O DIA QUE SERVI MEU TIO DE FIO DENTAL (Parte 1 de 5)

Este é o meu primeiro conto aqui. Pode me chamar de Paco. Você não vai saber meu nome real. O que eu conto são coisas que eu vivi nesses 32 anos e que, por algum motivo, eu demorei para ter coragem de colocar no papel.
Isso aconteceu há quase dois anos, e foi um momento único por um motivo específico: foi a concretização de um desejo antigo, desses que a gente guarda desde a adolescência sem nem admitir para si mesmo.
Meu tio irmão da minha mãe estava “doente”. Ele mora no interior; eu, em São Paulo. Por causa de um exame delicado num hospital de ponta, ele precisou vir para cá. Minha mãe me ligou com aquele tom que não é pedido, é ordem: “Liga pra ele. Convida pra ficar no seu apartamento.”
Eu aceitei sem discutir. Apesar de eu ser bem-sucedido, a verdade é que o apartamento foi presente dos meus pais. E como eles vivem por aqui, o lugar tem dois quartos de visita e fica num bairro excelente.
Tem outra coisa que importa para a história: eu sou gay, mas para a maioria das pessoas da família eu digo que sou bi. Não é um manifesto, nem um discurso. Foi só a forma que eu encontrei de diminuir o atrito e manter a paz. Me julguem, mas funcionou.
E tem a Célia.
A Célia trabalha comigo desde que eu vim para São Paulo. A mãe dela cuidou de mim quando eu era criança. Quando eu vim fazer faculdade, meus pais trouxeram a Célia para perto, porque ela já morava na capital e porque, no fundo, eles sempre gostaram dessa sensação de ter alguém “da confiança” por perto.
A verdade é que ela virou uma espécie de anjo doméstico: discreta, eficiente, dona do meu caos e guardiã das minhas vergonhas. E como eu tenho minhas complicações, eu sempre inventei versões convenientes para certas evidências que ela encontrava. Calcinhas no varal, por exemplo. Eu dizia que eram de mulheres que eu ficava. E a Célia, sábia como poucos, nunca me confrontou. Ela só fazia o que fazia: lavava, estendia, dobrava, guardava e seguia.
Naquele dia, o meu tio chegou numa quarta-feira, no fim da tarde. Eu ainda estava fora. Quem recebeu foi a Célia.
Aqui em casa tem uma regra inegociável: não entra de sapato. Não é frescura. É higiene. E também é um pequeno ritual que me dá a sensação de que eu controlo alguma coisa na vida.
No hall do andar tem uma sapateira, pantufas, chinelos e, para sustentar a polêmica do momento com convicção, umas trinta Havaianas de todos os tamanhos. Quando alguém chega, tira o sapato e escolhe um par.
A Célia pediu que ele tirasse o tênis. Ele tirou.
Como estava chovendo, ela ofereceu limpar. Ele recusou com delicadeza. Disse que lavaria ele mesmo depois. Meu tio, apesar de ser bem de vida, até mais que meus pais, sempre teve um jeito simples. Tipo de pessoa que fala baixo e pede “desculpa” até quando não precisa.
Eu vou descrever ele porque faz parte do ponto cego dessa história.
Ele tinha 58 anos. Cuidava do corpo com disciplina. No sítio, montou um galpão que ele chamava de “academia”, mas era uma academia de verdade, com equipamento bom e rotina séria. Era o único luxo. O resto era discreto, quase modesto.
O corpo dele tinha volume e desenho. Braços fortes, peitoral marcado, uma presença física que chama atenção mesmo quando o sujeito está calado. Não era um modelo, não era um personagem, mas tinha aquela coisa de homem que ainda se enxerga no espelho sem desistir de si.
Eu tenho 1,82. Ele também. Então eu nunca achei ele alto. Eu achava ele… inteiro.
Quando cheguei em casa naquela noite, ele já estava instalado e a casa tinha aquele ar de visita. Uma mala no canto, um copo na pia, um cheiro diferente no ambiente.
Ele estava na sala. Levantou, me abraçou e sorriu com força.
Eu perguntei do exame. Ele explicou com poucas palavras, como quem tenta não dar trabalho. Falou de um coágulo, de um procedimento, de uma tecnologia “nova”, um “Gama alguma coisa” que ele não lembrava o nome direito. Falava com calma, mas dava para perceber a tensão subterrânea. Aquele tipo de medo que fica educado.
Eu tinha um compromisso e precisei sair de novo. A Célia já tinha deixado a janta dele pronta. Quando eu estava indo para a porta, ele fez a pergunta que eu já esperava, porque sempre vem.
“E aí, tá namorando?”
“Não”, eu respondi. “Tô solteiro.”
Ele deu um sorriso de canto.
“E aquelas calcinhas no varal?”
Eu senti o sangue subir para o rosto com uma velocidade desnecessária. Eu inventei uma resposta curta, meio travada, e cortei. Disse que era uma longa história, que eu estava com pressa. Saí.
Na quinta-feira foi tudo corrido. Voltei tarde. Ele já dormia. E eu me senti meio culpado, porque receber alguém assim, com problema de saúde, e deixar a pessoa largada no apartamento é uma forma elegante de ser mal-educado, ainda mais o meu tio.
Na sexta-feira, eu acordei e encontrei ele na mesa, tomando café como se fosse morador. A Célia tinha colocado tudo com aquele capricho silencioso de quem resolve a vida dos outros sem pedir aplauso.
Eu disse: “Hoje eu saio mais cedo. Vou te buscar e te mostrar umas coisas. Depois a gente janta.”
Ele topou. Parecia aliviado. Não pelo rolê, exatamente, mas por ter uma agenda que não fosse hospital.
Eu passei para pegar ele umas quatro e meia. A gente andou pela cidade, eu mostrei lugares, prédios, aquele tipo de passeio que a gente faz quando quer que o outro se sinta incluído.
Depois a gente parou num bar. Ele começou a beber e, conforme o álcool foi tirando o peso do corpo, ele foi ficando mais leve, mais falante, mais “ele”. O homem reservado virou um cara engraçado, desses que soltam frases boas sem fazer esforço.
No jantar, ele já estava mais alegre. A gente conversou sobre muita coisa: meus pais, o interior, a vida, o casamento dele. E ele olhava para as mulheres com aquela liberdade de quem está viajando sem a esposa. Nada escancarado, mas evidente.
Eu percebi uma coisa curiosa: quando a pessoa está longe do cotidiano, ela se permite virar outra. Não é traição necessariamente. Às vezes é só respirar.
Depois do jantar, a gente ainda foi em mais um bar. Eu percebi que a gente estava passando do ponto, então fiz o que tinha que ser feito: chamei Uber. Eu tinha deixado meu carro antes. Ainda bem.
Chegamos em casa rindo alto, com aquela alegria imprudente de quem volta para um lugar limpo demais para o estado em que está.
A gente ficou na sala. Eu disse que ele precisava aproveitar a viagem, que se continuasse no bar ele provavelmente arrumaria “alguma novinha” só para se sentir vivo de novo. Ele riu, disse que não, disse que apesar de o casamento estar difícil, ele não conseguia se imaginar fazendo nada.
“Vontade é uma coisa”, ele falou, com a sinceridade torta do álcool. “Fazer é outra.”
E aí, como acontece nessas noites, o assunto foi escorregando para terrenos mais perigosos. Uma frase puxa outra. Uma confissão puxa uma coragem.
Ele lembrou das calcinhas. Voltou nelas como quem volta em uma pulga atrás da orelha.
“Rapaz… essa casa tá bem frequentada.”
Eu tentei rir e minimizar.
“Acontece.”
“Mas acontece como? Você tá escondendo jogo.”
Eu fiquei quieto por um segundo, segurando o copo e encarando o chão, como se o chão tivesse alguma resposta.
Ele me olhou. Não com julgamento. Com curiosidade.
Eu disse, baixo: “Você sabe, né. Eu fico com homem.”
Ele não se assustou. Não fez cara feia. Só soltou uma risada curta, meio incrédula.
“E você fica dizendo pros teus pais que é bi?”
Eu fiquei vermelho. Não por ele falar isso. Por ele acertar.
“A vida é mais fácil assim”, eu disse.
Ele pegou o copo, tomou um gole e respirou fundo.
“Tá. E as calcinhas?”
Eu pensei em mentir de novo, mas a noite já tinha passado da fronteira onde mentira funciona.
Eu dei de ombros.
“É… parte da bagunça.”
Ele ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse escolhendo a próxima frase com cuidado, e aí veio a frase que me pegou de surpresa.
“Então quer dizer que… você tem umas coisas aí.”
Eu senti uma mistura de vergonha e vontade de rir. Era ridículo e íntimo ao mesmo tempo.
“Tenho”, eu respondi. “Tenho umas coisas.”
Ele riu, mas o riso dele tinha um quê de nervoso. A bebida faz isso: deixa o mundo engraçado e perigoso na mesma medida.
A conversa foi ficando truncada, com aquele tipo de constrangimento que não é briga, é só um medo de ultrapassar uma linha invisível. E foi aí que a noite, de um jeito completamente inesperado, resolveu a história sem pedir permissão.
O celular dele apitou. Era mensagem da minha tia lembrando que ele tinha mais um exame no sábado e também averiguando se ele já estava em casa. Entramos nesse assunto da doença, ele tinha horário de retorno para um ajuste do exame, com orientações de jejum. Ainda bem que o exame era mais tarde, porque se não com a quantidade de bebida, não teria dado boa e ele teria que levar uma troca de roupa, minha tia era quase uma babá a distância, pelo que percebi.
Ele leu e fez uma careta.
“Eu tenho que ir amanhã de novo. E eu lavei minhas roupas porque molhei na chuva ontem. Ficou tudo úmido.”
Eu olhei para ele sem entender.
“Como assim você lavou? Se fosse a Célia, ela teria colocado na lavadora.”
Ele deu de ombros. “Eu lavei o tênis, lavei a roupa… deixei no varal. Só que tá úmido. E amanhã eles pedem roupa limpa, confortável… e eu não trouxe muita coisa.”
Eu levantei e fui até a área de serviço. E lá estava: a roupa dele estendida, impecavelmente estendida, porque ele tentou fazer do jeito dele. Tênis ao lado. Camiseta, bermuda, meia.
E junto, como se o universo fosse um roteirista maldoso, as tais calcinhas.
A Célia tinha estendido também as “minhas coisas”, em um varal que virou uma espécie de exposição involuntária.
Voltei para a sala, tentando manter a cara séria.
“Tá. E o que você precisa exatamente?”
Ele coçou a nuca, constrangido.
“Roupa de baixo.”
Eu tentei aliviar a situação com um tom prático, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
“Não se preocupa. Meu closet é grande. Pega o que precisar.”
Eu levantei, fiz um gesto para ele me seguir e abri a porta do quarto.
Quando ele entrou, parou na hora.
“Caraca… isso aqui é uma loja.”
Eu dei um sorriso sem graça.
“Meu trabalho exige. Eu gosto de estar bem vestido. Fica à vontade.”
Apontei para a área das roupas e, antes de sair, deixei a instrução que eu achei que era suficiente.
“Se precisar de cueca, tem na gaveta.”
Eu fui tomar banho tranquilo, com a cabeça leve do álcool e aquela confiança burra de quem acredita que “gaveta” é uma palavra universal.
Só no meio do banho a ficha caiu.
Ele não sabia qual gaveta era.
Quando eu saí, ele já estava de volta à sala. Tomado banho também. Sentado com a postura de quem está tentando parecer casual depois de ter atravessado um território que não era dele.
Eu me fiz de desentendido.
“Vamos beber mais alguma coisa?”
Ele mexia no controle, zapeando como se a televisão fosse uma saída de emergência.
“Não tem nenhum canal… desses?” ele perguntou, forçando o riso.
“Até deve ter. Mas eu nem assisto por canal. Eu vejo pela internet, uso Twitter e Telegram, você tem?. Dá para espelhar na TV.”
Ele me olhou com um interesse que era metade curiosidade, metade coragem emprestada do uísque.
“Como faz?”
Eu peguei o celular e pareei com a TV. Só que, no automatismo, eu abri justamente um aplicativo onde eu não devia abrir nada com visita na sala.
A tela entregou mais do que eu gostaria. Coisas demais. Pistas demais. Um silêncio errado.
Eu tentei fechar rápido, mas tarde demais. Ele viu.
Ele não fez escândalo. Não fez cara feia. Só ficou me olhando como quem reorganiza a imagem que tinha de mim.
“Então é isso mesmo”, ele disse, baixo. “Você gosta mesmo… desse universo de macho de calcinha.”
Eu senti o rosto esquentar. Eu poderia mentir, inventar uma desculpa, dizer que alguém tinha usado meu celular. Qualquer coisa.
Mas a noite já tinha passado do ponto em que mentira funciona.
“Gosto”, eu respondi. “É uma parte de mim.”
Ele soltou um riso curto, nervoso. Não era deboche. Era susto. E, junto do susto, alguma coisa que parecia curiosidade.
“E aquelas calcinhas…”, ele começou, e parou no meio da frase, como se estivesse pisando num chão que podia ceder.
A palavra ficou no ar.
Eu não respondi. Só levantei.
Fui até o closet. Abri a gaveta que eu não deveria abrir na frente de ninguém. Peguei uma calcinha vermelha de renda super trabalhada que tem cinta liga, vesti e coloquei a calça do pijama novamente. Voltei para a sala com o corpo pedindo coragem e a cabeça dizendo para eu não ser idiota.
Antes de aparecer, diminui a luz no tablet do corredor. Um gesto pequeno, quase ridículo, mas que muda o clima de um ambiente inteiro.
Quando eu entrei, ele estava de costas, mexendo no controle como se aquilo pudesse salvar a noite.
“Onde você foi?” ele perguntou, sem me olhar.
Eu parei no meio da sala.
“Fui pegar uma resposta”, eu disse.
Ele virou devagar.
Eu fiquei ali, de pé, abaixei minha calça, esperando a reação dele.
Sem teatro. Sem discurso. Só a verdade, com toda a coragem torta que o álcool dá.
E naquele segundo, eu entendi que certas noites não acontecem para serem vividas.
Acontecem para serem lembradas.
(continua)


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O DIA QUE SERVI MEU TIO DE FIO DENTAL (Parte 1 de 5)

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Gays

Data da Publicação:
24/12/2025

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