Foi ali que a vi.
Sentada no assento de acessibilidade, uma mulher de uns cinquenta anos, uniforme branco de enfermeira, cabelo preso num coque simples. Tinha um jeito calmo, um olhar firme e um sorriso de quem já viu o mundo inteiro e ainda assim guarda segredos.
Quando entrei, ela levantou os olhos e por um instante, ficou me observando.
O ônibus arrancou e eu precisei segurar firme no ferro, bem ao lado dela. A proximidade era inevitável. Cada freada me fazia balançar e o corpo dela reagia, leve, como se aceitasse o contato.
O olhar dela descia, de vez em quando, pra altura da minha cintura, e voltava disfarçado. Um jogo mudo começava ali, entre o balanço do ônibus e o vai e vem da respiração. Meu volume ficava evidente por que ando sem
Cueca.
As ruas seguiam, os passageiros mudavam, mas nós permanecíamos no mesmo lugar — presos num silêncio carregado, onde cada movimento dizia o que as palavras não podiam.
Ela ajeitou o jaleco no colo, cruzou as pernas e olhou pra mim de novo. Dessa vez, não desviou. O olhar dizia tudo.
O ônibus freou bruscamente, me fazendo apoiar a mão no encosto do assento dela. Por um segundo, nossos corpos se tocaram. E ela sorriu, quase imperceptível.
— Tá sempre cheio assim, né? — disse, com voz serena.
— Sempre. Mas às vezes vale a pena pegar esse caminho — respondi.
O ônibus seguiu, barulhento, mas entre nós o tempo parecia lento.
No reflexo da janela, eu via o sorriso dela — discreto, provocante, consciente do jogo que criara.
Quando o veículo se aproximou do ponto final, ela se levantou.
Passou por mim devagar, com o mesmo olhar calmo e firme de antes, e sussurrou, quase num sopro:
— Às vezes, o melhor remédio é o acaso.
Desceu, misturando-se à rua ensolarada.
E eu fiquei ali, com o corpo ainda quente, tentando entender se aquilo tudo tinha acontecido — ou se tinha sido só mais uma febre de ônibus, dessas que fazem o coração bater fora do compasso.
Esse tá sempre cheio mesmo...