No canto da sala, o telefone de disco parecia chamá-la.
O número estava anotado num papel dobrado dentro da gaveta: 145 – Disque Amizade.
Uma curiosidade antiga. Uma travessura talvez.
Discou.
— Disque Amizade, boa tarde. Quem fala? — a voz masculina soou do outro lado, grave, levemente tímida, mas com um tom que parecia abraçar o ouvido.
— Oi... aqui é Júlia. E você?
— Vinícius.
O nome ficou vibrando dentro dela como uma nota suspensa.
Conversaram sobre tudo e nada: o pré vestibular, os lugares da cidade, o gosto por música — ambos fãs de Legião, ambos frequentadores da mesma esquina de cafés na Getúlio Vargas.
As horas correram sem pressa.
E Júlia, ao ouvir aquela voz calma, sentia uma espécie de vertigem — um calor que não vinha do sol.
O tom dele, o jeito de rir, a pausa entre as frases… eram como carícias invisíveis que atravessavam a linha telefônica.
Ela se deixava levar, de olhos fechados, imaginando o rosto por trás da voz, a boca que dizia seu nome, a respiração curta entre uma palavra e outra.
O corpo, quase em silêncio, respondia sozinho, proporcionando a si mesma um delicioso prazer.
Quando se deram conta, já era noite.
— E se a gente se encontrasse? — ela perguntou, com a coragem que o fio do telefone lhe dava.
Ele hesitou por um instante, mas aceitou.
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Encontraram-se num café da Rua Pernambuco.
Júlia vestia um vestido leve, azul-claro, e o perfume discreto de quem não queria parecer preparada, mas estava.
Vinícius chegou com um nervosismo bonito, o cabelo caindo sobre a testa, um sorriso contido.
A conversa, ao vivo, parecia outra língua.
Entre o barulho dos carros e o cheiro de café, o que antes fluía com facilidade agora tropeçava.
Ele olhava para ela e perdia o rumo das frases.
Ela sorria, paciente, sentindo que o encanto da voz agora tinha corpo — e uma timidez quase doce.
Andaram juntos pela Praça da Liberdade, o vento da noite roçando os cabelos dela.
Por um momento, ela se aproximou, os olhos buscando os dele.
Vinícius quis tocá-la, quis dizer algo, mas o gesto morreu em meio à hesitação.
Júlia então sorriu — um sorriso sereno, compreensivo, um pouco melancólico.
— Foi bom te conhecer, Vinícius.
Ele apenas acenou, sem conseguir disfarçar o desejo contido, o arrependimento do instante não vivido.
Ela entrou no táxi e olhou pela janela enquanto o carro se afastava.
A cidade, vista em movimento, parecia feita de ecos — o som distante da voz dele ainda vibrava em seu peito.
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Mais tarde, já em casa, Vinícius deitou-se na cama, o quarto meio às escuras.
Olhou para o telefone sobre a mesinha.
Pensou no sorriso dela, no perfume leve, no instante em que poderia tê-la beijado e não o fez.
Respirou fundo, pegou o fone e discou o número que ela havia lhe dado.
O toque soou uma, duas, três vezes.
Nenhuma resposta.
Do outro lado da cidade, Júlia olhava o aparelho tocando, o coração acelerado.
Deixou que chamasse até parar.
Na penumbra, sorriu sozinha — um sorriso de quem sabe o poder do silêncio.
E na linha que se apagava, o desejo continuava aceso.


