A vontade nasceu depois de assistir, numa noite abafada de domingo, a um documentário da saudosa TV Manchete sobre a vida noturna do Rio. As imagens mostravam os bares, os becos e a gente simples que vivia do prazer e da sobrevivência. A câmera passeava por uma rua iluminada por lâmpadas amarelas, e uma legenda breve dizia: “Cidade Nova — Zona boêmia”. Sandro, sem saber, guardara aquele trecho na memória: o cenário, o som, a ideia.
Naquela tarde, tomou um banho demorado. Passou o desodorante novo, o perfume barato que ardia na pele, vestiu a melhor camisa azul, calçou o tênis branco e ensaiou no espelho um sorriso confiante. Antes de sair, enfiou o pacote de preservativos Jontex no bolso — comprados há pouco na farmácia da esquina, entre olhares constrangidos e o medo de ser reconhecido.
Na rua, o barulho dos carros e o calor de março se misturavam. Subiu no ônibus 607 — Usina / Praça da Bandeira, e o rádio do motorista tocava “O Tempo Não Para”. Cazuza havia morrido dois anos antes, e o nome do cantor ainda simbolizava o medo que rondava o desejo. Sandro pensou nisso enquanto o ônibus sacolejava pela Tijuca: o vírus, a morte, o risco invisível.
Ao descer na Praça da Bandeira, sentiu o cheiro do centro — gordura frita, cerveja, cigarro e um leve odor de esgoto. As ruas da Vila Mimosa fervilhavam: botecos colados uns aos outros, música alta, gargalhadas, luzes piscando. Mulheres se encostavam nas portas, chamando os passantes com um gesto ou um sorriso.
Sandro andou devagar, o coração disparado. Fingiu que olhava vitrines que não existiam. As vozes femininas se multiplicavam — “Vem, amor, tô livre!”, “Coisa linda, entra comigo!”. Ele hesitou até que uma mulher de vestido vermelho e cabelos castanhos o chamou com doçura:
— Primeira vez por aqui, né?
Ele parou. O olhar dela era firme, mas sem agressividade.
— É... — respondeu, quase sussurrando.
— Eu me chamo Lúcia. Fica tranquilo, todo mundo treme na primeira vez.
Ela o pegou pela mão e o levou por uma escada estreita até um quarto no segundo andar. O ambiente cheirava a sabonete e cigarro. Uma cortina improvisada cobria a janela; na parede, um pôster de Roberto Carlos sorria, desbotado.
Enquanto tirava a roupa, Sandro sentia o corpo endurecer — não de excitação, mas de medo. Nada acontecia. O corpo recusava o que a mente pedia. Tremia, suava, o coração batendo alto.
— Calma, amor... relaxa. Não é prova de escola, não — disse ela, com voz mansa.
Ela tentou ajudá-lo, beijando, tocando, chupando e guiando-o rumo àquele lugar quentinho. Mas o nervosismo venceu. No fim, riu baixinho e, sem ironia, completou:
— Acontece com mais gente do que você imagina.
Sandro levantou, vestiu-se, deixou o dinheiro sobre a mesinha e, antes de sair, perguntou o que ela fazia quando não estava ali.
— Eu? Tenho um filho em Nova Iguaçu. Faço cabelo em casa, de vez em quando. Aqui é o que paga o aluguel, entende? — disse ela, ajeitando o vestido.
O sorriso de Lúcia era sereno, mas seu olhar tinha uma sombra antiga.
Sandro desceu as escadas de madeira, atravessou a rua entre gargalhadas e cheiro de fritura, e pegou o ônibus de volta. No trajeto, olhou pela janela o Rio em movimento — a cidade parecia mais velha do que na ida.
Em casa, deitado, o corpo enfim reagiu. O desejo, que o havia traído lá, voltava agora em ondas avassaladoras. Pensou em Lúcia, na sua voz calma, na cicatriz pequena que ela tinha no ombro esquerdo. Era estranho como o prazer às vezes vinha acompanhado de tristeza.
Tempos depois, começou a ouvir na televisão que a Prefeitura pensava em “revitalizar” certas áreas centrais da cidade. Diziam que queriam tirar dali o comércio, a pobreza, “aquelas casas”. A princípio, muitos acreditavam ser só boatos, mas Sandro lembrava do olhar de Lúcia e imaginava o que seria dela se um dia a Vila Mimosa deixasse de existir.
