quebrar o espelho da monogamia convencional e ver o que havia do outro lado. Não por falta de amor por ele, mas por um excesso de curiosidade sobre mim mesma. Sobre nós.
Foi a conversa mais assustadora e mais íntima da nossa relação. Não era sobre traição; era sobre expansão. Sobre a possibilidade de explorar um território novo, juntos. E no centro daquele mapa estava a Amanda, com seu riso fácil e seu jeito despretensioso de ser linda.
Os dias que se seguiram foram de uma tensão deliciosa e agonizante. Cada mensagem de Amanda no grupo, cada planos que fazíamos os três, era carregada de um subtexto que só Beto e eu entendíamos. Eu me observava reagir a ela de uma nova forma. Notava a curva do seu pescoço, a suavidade da sua pele, o jeito como ela mordia o lábio quando pensava. Era como se eu tivesse ajustado o foco de uma câmera e agora enxergava uma camada de beleza que antes era apenas amizade.
A decisão final foi minha. E a proposta, também. Foi eu quem, com o coração batendo na garganta, convidei Amanda para jantar, sozinha. Foi eu quem, sob a luz suave de um velho restaurante italiano, coloquei minha mão sobre a dela e, olhando fundo em seus olhos castanhos surpresos, fiz a pergunta que mudaria tudo.
- "Amanda” - comecei, minha voz mais firme do que eu esperava - "O Beto e eu… temos conversado sobre o quanto gostamos da sua companhia. Sobre como você… ilumina nossa casa” - respirei fundo - "E temos um desejo, um desejo que nos assusta um pouco, de nos aproximarmos mais de você. De uma forma diferente”
O choque em seu rosto foi substituído por uma compreensão lenta, e então por uma curiosidade intensa. Ela não fugiu. Não riu. Ela virou a mão sob a minha e apertou meus dedos.
- "Paula” - ela sussurrou - "Eu também tenho… pensado em coisas que não deveria”
Aquela admissão foi o último baú do tesouro se abrindo.
A noite que se seguiu não foi sobre sexo em si; foi sobre a mais pura e crua intimidade. Foi no nosso apartamento, com as luzes baixas e a mesma trilha sonora de jazz que sempre tocava. Os três sentados no sofá, a distância entre nós diminuindo centímetro a centímetro, até que não havia mais distância.
O primeiro toque foi meu, em Amanda. Passei as costas dos meus dedos por sua face, sentindo o calor sob a pele. Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para meu toque, um suspiro escapando de seus lábios. Então, ela se virou para Beto, e eu vi ele beijá-la, e em vez de ciúme, senti uma onda de possessividade sobre ambos. Eles eram meus, daquele jeito. Eu era deles.
O que aconteceu depois foi uma dança lenta, um desvendar de corpos e almas que eu nunca imaginei possível. Havia uma reverência em cada movimento. Eu explorava a suavidade de Amanda, tão diferente da minha, sentia a força familiar de Beto, mas agora compartilhada, amplificada.
Em certo momento, deitada entre os dois, sentindo o calor de seus corpos contra o meu, olhando para o teto escuro, eu entendi. Aquilo não era sobre um ‘ménage’. Era sobre eu, Paula. Era sobre a mulher que era capaz de sentir prazer não apenas no toque, mas no ato de presentear o homem que eu amava, com uma nova experiência, e de receber o presente da confiança e do corpo de uma amiga. Era sobre descobrir que meu amor por Beto não era uma coisa frágil, que poderia se quebrar com um toque a mais, mas era elástico, expansivo, capaz de envolver mais alguém sem se romper. Era sobre descobrir que a atração não é um recurso finito. Era sobre o poder soberano de me ver, pela primeira vez, como o centro do meu próprio universo sensual. Eu não era uma coadjuvante naquela cena; eu era a sua arquiteta, a sua sacerdotisa. Cada suspiro, cada olhar trocado entre Beto e Amanda, era um reflexo do meu desejo, da minha permissão, da minha própria força.
Amanheceu. A luz do dia entrou tímida pelo quarto, iluminando os três entrelaçados, um emaranhado de membros e lençóis. O silêncio era de paz, não de arrependimento. Amanda acordou primeiro, seus olhos encontrando os meus. Ela sorriu, um sorriso pequeno e um pouco vulnerável. Eu sorri de volta, e naquele sorriso havia uma promessa de que nossa amizade não só sobreviveria, mas se transformaria em algo mais profundo.
Ela saiu mais tarde, depois de um café da manhã tranquilo e cheio de olhares significativos. Beto e eu ficamos sozinhos na cozinha, a louça suja na pia testemunhando a noite anterior.
Ele me puxou para um abraço, seu queixo no topo da minha cabeça.
- "E aí?" - ele perguntou, sua voz reverberando em seu peito contra o meu ouvido.
Eu me afastei o suficiente para olhar em seus olhos.
- "Eu me sinto… inteira” - eu respondi (E era a mais pura verdade).
A maior descoberta não foi sobre prazer carnal. Foi entender que a minha identidade, a minha sexualidade, era um oceano que eu mal havia começado a navegar. E naquela noite, com Beto e Amanda, eu não tinha apenas entrado em águas mais profundas. Eu tinha aprendido, finalmente, a nadar.
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