A casa nova ainda cheira a tinta fresca e a madeira envernizada; o piso de porcelanato refletindo a luz da manhã como se fosse um lago resplandecente. Tudo aqui é limpo, arrumado, quase perfeito demais: cortinas brancas que dançam com a brisa, vasos de samambaia pendurados na varanda, brinquedos das meninas alinhados no tapete da sala. Só o que não se arruma é o vazio que mora dentro de mim.
Chego do plantão e o silêncio da casa nova me engole. O marido dorme no sofá de couro claro, que compramos por um preço desnecessário, a barriga subindo e descendo em ritmos constantes, a TV murmurando versículos que ninguém ouve. Subo as escadas acarpetadas, o corrimão de madeira polida deslizando sob meus dedos cansados. Beijo minhas filhas já dormindo — Alice agarrada ao ursinho como se ele pudesse protegê-la dos pesadelos que eu mesma carrego; Helena com o cabelo espalhado no travesseiro como um halo angelical que á tempos já não me protege.
No banheiro, a porta fecha silenciosa, em um clique macio. O espelho é grande, novo, cruel. Tiro o uniforme verde e fico só de calcinha branca de algodão e sutiã de renda claro, que comprei me sentindo suja, em uma loja dourada no centro da cidade. É a primeira vez que uso lingerie de verdade desde que me casei. Lembrando dos elogios murmurados de alguns estagiários inconvenientes e emocionados, — no serviço, dizem que sou séria, que comando com firmeza, mas sempre com respeito — olho para o meu corpo como quem olha para uma estranha: seios ainda altos, cintura delgada, uma linha fina na barriga magra que ninguém mais vê. A água do chuveiro cai quente, escorre pelos ombros, pelos seios, entre as pernas. Me abro devagar. O azulejo é frio, mas meu corpo está em brasas. Meus dedos encontram o caminho de sempre, deslizam, circulam, mergulham. A imagem vem sem permissão: Dra. Marina inclinada sobre o balcão, jaleco aberto, o tecido fino marcando seus mamilos, sua voz rouca me chamando. Gozo em silêncio, mordendo o próprio braço para não gritar o nome de ninguém.
A culpa vem logo depois, acompanhada de uma promessa silenciosa de que aquela seria a última vez. A Bíblia de capa azul está ali, no armário, ao lado do creme hidratante, pronta pra me condenar. Um bilhete pendurado entre as páginas grita — “o caminho da vida é para o prudente” — guardo-o depressa, como quem fecha uma porta para o inferno, mesmo sabendo que aquela é a única sensação de prazer que possuo em minha vida medíocre.
O culto de quarta passou a ser o único espaço que me recebia sem a presença caótica da minha família — além do meu próprio trabalho. Diferente do domingo de todos, era um dia dedicado somente às mulheres. O grupo de oração acontece no salão anexo à igreja, um espaço com paredes brancas, cadeiras de plástico e um ventilador de teto que range copiosamente. O café é fraco, o biscoito é de polvilho e as tortas de frango são servidas sempre no final do culto, mas o cheiro de açúcar queimado e o som das gargalhadas baixas me embalam. As mulheres se sentam em círculo, Bíblias abertas no colo, mãos que se tocam ao orar, abraços que demoram um segundo além do permitido. Quando Kátia ri alto demais, quando Lúcia enxuga uma lágrima disfarçada, quando Jéssica aperta meu ombro com força demais, sinto um calor subir pelo peito que não sei nomear.
Na primeira vez que a vi, ela chegava numa noite de chuva pesada, o cabelo preto grudado nas costas, a blusa branca transparente de água que colheu no caminho do SUV estacionado no lado oposto da rua até a frondosa porta de madeira. Sentou-se ao meu lado sem pedir licença. O cheiro de chuva e sabonete de avelã me invadiu. Ellen parecia ser bem mais jovem do que os quarenta anos confessados com orgulho. Laura veio atrás, acompanhando a mãe como uma sombra, a mesma altura, o mesmo olhar, o mesmo sorriso que, despretensiosamente, tentava esconder sua brilhante vida acadêmica. E em meio às demais mulheres, passamos a ficar sempre juntas: arrumando cadeiras, guardando copos, dividindo comentários em voz baixa. As conversas começaram como gotas de chuva fina: o preço do feijão, a febre da Helena, o clima de mudanças repentinas de temperatura... Mas logo as palavras escorregaram para lugares mais profundos. Comecei a desabafar sobre o relapso de Jorge, do cheiro de peixe que impregnava na camisa dele quando chegava da pescaria, da maneira que seus olhos passavam por mim como se eu fosse parte do reboco da sala. Ellen respondia com silêncios que pesavam mais que frases, mas logo ela cedeu aos próprios desalentos: o sargento que partia por quinze dias e voltava falando de problemas no serviço, nunca de saudades. Ríamos baixo, quase sem som, o hálito dela roçando minha orelha, quente e doce, deixando um rastro de perfume importado que ficava na minha pele até a hora de dormir. Abraços que começavam castos e terminavam com as mãos dela nas minhas costas, apertando um segundo além do permitido, como quem testasse se ainda há vida ali.
Laura passou a rondar essas conversas como uma sombra perfumada. Além de uma inteligente estudante de medicina, cantava no louvor com a voz firme, braços erguidos, suor escorrendo pelo decote da blusa justa, o mesmo cheiro de sabonete cítrico que a mãe usava. Quando ela se aproximava para ajudar a guardar as cadeiras, o braço roçava o meu, e eu sentia o calor subir pelo meio das pernas, um formigamento que não tinha nome.
Em casa, o porcelanato novo refletia o caos: copos quebrados, vozes das meninas se misturando aos resmungos de Jorge procurando a camisa que eu mesma havia dobrado. Eu servia o café da manhã com as mãos tremendo, orava com Helena e Alice antes da escola — “Papai do Céu, abençoe a mamãe” —, e as mãozinhas pegajosas apertavam as minhas enquanto eu tentava não pensar no perfume que ainda grudava na gola da minha blusa desde a noite anterior.
Numa quarta-feira, o salão ficou vazio mais cedo que o costume. O cheiro de café frio pairava no ar, poeira dançando na luz fraca que entrava pela janela empoeirada. Ellen empilhava cadeiras devagar demais, os ombros curvados como se carregassem o peso de todos os cultos que já havíamos feito.
— Ellen…
Ela parou, a cadeira ainda nas mãos, olhar fixo no chão de cerâmica de rejuntes encardidos.
— Só cansada, Júlia.
Toquei seu braço. A pele queimava sob o tecido fino da blusa.
— Não é só cansaço.
Ela desmontou ali mesmo. Lágrimas grossas, silenciosas, escorrendo pelo rosto moreno. Abracei-a como quem abraça um espelho quebrado, tentando juntar os cacos. Ela enterrou o rosto no meu peito, soluços abafados contra minha blusa, o cheiro de camomila do seu cabelo me invadindo como uma oração proibida.
— Acho que não nos amamos mais, Júlia. Estamos juntos apenas pela Laura. Há tanto tempo que eu já nem sei mais como é ser desejada — sussurrou em um desabafo contido.
— Eu sei como você se sente, Ellen...
Ela ergueu o rosto, olhos vermelhos, pupilas tão dilatadas que engoliam o castanho.
— Você? A mulher mais perfeita da igreja? Duvido!
Sorriu, com lágrimas deslizando sobre os lábios de morango, duvidando de todos os fantasma que eu encarcero no mais profundo do meu peito. E em um rompante impensado, deixei um deles escapar:
— Eu me toco toda noite, Ellen. Toda noite! É o único momento em que ainda sou minha.
O ar parou. Senti o coração bater na garganta. Ela se afastou de repente, como se minhas palavras fossem brasa.
— Desculpa! — Tentei voltar atrás.
Saiu quase correndo, o som dos passos ecoando no salão vazio. Fiquei ali, o cheiro dela grudado em mim como marca de ferro.
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O celular vibrou horas depois, quando eu já estava deitada, o quarto escuro, o marido roncando ao lado.
“Desculpa fugir. Aquilo que você disse… mexeu comigo demais.”
Dedos trêmulos sobre a tela.
“Desculpa eu. Fui muito indiscreta, mas... mexeu como?”
“Também me toco toda noite. E desde hoje, só consigo pensar em você fazendo isso.”
O mundo girou. Senti um calor líquido entre as pernas, tão forte que precisei fechar as coxas com força. Respondi sem pensar:
“Eu também. Agora também.”
A frase foi sozinha, digitada com o polegar trêmulo. O coração batia tão forte que eu sentia nas gengivas.
Uma foto chegou. Não era só foto; era uma visão pecaminosamente divina. A mão dela dentro da calcinha preta de renda, dedos afundados até o nó, o tecido esticado, a coxa grossa aberta sobre o lençol branco amarrotado. Abaixo, um vídeo de quatro segundos: o dedo médio entrando e saindo devagar, brilho de umidade escorrendo, som molhado tão alto que precisei abaixar o volume do celular, totalmente em pânico.
Ellen me pediu: — “Grava pra mim. Quero ouvir você gozar.”
O corpo respondeu antes do cérebro. Os mamilos endureceram tanto que doeram contra o cetim da camisola. Um fio quente escorreu entre minhas coxas, lento, viscoso, grudando a calcinha no clitóris como se fosse cola. Levantei-me devagar, centímetro por centímetro, o braço dele deslizando pesado sobre o lençol. Coloquei o travesseiro no meu lugar, sentindo o calor do meu corpo ainda ali. Desci da cama descalça. O porcelanato novo estava gelado, queimava as plantas dos pés como gelo em brasa.
Corri para o banheiro, fechei a porta com dois dedos, sem trancar. Sentei na tampa do vaso, o frio do acrílico subindo pelas nádegas, arrepiando a pele inteira. Camisola até a cintura. Calcinha branca de algodão encharcada, o tecido grudado nos lábios, transparente de tão molhada. Tirei com um puxão. O cheiro subiu imediatamente: quente, doce, salgado, meu. Fotografei de perto, flash ligado, o clitóris inchado, vermelho, brilhando. Enviei. Ellen respondeu com um áudio de sete segundos: respiração pesada, gemido rouco, som de dedos entrando fundo, depois a voz dela, quase quebrada: “Você tá pingando, Júlia. Me mostra gozando.”
Desajeitadamente, coloquei o celular no chão, câmera ligada, pernas escancaradas. — Era a primeira vez que eu fazia aquilo e não me senti tão mal quanto deveria — Um dedo deslizou por cima do clitóris, tão sensível que ardeu. Outro dedo entrou, depois dois, depois três. O som era obsceno: molhado, ritmado, ecoando no azulejo como tapa. O quadril subia sozinho, buscando mais. Imaginei a língua dela ali, grossa, quente, rodando devagar, depois chupando com força até doer. O cheiro dela no meu nariz, o gosto que eu nunca provei mas já sentia na boca. “Mais rápido" — ela implorou — "Quero ouvir você se acabando nesses dedos.” Aumentei. indicador e médio batendo fundo, polegar esmagando o clitóris, a outra mão apertando o seio com tanta força que deixou marca. A respiração virou grunhido. O orgasmo veio de dentro, como se algo se rompesse. Gozei com o corpo inteiro arqueado, jato quente batendo no chão, escorrendo pelas coxas, respingando no porcelanato e na tela do celular. O grito saiu abafado na palma da mão, longo, animal, o nome dela rasgando a garganta: “Ellen… Ellen… worrrr!!…”
O celular capturou tudo. Quarenta e um segundos de som molhado, gemidos entrecortados, meu corpo tremendo tanto que a câmera balançou. Enviei sem pensar.
Ellen respondeu em tempo real, voz quase sem fôlego: “Eu gozei junto. Ouvi você me chamar. Gravei também. Agora tenho você pra sempre.” Fiquei ali, sentada no vaso, pernas abertas, suor escorrendo entre os seios, o cheiro de sexo tão forte que impregnou o banheiro inteiro. O marido roncava no quarto ao lado, alheio. O celular ainda quente na mão, tela manchada com gotas do meu gozo.
Pela primeira vez na vida, eu era inteira.
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Na quarta seguinte, nossos olhares se cruzavam e queimavam enquanto Jéssica, a líder, anunciava o retiro de mulheres para o mês seguinte. Três dias no Recanto da Serra. No final do culto, Laura estava lá, ajudando a mãe a arrumar as cadeiras, sorrindo de canto como quem soubesse dos nossos segredos. E assim que Jéssica, a esposa do pastor, chamou a jovem para suas reuniões solitárias semanais, na salinha do fundo, aproveitei para tocar os lábios que desejei por toda a semana. Ellen se curvou, ombros tremendo, passei a mão nos cabelos escorridos, limpos, cheirosos. Desci até o rosto, bem cuidado, pele macia. Seus lábios tremiam. Nossos olhos se entrelaçando, um segundo longo demais. Aquilo que era só nosso.
Durante as semanas, as mensagens não paravam mais:
“Pensei em você agora. Dedos fundo.”
“Quero sentir sua boca em mim.”
“Quero ouvir você gemer meu nome até esquecer o dele.”
Em casa, eu me trancava no banheiro de porcelanato frio, sentava na tampa do vaso, abria as pernas e me tocava com raiva e saudade. Imaginava a língua de Ellen ali, lenta, depois faminta, o gosto salgado que eu nunca provei mas já conhecia de cor. Às vezes Laura aparecia no meio da fantasia — o corpo jovem, seios firmes, o mesmo cheiro doce — e eu gozava tão rápido que precisava me segurar na pia para não cair, o corpo tremendo inteiro, o nome delas preso na garganta como uma oração que nunca seria dita em voz alta. Passei a desejar estar na igreja todos os dias possíveis.
A excitação virou vício. Eu me masturbava no banheiro do hospital, entre uma parada e outra, pensando na voz dela no WhatsApp. Ellen mandava fotos discretas – o decote da blusa de algodão, o tornozelo descalço – e eu gozava em segundos. A culpa ainda vinha, mas agora vinha acompanhada de uma felicidade que eu nunca sentira.
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Chegamos ao retiro no fim da tarde. O sítio exalando a eucalipto e terra molhada. As casas são de madeira, varandas com redes, quartos pequenos com camas de solteiro rangentes. Na hora de distribuir os quartos, a coordenadora levantou as mãos:
— Irmãs, perdoem, mas uma vaga sumiu no sistema. Duas irmãs vão ter que dividir a cama de casal. No quarto sete tem uma cama de Solteiro a mais.
Ellen e eu nos entreolhamos.
— Júlia pode dormir no nosso quarto — disse ela, abraçada com a filha, antes que alguém pudesse impedir. Laura sorriu cabisbaixa.
O quarto sete tem uma cama de casal encostada na parede, uma de solteiro ao lado, uma mesinha com Bíblia aberta em João 15. O colchão range quando a gente se mexe. Colocamos as malas no chão, as três em silêncio. Laura tomou banho primeiro, saiu do banheiro com o pijama de shortinho e regata fina, os mamilos marcados, o cabelo molhado pingando na clavícula. Ellen foi depois, voltou de camisola preta que mal cobria as coxas. Eu fui por último, demorei de propósito, coloquei a camisola rosa por baixo do roupão, coração batendo tão forte que parecia que as outras iam ouvir.
Às onze da noite, oração final no salão. Voltamos as três juntas, o corredor de madeira rangendo sob nossos pés descalços. Laura deitou na cama de solteiro, de costas para nós, me forçando a desafiar meu pecado maior. Ellen e eu na de casal. Apagamos a luz. O silêncio era tão denso que dava para ouvir a respiração uma da outra.
Eu não conseguia dormir. O cetim da camisola roçava nos mamilos, o lençol áspero arranhava as coxas. Ellen se mexeu. Senti a mão dela deslizar por cima da minha barriga, devagar, como quem testa a temperatura da água. O coração disparou. Ela chegou mais perto, o corpo quente colado nas minhas costas. A mão desceu, passou por cima da calcinha, encontrou o tecido já úmido. Um dedo deslizou por cima do clitóris, lento, circular. Outro dedo. Outro. Eu mordi o travesseiro para não gemer. Ela sabia exatamente onde tocar. O prazer vinha em ondas lentas, quase dolorosas. Olhei para o lado: Laura dormindo de costas, o cabelo espalhado no travesseiro, a respiração calma. Ellen acelerou. Enfiou a mão por dentro da calcinha, dois dedos entraram devagar, o polegar no clitóris. Eu gozei em silêncio, o corpo tremendo inteiro, o rosto enterrado no travesseiro, lágrimas escorrendo porque era lindo e errado e perfeito.
Ela me abraçou por trás, o corpo ainda colado no meu, a mão molhada descansando na minha coxa.
— Shhh — sussurrou no meu ouvido. — Foi só o começo.
A Bíblia estava aberta na mesinha, a luz fraca do abajur iluminando a página: “Porque aonde quer que fores, irei eu; e onde quer que pousares, ali pousarei eu”
Eu chorei baixinho, de culpa e de alívio.
Ellen beijou minha nuca.
Laura se mexeu na cama ao lado, virou de frente, os olhos entreabertos brilhando na penumbra. Sorriu.
E eu soube que o retiro tinha acabado de começar.

Lindo, excitante. Proibido mas prazeroso...viver e preciso..
Que delicia. Gosto do seu estilo de conto. Fiquei de pau duro o conto inteiro.
Queria assistir punhetando duas mulheres fudendo
Conto mais desse retiro. Maravilhosa história!!!
Maravilhoso!!! Tesão incontrolável!!!