Foi na manhã da segunda feira, uma semana, após o novo modelo estar sendo seguido, vim conhecer Helena. Apenas para relembrar que depois de ter conhecido dona Lurdes a matriarca, na terça-feira, tivemos o episódio da cozinha apertada na quinta-feira, o que culminou com o convite dela para eu ir almoçar em sua casa. Já no dia seguinte, na sexta feira, conheci Marta a irmã, e filha de dona Lurdes, que após eu conhecer uma obra, ela foi para o meu apartamento e foi embora apenas no sábado pela manhã. Almocei novamente com dona Lurdes no sábado, após ela me informar que ficaria sozinha, pois seu Antônio, seu esposo, levou Guilherme para o pessue e pag. Já no domingo, recebi Marta no apartamento, que alegava estar carente novamente, kkk.
Então na segunda feira, juntamente com a avó, conheci a mãe de Guilherme.
Helena, a mãe, era dentista e casada com Eduardo Nogueira, gerente de uma cooperativa agrícola da região. Mulher de presença marcante, Helena exalava elegância e segurança. Estava impecável.
A recepcionista, me informou que dona Lurdes e a sua filha Helena, mãe do aluno Guilherme estavam presentes.
Bom dia Major, disse dona Lurdes, essa é a minha filha Helena.
Bom dia Major, eu sou a mãe do Guilherme, disse Helena.
Bom dia, e uma honra e um prazer conhecê-la, eu respondi.
Ficamos conversando sobre a Escola e sobre o Guilherme, porém notava o olhar de Helena, e também o de dona Lurdes, a minha loba, sobre mim.
Elas logo saíram, e deixaram a minha sala, bem perfumada. Porém, jamais imaginei que fosse encontrar Helena ainda naquele mesmo dia.
Naquele dia durante o almoço, recebi a solicitação de comparecer à enfermaria. Ao chegar, fui informado de que um aluno havia mordido um pedaço de carne e, com isso, quebrado um dos dentes.
O aluno que havia sofrido o incidente com o dente quebrado chamava-se Pedro Alves, um garoto de treze anos, magro, de olhar vivo e postura exemplar. Filho único de uma família simples, morava com os pais numa pequena casa nos arredores da Escola Militar. Seu pai, José Alves, estava desempregado havia meses, e sua mãe, Dona Marinalva, trabalhava como diarista para sustentar o lar.
Pedro era colega de turma de Guilherme, ambos do 8º ano dois meninos muito diferentes em origem, mas unidos pela disciplina e pelo orgulho de usar a farda da Escola Militar.
Quem me repassou a informação foi a enfermeira Sandra Costa, uma profissional dedicada, cedida pelo Governo do Estado a meu pedido, junto com a nutricionista Carla Menezes e a psicóloga Patrícia Andrade. Desde que assumi a direção, solicitei a presença dessas três servidoras para garantir que o bem-estar físico, alimentar e emocional dos alunos fosse prioridade algo que eu considerava fundamental em uma instituição militar voltada à formação de jovens cidadãos. (Esse trio de profissionais, me marcaram também, mas isso é uma outra história mas pra frente).
Sandra me recebeu com expressão preocupada.
Major, o menino Pedro Alves quebrou um dente durante o almoço. Já fizemos o primeiro atendimento, mas ele vai precisar de um dentista o quanto antes disse, enquanto me mostrava o prontuário.
Observei o garoto sentado na maca, cabisbaixo e com a mão sobre a boca. A dor parecia menor que a vergonha.
Está tudo bem, soldado? perguntei num tom firme, mas tranquilo.
Ele assentiu com a cabeça, sem coragem de falar.
Foi sem querer, senhor o pedaço de carne estava duro, disse por entre os dedos.
Sandra completou.
O problema, Major, é que a família dele não tem condições de pagar um tratamento.
Aquelas palavras me acertaram em cheio. Não era a primeira vez que eu via a realidade dura por trás das fardas impecáveis dos meus alunos, mas cada história dessas me atingia como um lembrete da responsabilidade que eu carregava.
Respirei fundo.
Muito bem, enfermeira Sandra. Quero o contato da mãe do aluno ainda hoje. Vou resolver isso pessoalmente.
Entrei em contato com a família. Dona Marinalva atendeu com voz humilde, mas cheia de gratidão por eu me preocupar com o filho. Expliquei que a escola se responsabilizaria para que Pedro recebesse o atendimento necessário e que não haveria custos para a família.
Assim que cheguei a minha sala, entrei em contato com a Associação dos Oficiais da Polícia Militar, da qual eu também era membro. Falei diretamente com o presidente, o Tenente-Coronel Figueira, um homem de postura firme e coração generoso, que sempre demonstrou grande apreço pela Escola Militar.
Expliquei-lhe a situação detalhadamente: o acidente com o aluno, a condição humilde da família e o esforço que vínhamos fazendo para transformar aquela instituição na maior referência educacional do Estado. Disse-lhe que um gesto de apoio à nossa escola seria não apenas justo, mas simbólico.
Ele ouviu atentamente e, após um breve silêncio, respondeu.
Major Rob, a escola sob o seu comando tem mostrado resultados impressionantes em tempo recorde. Um pedido seu é mais que pertinente. Deixe comigo, vou providenciar uma indicação pessoal.
Menos de uma hora depois, o Tenente-Coronel retornou a ligação.
Agradeci pela rapidez e me organizei para acompanhar Pedro.
Pedro, visivelmente nervoso, caminhava ao meu lado segurando firme a pequena pasta de documentos.
Major, me desculpe por atrapalhar o senhor. Foi sem querer que quebrei o dente, senhor repetia, aflito.
Olhei para ele com calma.
Pedro, nosso lema é sempre servir. Você não está atrapalhando, está recebendo o que é de direito, cuidado e respeito.
Ele apenas assentiu, ainda sem coragem de me encarar.
Quando cheguei ao consultório, entreguei a documentação na recepção e informei que o aluno seria atendido por agendamento especial.Quando a recepcionista nos chamou, a enfermeira Sandra e a psicóloga Patrícia, entraram na sala, juntamente com Pedro.
Permaneci no corredor, observando o movimento. O relógio marcava o fim da tarde. Por alguns instantes, fiquei em silêncio, refletindo sobre como pequenos gestos podiam transformar vidas.
Quando terminou, Helena retirou as luvas e aproximou-se.
Pronto, jovem. Está novinho em folha disse, enquanto Pedro se olhava no espelho, maravilhado.
Obrigado, doutora Helena. Obrigado, enfermeira Sandra, Dra Patrícia. Agora posso sorrir de novo disse o menino, emocionado. E sem pensar duas vezes, abraçou as duas, emocionado.
Helena observava a cena com ternura. Depois, num tom leve, perguntou
Ué, Pedro e eu? Também não mereço um abraço?
Ele se virou, surpreso, e respondeu com simplicidade,
Eu achei que a senhora não fosse querer, doutora.
Eu gostaria, sim, Pedro respondeu ela, sorrindo.
O garoto abriu um sorriso largo.
Então vou lhe dar um abraço e um beijo também, pra agradecer.
Helena riu, comovida, e retribuiu o gesto. A sinceridade do menino tocou a todos que estavam na sala.
Ao se despedirem, Sandra e Patrícia comentaram, em tom de brincadeira.
Pedro, não se esqueça de agradecer também ao Major Rob. Ele foi quem correu atrás de tudo isso pra você.
O menino assentiu, ainda com o sorriso no rosto.
Quando saiu do consultório, acompanhado, viu-me de pé, próximo à recepção. Assim que me avistou, interrompeu o passo, endireitou o corpo e bateu continência.
Permissão para me aproximar, senhor?
Permissão concedida.
Ele veio até mim, o rosto ainda iluminado pela alegria e pela inocência de quem sabe ser grato.
Major, eu queria lhe agradecer por tudo. Posso lhe dar um abraço?
Antes que eu respondesse, ele acrescentou, meio sem jeito.
E um beijo também, senhor.
Sorri e concordei com a cabeça.
Pedro me abraçou com força e, num gesto espontâneo, encostou o rosto no meu, num beijo rápido de gratidão.
O corredor e a recepção ficou em silêncio por alguns segundos. Então, vi Helena, a enfermeira Sandra e a psicóloga Patrícia observando a cena. Todas ficaram visivelmente emocionadas.
Helena, especialmente, parecia tocada. O que antes era apenas respeito profissional transformou-se em algo diferente uma admiração silenciosa, talvez. Ao ver o gesto do menino e a forma como eu o acolhi, pareceu compreender o que sua mãe, Dona Lurdes, certa vez comentara, que o Major Rob era um homem firme, íntegro e, acima de tudo, humano.
Eu agradeci a dra Helena, e ela se surpreendeu com a minha presença.
Estou lhe vendo-o pela segunda vez hoje, ela disse.
Pra mim foi uma honra, ainda mais trazendo o sorriso ao rosto deste aluno, eu respondi.
Saímos de lá em silêncio, mas a imagem daquele abraço ficou comigo e, de alguma forma, também com Helena.
Na manhã seguinte, como era terça-feira, recebi os alunos no portão. A rotina seguia como de costume. Então vi Pedro chegando, acompanhado de seu pai e de sua mãe. Ele trazia uma vasilha nas mãos.
Agora, ali diante de mim, Pedro levantou a vasilha e disse.
Senhor, permissão. Bom dia, Major. Trago, de coração, este simples presente. Agradeço em meu nome e em nome do meu pai e da minha mãe.
Todos que estavam no portão se entreolharam, sem entender o que estava acontecendo.
Respondi.
Permissão concedida, Pedro. E muito obrigado pelo presente. Porém, não fiz mais do que minha obrigação. A Família Militar é isso: servir a todos.
Cumprimentei o pai e a mãe de Pedro e os convidei para um café.
Ao fundo, quem trazia o Guilherme era sua mãe, Helena, acompanhada da avó, dona Lurdes. As duas presenciaram toda a cena.
Os pais de Pedro Alves me agradeceram mais uma vez. Fiz questão de apresentar a Dra. Helena, pois havia sido ela quem nos ajudou.
E assim ficamos ali, cinco pessoas unidas por uma conexão inesperada, eu; o pai e a mãe de Pedro Alves; e a mãe e a avó de Guilherme.
Convidei os quatro para um café, até porque havia o bolo trazido por Pedro Alves, feito por sua mãe com muito carinho. Durante o café, perguntei ao pai de Pedro qual era sua profissão, já que o próprio menino havia nos contado, no dia anterior, que ele estava desempregado. Ele nos explicou sua situação com humildade e certa timidez.
Foi então que dona Lurdes e Helena trocaram um olhar, quase como quem reconhece uma oportunidade justa. Em seguida, dona Lurdes comentou.
Pois saiba que o meu esposo, Antônio, está precisando de ajuda na loja de material de construção. Se o senhor quiser, podemos marcar uma entrevista.
Helena completou.
E, se preferir, também posso encaminhá-lo para a cooperativa agrícola. Meu esposo é o gerente lá, ele pode avaliar um possível encaixe.
O pai de Pedro ficou visivelmente emocionado, sem saber como agradecer. A mãe dele, de olhos marejados, segurava a mão do marido como se estivesse vendo ali uma nova porta se abrindo.
E assim ficamos ali: eu; o pai e a mãe de Pedro Alves; e a mãe e a avó de Guilherme cinco pessoas unidas por uma conexão simples e poderosa. Tudo começou com um dente quebrado, um gesto de ajuda e um bolo feito com gratidão. E terminou naquele momento com esperança, acolhimento e novas possibilidades.
A conversa corria leve, misturando gratidão, esperança e o alívio de quem finalmente enxergava novos caminhos.
Dona Lurdes serviu mais um pedaço do bolo feito pela mãe de Pedro, elogiando o sabor simples e cheio de afeto.
Coisa boa feita com coração a gente percebe na primeira mordida, minha filha disse ela, sorrindo para a mãe do menino.
Helena concordou com um aceno elegante.
Foi um prazer ajudar o Pedro, Major. O menino é educado e muito querido afirmou, olhando discretamente para mim.
Eu retribui com um sorriso.
Agradeço mais uma vez a todos vocês. Hoje vimos que a união faz diferença.
Depois de algumas últimas conversas e risadas sem pressa, chegou o momento da despedida. O pai de Pedro foi o primeiro a se levantar.
Major, não sei como agradecer. O senhor e essas mulheres aqui, mudaram meu dia. Talvez até minha vida.
Agradeça trabalhando e seguindo firme, eu respondi, apertando-lhe a mão com firmeza. E cuidando bem desse menino. O resto a vida ajeita.
A mãe de Pedro abraçou dona Lurdes e Helena, emocionada.
Quando a família se afastou pelo corredor da escola, eu acompanhei o movimento com os olhos, sentindo o peso leve de um dever cumprido e a estranha sensação de que aquele encontro ainda repercutiria de formas inesperadas.
Continuação.....
rob025