Lívia estava diferente. O divórcio a deixara com um olhar mais quieto, como quem carrega um cansaço que não se explica. Fazia mais de um ano que vivia só, e, embora não dissesse, trazia uma fome de sentir o mundo de novo — de se reconhecer viva.
Quando chegaram à ilha, o silêncio pareceu envolvê-las. Não havia sinal algum de gente, apenas o farfalhar das folhas e o som ritmado das ondas. Miguel mergulhou logo, desaparecendo no azul.
As duas mulheres permaneceram na areia, em um daqueles silêncios que não incomodam — um silêncio cheio de escuta.
Helena deitou-se, deixando que o sol lhe tocasse o corpo, e Lívia observou. Havia algo hipnótico naquele gesto simples — a entrega sem medo, o modo como Helena parecia se fundir à paisagem.
— Faz tempo que você não descansa — disse Helena, com um meio sorriso.
Lívia riu, sem graça. — Faz tempo que eu não sou eu.
O vento passou entre elas como um sussurro.
Helena estendeu a mão e tocou de leve o braço da amiga — um toque breve, mas cheio de ternura.
A pele arrepiou. O olhar delas se encontrou, e por um instante, o mundo pareceu suspenso. Passaram a se tocar, proporcionando prazerosa carícias.
Não havia pecado, nem explicação. Apenas a vibração de um instante puro, onde o afeto e o desejo se confundem.
De longe, Miguel observava. Via duas silhuetas femininas contra a luz dourada — um quadro de harmonia e mistério. Não havia ciúme, apenas uma admiração silenciosa, o reconhecimento de algo bonito e raro acontecendo diante de seus olhos, tentando traduzir pelo toque em seu próprio corpo o que seus sentidos percebiam com discrição a uma certa distância.
Quando o sol começou a cair, os três se reuniram. O vento mudava de direção, e o primeiro trovão ecoou distante.
— É hora de voltar — disse Miguel.
Lívia olhou para a água e respirou fundo. Sentia-se diferente, como se algo dentro dela tivesse despertado — uma lembrança antiga do próprio corpo, da própria força.
Enquanto o barco se afastava da ilha, a chuva começou a cair suave. Helena segurou a mão da amiga. Miguel, ao timão, fingia olhar apenas o mar — mas sabia que algo invisível unira aquelas duas mulheres de um modo que o tempo jamais apagaria.
A ilha ficou para trás, mas o silêncio dela seguia com eles — um silêncio cheio de respiração, ternura e promessas que não precisavam ser ditas.
