O corpo do banquete



A neblina descia leve sobre a serra, envolvendo a cidade em uma penumbra úmida e azulada. No alto de uma estrada sinuosa, o chalé alugado por Cléber erguia-se entre pinheiros, de janelas largas e madeira escura, preparado para uma noite que os quatro amigos jamais esqueceriam.

Tatiana, meticulosa e criativa, transformara o espaço. No centro da sala, um tatame de palha cobria o chão. Lanternas de papel brando pendiam do teto, espalhando uma luz âmbar e suave. Painéis shoji improvisados dividiam o ambiente, e nas paredes, ela pendurara dobras de tecido vermelho e branco com discretos traços de kanji pintados a mão. O ar cheirava a incenso de bambu e flores secas. No fundo, uma pequena mesa baixa aguardava garrafas de saquê, tigelas e porcelanas de Kyoto.

Roger chegou primeiro com o chef contratado — um homem de meia-idade, magro e sereno, que se apresentou com um leve aceno de cabeça:

— Sou Kenji Nakamura, prazer em servi-los.
Sua voz era calma, firme, como se cada palavra fosse medida com um peso exato.

Roger, ainda entusiasmado, explicou o que queria:
— Pensamos em algo ousado... e autêntico. Será um nyotaimori.

Kenji ergueu o olhar por um instante, sem expressão.
— Entendo. Mas devo esclarecer algumas coisas — disse, com polidez quase solene.
Enquanto dispunha seus utensílios, continuou:
— O nyotaimori não é um ritual antigo, como muitos imaginam. É moderno, uma encenação estética. E, claro, sem contato físico. O corpo é apenas uma mesa simbólica — a fronteira entre a beleza e o respeito.

Roger assentiu, um pouco sem graça.
— E o fugu? Dá pra incluir?
Kenji sorriu, pela primeira vez.
— O fugu é perigoso. E no Brasil, ilegal. Além disso, ele pertence a outro universo — o da coragem e da morte. O nyotaimori fala de vida, de forma, de calma. Vamos trabalhar com atum e salmão. Eles têm a cor certa para esta noite.

Tatiana ouviu a conversa e achou aquilo quase poético.


---

No fim da tarde, Yuri chegou acompanhado de Saionara — a mulher que seria o centro do banquete.
Ela era de ascendência japonesa por parte de mãe, e o nome parecia combinar perfeitamente com a sua presença. Trazia o cabelo preso num coque tradicional, ornado por duas hastes douradas. Vestia um quimono marfim com bordados de carpas vermelhas, amarrado por um obi prateado. Caminhava com uma elegância silenciosa, como se os passos flutuassem sobre o chão.

Quando entrou na sala, Cléber e Roger trocaram um olhar surpreso. Tatiana percebeu e sentiu um leve incômodo — não de raiva, mas de algo indefinido, talvez curiosidade. Saionara, por sua vez, retribuiu-lhe o olhar com um sorriso breve, cúmplice, quase imperceptível.


---

Kenji começou o preparo.
O som do peixe sendo cortado em fatias finíssimas misturava-se ao estalar do óleo quente e ao tilintar dos utensílios de metal. Ele explicava, enquanto trabalhava:
— No nyotaimori, cada detalhe é pensado. A luz deve ser suave, o ar frio o suficiente para conservar o peixe. E, sobretudo, o silêncio. O silêncio é parte do sabor.

Tatiana ajustou as lanternas. A sala ficou banhada por uma penumbra dourada. A brisa entrava pela janela, trazendo cheiro de chuva e madeira molhada.

Saionara retirou-se por um momento para o quarto contíguo. Quando retornou, vestia apenas o quimono entreaberto, revelando sob o tecido um véu translúcido de seda branca, como se fosse névoa sobre a pele. Kenji, respeitoso, começou a dispor o sashimi sobre folhas de bambu posicionadas cuidadosamente sobre o corpo dela.

Ninguém falava. Apenas o som do saquê sendo servido, o deslizar dos hashis e o eco distante da chuva lá fora.


---

Durante o jantar, as conversas eram contidas. Cléber e Roger, embora fascinados, mantinham-se atentos ao cerimonial.
Tatiana, no entanto, sentia algo novo — uma mistura de fascínio e desconforto diante de Saionara, que, imóvel, sustentava um olhar calmo, quase meditativo. Em certos momentos, quando os olhos das duas se cruzavam, havia uma espécie de entendimento silencioso, uma curiosidade mútua que pairava no ar como o vapor do saquê quente.

Kenji encerrou o ritual com um leve toque de sineta, sinalizando o fim da refeição. Todos agradeceram com um leve aceno de cabeça.
A noite já se estendia para além da meia-noite.


---

Yuri levantou-se e, num tom prático, disse:
— Acho melhor levar o chef e minha prima de volta à cidade antes que o nevoeiro piore.
Tatiana, ainda pensativa, ofereceu-se para acompanhá-los.

Na saída, Cléber e Roger ficaram no chalé, entre garrafas vazias e risadas abafadas.
Enquanto o carro descia a estrada sinuosa, Tatiana olhou pelo retrovisor e encontrou o reflexo de Saionara.
Não havia palavras, apenas um sorriso contido, um convite silencioso — desses que não se dizem, apenas se compreendem.

A neblina envolvia tudo.
E, naquela madrugada fria da serra, o ritual do nyotaimori havia terminado.
Mas algo, invisível e sutil, ainda pairava entre elas — uma promessa de reencontro, feita no idioma secreto dos olhares.


---

A neblina ainda cobria a serra quando Tatiana acordou.
O silêncio do chalé parecia mais profundo agora, como se a noite anterior tivesse deixado marcas invisíveis no ar. Cléber dormia pesadamente no sofá, entre garrafas vazias de saquê. Roger roncava em um canto, enrolado num cobertor.

Tatiana se levantou devagar, vestiu um casaco leve e abriu a janela. O ar gelado da manhã lhe tocou o rosto. Por um instante, pensou em Saionara — o brilho sereno dos olhos, o modo como respirava sob o peso leve do sushi, a quietude quase sagrada com que sustentava os olhares.
Era impossível esquecer.


---

No fim daquela tarde, já de volta à cidade, Tatiana recebeu uma mensagem curta no celular:

> “Arigatou. — S.”

O coração dela bateu mais rápido.
Respondeu sem pensar:

> “Posso te agradecer pessoalmente?”

A resposta veio poucos minutos depois:

> “Sim. Traga o mesmo incenso do chalé.”


---

O encontro das duas foi no apartamento de Tatiana, em um prédio antigo com vista para as montanhas. Ela acendeu o incenso e esperou.
Quando Saionara chegou, trazia um casaco de lã cinza, o cabelo solto e os lábios pintados de um vermelho muito discreto.
Tatiana a recebeu com vinho branco e um silêncio leve, cheio de intenções que nenhuma das duas ousava nomear.

Conversaram sobre o chef Kenji, sobre o ritual, sobre o quanto é difícil manter o equilíbrio entre o respeito e o desejo.
Saionara sorriu:
— No Japão, dizem que o nyotaimori é uma prova de controle. O corpo está ali, mas não se toca. Apenas se contempla.
Tatiana respondeu em voz baixa:
— E se a contemplação for o toque mais profundo?

Saionara não respondeu.
Apenas se aproximou, e por um instante, o ar pareceu parar.
Os olhos das duas se encontraram, e havia neles uma ternura contida, uma vibração silenciosa que nenhuma palavra alcançaria.

Tatiana sentiu o perfume do incenso e o calor do vinho subindo-lhe à pele.
A proximidade era uma promessa — o tipo de promessa que se cumpre não no gesto, mas no instante em que se escolhe o silêncio em vez da fala.


---

Do lado de fora, a noite caía sobre a serra.
As luzes da cidade refletiam nas janelas como estrelas distorcidas.
Dentro do apartamento, apenas o perfume do incenso e o som distante da chuva.

Saionara passou a ponta dos dedos sobre a borda da taça de vinho, produzindo um som suave e contínuo.
Tatiana fechou os olhos.
A vibração ecoava nela como um chamado.

As duas se beijaram.
Tatiana foi acariciando cada parte do corpo de Saionara enquanto ela mesma também se tocava, recebendo já umidecida os carinhos dos lábios da nova amiga.

Não houve pressa.
Apenas o eco da névoa, insinuando que certos rituais não terminam — apenas se transformam em lembranças que respiram.

Foto 1 do Conto erotico: O corpo do banquete


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Ficha do conto

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Nome do conto:
O corpo do banquete

Codigo do conto:
247033

Categoria:
Fantasias

Data da Publicação:
12/11/2025

Quant.de Votos:
3

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