A Biblioteca. Parte Final

De repente, um som metálico e estridente ecoou pela biblioteca. A porta principal se abriu com um baque, jogando um feixe de luz ofuscante sobre o piso de madeira. Os amantes se separaram abruptamente, como dois astros que perdem sua órbita. Eudora ajustou o vestido e Silas, a camisa, ambos com a respiração ofegante, os corações ainda acelerados. No portal, enquadrado pela luz do sol da tarde, estava Heitor.
?Heitor era o oposto de Silas. Enquanto o bibliotecário era um estudo em tons de terra e quietude, Heitor era um furacão em um terno de linho. Seu cabelo castanho-claro estava levemente bagunçado, e um sorriso irônico brincava em seus lábios. Ele não era um leitor de manuscritos, mas sim de pessoas, e seus olhos claros pareciam escanear o ambiente com a precisão de um editor em busca de erros.
?— Vejo que interrompi um momento de grande erudição — disse ele, a voz tão afiada quanto um bisturi. — Não sabia que as margens dos livros de história da arte tinham ficado tão... íntimas.
?Eudora sentiu um rubor de vergonha. Heitor era seu noivo, um advogado de sucesso com uma mente tão pragmática quanto o próprio código civil. A paixão entre eles era mais como um contrato social do que uma história de amor, e a presença dele naquele templo de segredos era uma invasão.
?Silas, que estava ao seu lado, enrijeceu, mas não desviou o olhar.
?— Há muitas maneiras de estudar a paixão, Heitor — respondeu o bibliotecário com calma, a voz grave voltando à sua normalidade. — Algumas são mais... teóricas. Outras, mais práticas.
?Heitor riu, um som seco e sem humor. Ele se aproximou, seus sapatos polidos fazendo um som estranho naquele ambiente.
?— A paixão é uma distração, Silas. Uma variável imprevisível. Meu trabalho, Eudora, é eliminar variáveis. Eu vim buscar o manuscrito que você estava procurando. Aquele que prova o valor do acervo da minha família para doação. Meu pai quer fechar o negócio ainda hoje.
?O coração de Eudora se apertou. O "negócio" de seu noivo era o único motivo pelo qual ela estava ali. O famoso “Manuscrito do Desejo Oculto”, que ela sonhava em ver por anos, pertencente à coleção particular da família de Heitor. A doação para a biblioteca seria o ponto alto de sua carreira, e o acordo entre eles era simples: ela faria a avaliação e ele, em troca, liberaria o tesouro para o público.
?— O manuscrito está em meu escritório — disse Silas, com a voz carregada de resignação. — Ficarei feliz em mostrar a você.
?Ele estendeu a mão para Eudora. Não era um convite, era um adeus. Ela se moveu, mas antes que pudesse seguir o bibliotecário, a mão de Heitor segurou seu braço. O toque dele era possessivo, e diferente da carícia de Silas, não transmitia eletricidade, mas uma restrição fria.
?— Ela vem comigo — Heitor afirmou, o tom inegociável. — Ela vai terminar de avaliar o manuscrito no meu escritório, longe de distrações.
?Silas não respondeu. Apenas acenou com a cabeça, um olhar profundo de compreensão e perda passando por seus olhos azuis. Ele se virou e caminhou em direção ao seu escritório, sumindo entre as estantes, uma sombra se misturando à escuridão.
?Eudora, em silêncio, seguiu Heitor para fora da biblioteca. O cheiro de livros e a promessa de paixão foram substituídos pelo ar frio da realidade. Ela podia sentir o olhar do bibliotecário sobre suas costas, a pergunta não dita pendurada no ar. Que segredos ela estaria disposta a sacrificar por um futuro incerto, e qual era a verdadeira história que ela estava prestes a escrever.....