Fumaça, Cerveja e Frestas



Sempre fui homem de rotinas. Pela manhã, café forte. Ao fim da tarde, uma caminhada curta até o bar da esquina — não pelo bar em si, mas pelos cigarros que costumava comprar ali. Era perto o suficiente para não justificar carro, e longe o bastante pra arejar a cabeça.
O bar, de fachada simples, não ostentava letreiros nem promoções gritadas. Um toldo desbotado, dois ou três homens jogando conversa fora nas mesas de ferro. A luz do fim de tarde batia enviesada entre as frestas das telhas, deixando o ambiente com cheiro de sol envelhecido e madeira úmida.

Ele sempre estava lá. Atrás do balcão ou recostado na porta, como se fosse parte da construção. Moreno, robusto, mãos grandes sempre em movimento — secando copos, ajeitando caixas, acenando para algum freguês com um grunhido de quem não precisa falar muito pra ser ouvido. Tinha um bigode espesso, barba por fazer que sombreava o rosto com virilidade crua, e um jeito de inclinar o corpo que exalava conforto com o próprio tamanho.

A primeira vez que trocamos mais do que um “boa tarde” foi num desses dias em que eu saí sem carteira.
— Me vê um maço, por favor.
Revirei os bolsos e percebi a falha. Ele me olhou de soslaio, com aquele meio sorriso de canto de boca.
— Fica tranquilo. Sei que você volta.
Disse isso sem soleneza. Não era favor, era confiança. Como quem oferece um gole de pinga pra um amigo de longa data.

Agradeci com um aceno discreto, meio sem jeito. Mas ao sair, senti o peso do olhar dele nas minhas costas. Não era invasivo, mas era... presente. Como uma mão que não toca, mas quase.

A partir daquele dia, passei a notar mais. A forma como ele coçava o queixo enquanto me ouvia. O modo como dizia meu nome — sempre firme, mas com um tom que fazia minha pele prestar atenção. Às vezes me perguntava da vida. Não muito. Mas o suficiente pra parecer que se importava.
E eu comecei a ir ali mesmo quando ainda tinha cigarro em casa.

Comecei a reparar também nas mãos dele. Eram largas, os dedos grossos e com marcas de tempo — pequenos cortes antigos, calos nas juntas, unhas limpas mas não cuidadas. Mãos de quem trabalha com força, mas não tem pressa. Às vezes, quando passava o troco, ele encostava de leve nas minhas, como se sem querer. E talvez fosse mesmo. Mas aquele toque curto ficava na pele mais do que o esperado.

Numa quinta-feira morna, dessas em que a cidade parece cochilar antes da chuva, cheguei no bar e ele estava sozinho. Sem fregueses, sem barulho de TV, só ele, um pano no ombro e uma cerveja aberta ao lado da registradora.

— Hoje tá morto o movimento, hein.
Ele ergueu os olhos e respondeu com a voz grave, lenta:
— Morto e com preguiça de levantar.

Sorri. Ele deu dois tapinhas no balcão.
— Senta aí. Toma uma comigo.
— Só bebo em dias pares.
— Hoje é vinte e três.
— Então me convence.
Ele riu com aquele som rouco que parece vir do peito, não da garganta.

Aceitei a garrafa e bebi devagar. O álcool era menos forte que a presença dele. Ficamos ali, os dois meio calados, ouvindo a água do balde que ele usava pra limpar as coisas, o barulho esporádico de um carro passando na rua molhada. Em algum momento, nossos olhares se cruzaram mais longamente do que o trivial.

— Tá mais tranquilo ultimamente — ele comentou.
— A vida ou eu?
— Você. Parece mais... leve.
— Talvez seja o cigarro fiado.
Ele sorriu.
— Se quiser, posso te fiar mais coisa.

Disse isso e mordeu o canto do lábio inferior, um gesto breve, mas que fez meu abdômen contrair sem eu querer. A frase pairou entre nós como um lençol molhado no varal, pesado, grudando na pele da imaginação.

Quando levantei pra ir embora, ele foi junto até a porta. Sem necessidade, mas foi. Ao abrir, a mão dele tocou meu ombro com leveza. Não era abraço. Não era empurrão. Era só... um toque. Mas foi como se minha pele tivesse aberto os poros, faminta.

— Qualquer coisa, passa aqui.
— Passo sim.
— Mesmo sem precisar de cigarro.
Assenti.

A rua estava úmida, com aquele cheiro de terra prestes a ser lavada. O céu fechando num cinza de estômago cheio.
Caminhei devagar, mas por dentro... algo em mim tinha pressa.

Voltei ao bar dois dias depois. Dessa vez, nem era pelo cigarro. Era pelo cheiro de madeira, pela cerveja gelada, pela forma como ele me olhava sem pressa, como quem já sabe o que quer — só espera o outro perceber também.

Ele estava encostado no batente da porta, camisa de algodão aberta nos dois botões de cima, revelando parte do peito peludo e um colar de couro gasto. O mesmo bigode, a mesma barba rala, mas agora um olhar mais direto.

— E aí... hoje veio beber ou só me ver?
— Os dois, se tiver desconto.
— Desconto é só se ficar até depois de fechar.

Sentei no balcão. A cerveja veio antes do pedido. Ele sabia.

Ficamos ali, como antes, mas havia algo diferente. O silêncio estava mais pesado, mais cheio. Em um momento, ele se aproximou por trás de mim, pra pegar algo numa prateleira. O calor do corpo dele passou rente ao meu ombro. A barba raspou de leve na lateral da minha cabeça. E ele não se afastou rápido. Ficou ali um segundo a mais do que o necessário. E sussurrou, como quem testa:
— Tem coisa aqui que você ainda não pediu.

Me virei devagar. Os rostos estavam perto demais. O cheiro dele — cerveja, sabão e suor limpo — entrou por mim como um vício. Meu olhar caiu na boca dele, depois subiu até os olhos.
— Então me oferece.

Foi quando ele encostou a mão na minha cintura. Pela primeira vez, com intenção clara. Mão quente, firme, dedos abrindo espaço na minha camisa. O polegar roçou a borda do cós da minha calça.
Meu corpo reagiu. Rígido por fora, pulsando por dentro.

Mas antes que qualquer coisa fosse adiante, a porta se abriu com um estrondo de sineta e vento. Dois homens entraram uniformizados. A tensão se dissipou no mesmo instante — mas não o desejo.

— Boa noite, Raul.
A voz grave veio do maior dos dois. Moreno, alto, ombros largos demais para aquela camisa apertada da polícia militar. O tipo que ocupa espaço sem pedir licença. O rosto era quadrado, barba bem feita, mas a pele do pescoço denunciava a virilidade bruta que ele tentava conter. O outro, mais baixo e mais largo, tinha barriga de chopp e braços grossos. Branco, careca e de olhar cínico, com um sorriso permanente que mais provocava do que acolhia.

— Capitão Braga. Sargento Valim. — Raul respondeu com a calma de sempre, mas eu percebi: a mão dele ainda estava na minha cintura, escondida pela bancada.

Eles me olharam. Primeiro o grandão. Depois o outro. Ambos demoraram um segundo a mais do que deveriam.
— Tudo certo por aqui? — perguntou Valim, com aquele sorriso que parecia saber de mais do que dizia.
— Tudo, sim. Só um cliente fiel.
— Esses são os melhores. Os que voltam. — disse Braga, com a voz grave e o olhar cravado no meu rosto. Ele tirou o boné e passou a mão no cabelo suado. Era o tipo de homem que suava mesmo parado.

Raul soltou minha cintura, aos poucos. Não por medo. Por estratégia.
— Querem cerveja?
— Sempre. Mas estamos de serviço.

Valim se aproximou mais de mim, como quem inspeciona. O cheiro dele era forte — algo entre couro, suor e perfume barato.
— Não te conheço, né?
— Ainda não.
Ele sorriu mais largo, e mordeu uma bala que tirou do bolso.
— Pois deveria. A cidade é pequena. A gente se cruza... cedo ou tarde.

Sentei mais ereto no banco, o corpo tentando recuperar o fôlego do quase-toque anterior. Raul passou por mim e serviu água pros dois. Os olhos dele, quando me encararam de novo, estavam mais sombrios.
Como se dissessem: “A noite só foi adiada”.

Os dois ficaram no bar por quase vinte minutos. Conversa mole, piadas entre homens que se conhecem há anos. Mas o tempo parecia andar mais lento enquanto eu bebia o resto da minha cerveja sem conseguir tirar os olhos do reflexo do espelho atrás do balcão — onde via Raul, firme como um tronco, e os dois policiais rindo alto, alargando o espaço com a presença.

Braga falava pouco, mas observava muito. Os olhos dele percorriam o ambiente como um cão farejador, mas toda vez que se detinham em mim, pareciam mais... densos. Não era só vigilância. Era outra coisa. E Valim, o menor, mais debochado, parecia saber de tudo. Da tensão, da minha respiração entrecortada, da ereção discreta que tentei ajustar no banco quando Raul ainda estava colado em mim.

Quando finalmente saíram, deixaram o silêncio no ar como um rastro. A porta fechou, a sineta balançou devagar, e só então Raul falou:

— Eles não vêm aqui só por água.
— Eu percebi.
Ele limpou o balcão com movimentos lentos.
— Braga foi casado. Mas mora sozinho. O outro... bom, o Valim já foi visto em certos lugares, digamos assim, mais... discretos.
— E você?
Ele me olhou como quem decide se revela ou não.
— Eu tô aqui.

Fechei os olhos por um instante. O calor voltava ao corpo como uma maré. Me levantei, me aproximei dele. Raul continuou ali, encostado no balcão, esperando. Sem invadir, mas receptivo. A mesma mão firme que me segurara antes agora repousava ao lado da minha. Nossos dedos se tocaram de leve. Ele virou a palma e segurou os meus. Entrelaçou com firmeza. Um toque simples, mas íntimo. Suficiente pra tirar o chão por dentro.

— Quer subir? — perguntou com a voz baixa, arrastada.
O bar tinha um segundo andar, onde ele morava.

Assenti. Ele soltou minha mão e deu a volta no balcão, tirando o avental e apagando algumas luzes. A penumbra ficou mais densa. A tensão, mais líquida.

Subimos as escadas devagar. Cada degrau parecia rangir como um aviso. No último, ouvi algo. Um estalo. Como madeira seca. Como passo.

Raul parou. Olhou pra trás.
— Deixei a porta do bar encostada. Eles devem estar por aí ainda.
— Observando?
— Talvez.
— Isso te incomoda?
Ele me olhou de cima a baixo, com aquele olhar de macho que mede, pesa e deseja.
— Depende de quem tá observando.

A porta do quarto se abriu. Luz fraca. Cheiro de tabaco e sabão em pedra. Ele me puxou pela cintura, dessa vez sem disfarce. A mão foi firme na base das costas, e a outra subiu pelo peito. O beijo veio sem aviso — denso, lento, com gosto de cerveja morna e promessas velhas.

Mas lá fora, por uma fresta da janela, vi algo brilhar.
Um reflexo de metal? Uma sombra?

Não falei nada.
Deixei que ele me tomasse pela nuca e me encostasse contra a parede, onde o desejo deixou de ser só imaginação.

Mas dentro de mim, além da excitação e da fome...
havia também o frio do risco.
Alguém estaria ali?

Alguém nos via?

O quarto tinha cheiro de sabão e cigarro. Um ventilador de teto girava lento, cuspindo ar quente. A lâmpada fraca mal dava conta de iluminar os cantos, mas a cama no meio do cômodo parecia acesa com a energia que corria entre nós dois.

Raul trancou a porta com um giro seco e se virou pra mim como quem fecha o mundo lá fora.
— Vem.
A voz saiu baixa, mas firme.
Dei um passo. Ele veio até mim e me beijou com aquela fome contida por dias, talvez semanas. Beijo de homem. Sem frescura, sem piedade. Boca que aperta, língua que busca, barba que arranha. Os corpos se encostaram como imãs que finalmente se rendem.

As mãos dele começaram a desabotoar minha camisa, mas não com pressa. Com método. Como quem quer sentir cada camada sendo vencida. Cada botão era um convite. Quando a peça caiu dos meus ombros, senti as mãos quentes dele percorrerem meu peito, os dedos roçando pelos pelos como se lessem minha história pela textura.

— Gosto do teu cheiro — ele murmurou, com o nariz colado no meu pescoço.
— Tô suado.
— Melhor ainda.

Ele me empurrou devagar até a beira da cama e começou a ajoelhar. Quando os olhos dele se ergueram, havia ali algo entre devoção e selvageria. Puxou meu cós com os dentes.
Sim, com os dentes.
E desceu minhas calças com as mãos firmes, até que ficassem nos tornozelos. Me fez levantar um pé, depois o outro, sem dizer nada. Eu estava nu, em pé diante dele, e nunca tinha me sentido tão desejado.

Raul me olhava com a boca entreaberta, a respiração pesada, como quem se concentra antes de matar a fome. Ele começou a me lamber devagar — da parte interna das coxas, subindo, roçando com a barba, provocando. Cada lambida era como uma brasa úmida. Quando a língua chegou nos meus ovos, ele os sugou com um cuidado bruto, como quem segura algo precioso, mas com vontade de dominar.

E então... me engoliu.
Inteiro.
Fundo.
Sem cerimônia.

Soltei um gemido rouco, instintivo, abafado pela palma da minha própria mão.
A boca dele era quente, molhada, viva. Ele sugava, massageava, fazia movimentos com a garganta que me faziam tremer as pernas. Me segurou firme pelos quadris e me usou na boca como se soubesse que eu precisava daquilo fazia muito tempo.
E eu precisava.

O pau dele já estava duro, grosso, apontando pra cima dentro da cueca apertada. Quando levantou e me empurrou pra cama, vi o volume saltar e pressionar contra o tecido, úmido na ponta.
— Deita de lado — ele ordenou.
Eu obedeci.
Senti o colchão afundar com o peso dele.

Ele se encaixou atrás de mim, o pau pulsando quente contra minha bunda. Passou a mão entre minhas pernas, puxou uma delas pra cima, abriu espaço com o joelho. A barba dele roçava minha nuca, o peito peludo pressionando minhas costas, o cheiro de homem me invadindo inteiro.
— Você quer? — ele sussurrou.
— Quero.
— Então segura firme.

A penetração foi lenta. Doída. Deliciosa.
Ele entrou aos poucos, com a mão firme segurando minha cintura e a outra no meu peito, roçando os mamilos com os dedos. Eu sentia cada centímetro dele me preencher, me abrir, me tomar. A dor virou prazer antes do segundo gemido.

Ele começou a meter devagar, mas fundo. Estocadas lentas, com o quadril pesado, ritmado. E a cada investida, eu me entregava mais. Ele me puxava contra si, me preenchia inteiro, gemia grave, no fundo da garganta.
— Que rabo gostoso... — murmurava.
— Mete...
— Tô metendo. E não vou parar tão cedo.

O suor escorria pelas nossas peles. O barulho da carne contra carne era úmido, sujo, abençoado. E então ele me virou, subiu por cima, afastou minhas pernas com os braços, e me comeu olhando nos olhos. O peso dele sobre mim, os pelos roçando, o peito colado no meu... era mais que foda. Era posse.
Era tesão represado se libertando sem medo.

Gozei antes dele, com a boca aberta, um gemido mudo que me fez arquear as costas.
Ele veio logo depois, enterrado até o fim, derramando tudo dentro de mim com um grunhido baixo e profundo, como se o mundo estivesse acabando e aquilo fosse a única coisa real.

Ficamos imóveis por um tempo. Só o som do ventilador, nossas respirações e um cheiro forte de sexo no ar. Mas algo me fez abrir os olhos.
A janela estava entreaberta.
Lá fora, uma sombra se mexeu.
Rápida.
Como quem percebe que foi visto.

— Tem alguém lá fora — murmurei.
Raul virou o rosto, mas não se levantou.
— Eu sei.

Não havia medo. Havia aceitação.
Aquilo era só o começo.


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Comentários


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gordinho64 Comentou em 13/05/2025

Conto tesudo bem escrito parabéns

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gingerbearbr Comentou em 12/05/2025

Esse local parece promissor. Precisamos saber mais.




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Ficha do conto

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Nome do conto:
Fumaça, Cerveja e Frestas

Codigo do conto:
235386

Categoria:
Gays

Data da Publicação:
11/05/2025

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