Tinha dezoito anos, morena, estudante, e carregava nos gestos uma inocência curiosa, misturada a uma coragem que ela mesma ainda não compreendia. Quando se olhava nos espelhos da academia, via mais do que o próprio reflexo: via uma versão de si que queria romper as regras, despir-se de tudo o que fosse máscara.
Kátia apareceu numa tarde de março.
Nova recepcionista, loira, tatuada, com um olhar de quem entendia os segredos do corpo e não temia os desejos que moravam ali. Rapidamente, as duas se aproximaram. Aline sentia-se à vontade com ela — havia algo na maneira como Kátia sorria, uma promessa de liberdade, um convite silencioso para atravessar limites.
Entre conversas sobre música, estudos e vida, vieram também as confidências.
Falaram de amor, depois de sexo.
E quando o tema veio à tona, Aline, num sopro de coragem, contou o que jamais dissera a ninguém: seu desejo de um dia treinar nua, de sentir os aparelhos frios contra a pele quente, o ar da madrugada deslizando entre os músculos.
Kátia ouviu em silêncio.
Depois sorriu — aquele sorriso cúmplice, quase perigoso.
Disse que poderia abrir a academia num domingo. “Sem câmeras, sem ninguém.”
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O domingo chegou abafado, de um calor quase líquido.
A academia parecia outro lugar, sem o burburinho habitual, sem os passos apressados nem o barulho metálico dos pesos. Só o som distante de uma ventania morna atravessando as janelas.
Aline entrou com o coração acelerado.
Kátia trancou a porta e ficou observando enquanto a amiga olhava ao redor — as luzes suaves, o cheiro de ferro e perfume, o reflexo infinito dos espelhos.
E então, em um gesto quase ritual, Aline tirou a blusa.
Depois o restante.
O silêncio pareceu se dilatar com o gesto.
Kátia, sem dizer palavra, fez o mesmo.
Por um instante, ficaram apenas as duas — dois corpos despidos, respirando o mesmo ar suspenso.
Aline caminhou até o primeiro aparelho, os músculos contraindo sob a luz. Cada movimento parecia coreografado por um impulso invisível: o peso subindo, o ar entrando, o suor escorrendo. Kátia observava, fascinada, como se cada gesto da amiga fosse uma prece feita com o corpo.
Havia beleza ali — uma beleza crua, livre, sem vergonha.
E naquela beleza, uma centelha de algo que nenhuma das duas ousava nomear.
Os olhares se encontraram várias vezes, demorados.
O tempo passou sem pressa, como se o mundo tivesse se retirado para deixá-las sozinhas com o próprio desejo.
Quando a tarde começou a cair, o sol invadiu os espelhos e tingiu tudo de dourado.
Aline e Kátia estavam exaustas, suadas, sorrindo como quem acaba de atravessar uma fronteira secreta.
Na despedida, não houve palavras demais — apenas um toque de mãos, breve, cheio de promessas.
Ficaram assim por um instante, respirando uma na outra, antes que o mundo voltasse a existir.
Na segunda-feira, Aline ainda sentia no corpo o eco daquele domingo:
não o peso dos exercícios, mas o peso doce da liberdade.
