Maya morava num quarto simples na parte alta da Favela Azul, onde o vento chegava primeiro e onde o pôr do sol sempre tingia as paredes descascadas com tons quentes, como se o sol desejasse pintá-la todos os dias.
Durante muito tempo, ela acreditou que o corpo servia apenas para sobreviver: trabalhar, correr, resistir, obedecer.
Nunca como morada da própria alma.
Nunca como território de prazer.
Mas tudo começou a mudar depois de uma noite silenciosa, quando os tiros que ecoavam no morro cessaram mais cedo que o normal e apenas o som distante de um baile ressoou suave pelas vielas, quase como um convite.
Maya fechou a porta, apagou a luz principal e acendeu apenas a lâmpada pequena pendurada perto do espelho. A luz alaranjada refletiu sua silhueta com delicadeza, revelando curvas, sombras e histórias que ela nunca havia permitido enxergar em si mesma.
Ela se aproximou do espelho devagar, descalça, sentindo a textura fria do piso nos pés.
— Eu existo.
Eu sinto.
Eu posso.
A frase não foi dita para o espelho, mas para o corpo todo.
Passou as mãos pelos braços, ombros e cintura, como quem estuda um mapa esquecido. O toque não era urgente nem tímido; era curioso, quase reverente. Ela se sentia como alguém encontrando uma porta antiga e abrindo-a devagar, com medo de estragar algo precioso.
O corpo respondeu com um arrepio leve, subindo da nuca até o quadril — não como susto, mas como reconhecimento.
O vento entrou pela janela e tocou sua pele, e ela percebeu que não precisava de autorização externa para sentir beleza nem desejo.
O prazer ali não era espetáculo, nem moeda, nem prova: era território íntimo.
Maya fechou os olhos, respirou fundo e deixou que a própria imaginação a conduzisse — lembranças, fantasias, sonhos.
Se tocou com carinho, como se dissesse a si mesma:
“Eu mereço me sentir inteira.”
Seu corpo reagia com calor crescente, porém suave, como uma onda que não quer destruir a areia, mas cobrir, abraçar, envolver.
Nenhum toque era pressa; todos eram perguntas, nunca invasão.
Quando o clímax veio, não foi explosão, foi entendimento.
Ela chorou — não por tristeza, mas porque finalmente sentiu posse de si, e não apenas presença na vida dos outros.
Sentou-se na cama com respiração calma, o rosto úmido, mas sereno.
Olhou as próprias mãos e sorriu com a descoberta:
— Meu corpo não é só lugar de passagem.
É minha casa.
E hoje, eu voltei para ele.
Lá fora, o baile continuava.
Lá dentro, um universo inteiro havia sido reaberto.



