Depois do jantar que eu havia oferecido na escola, o clima havia mudado. Começaram os primeiros sinais de um pacto invisível. Nada foi dito com clareza, mas havia um convite nas entrelinhas, como se a linguagem formal tivesse sido dispensada por completo. Quando recebi a mensagem de Geraldo “Sábado, 10h. Churrasco lá em casa. Docentes confirmados. Traga apenas sua presença. Deixem esposos(as) e filhos”, entendi de imediato. Não era apenas um churrasco. A casa de Geraldo ficava num bairro sereno, cercada por árvores que faziam sombra ao tempo. Um quintal que cheirava a domingo, com jeito de chácara, onde o mundo parecia suspenso. Quando cheguei, os sons e cheiros já estavam no ar: carne na brasa, pagode leve, risos soltos e vozes em timbres mais livres do que qualquer sala de aula permitiria. Cheguei sozinho, como orientava o convite. Naquele período, minha esposa ainda estava na cidade onde morávamos, envolvida em um projeto na prefeitura. A mudança definitiva, com os filhos, só viria ao fim do ano letivo. Os professores estavam lá. E estavam diferentes. Camila, a matemática de pernas cruzadas e vestido curto demais para o colégio, mas perfeitamente ajustado ao calor daquele sábado. Diana, a bióloga, de olhos atentos como microscópio, mas com um brilho que não cabia em laboratórios. Helena, literatura pura: cabelos soltos, citação na ponta da língua, uma certa melancolia que a deixava ainda mais interessante. E então houve o primeiro comentário, feito com a malícia ensaiada de quem quer testar o terreno, não achei que você viria, Major. Diretores geralmente não se misturam ainda mais os que falam pouco. Dá a impressão de que estão sempre julgando. Era Camila, claro. Antes que eu respondesse, Diana se aproximou por trás, voz suave e veneno doce, Camila gosta de provocar. Mas no fundo, ela só quer saber o que existe por baixo dessa farda invisível, autoridade ou desejo reprimido? A provocação ficou suspensa no ar, como fumaça de brasa. Não respondi. Apenas ergui o copo. Helena chegou logo depois, sorrindo como quem entrega um enigma, o olhar comanda, Major. Mas me pergunto: quem é o homem quando o uniforme cai? Silêncio. Não constrangedor. Eu, ainda firme, mas já levemente inclinado pelo clima, a farda nos cobre, mas não nos cala. Nem sempre protege. As três riram. Não da frase. Riram da quebra de personagem. A conversa seguiu, falamos de livros, de fantasias. Helena citou literatura erótica, Camila confessou desejos que jamais caberiam numa sala de aula. Diana, com um trecho de Simone de Beauvoir, dizia que o corpo é o primeiro território da liberdade. As provocações se tornavam mais íntimas, mais perigosas. Camila, de novo, você observa tanto, Major, já pensou que isso pode ser perigoso? Eu respondi, depende do que estou observando. Diana chegou mais perto, e o que você está vendo agora? Eu respondi, três mulheres que sabem exatamente o que estão fazendo. Helena sorriu, isso é um elogio ou um alerta? Eu respondi, depende de quem está ouvindo. Foi aí que Sueli apareceu. A mulher de Geraldo não tinha a mesma energia das outras. Tinha algo mais lento, mais perigoso. Um vestido leve, fendas laterais, ombros nus, sorriso que parecia saber demais. Seja bem-vindo, Major. Estávamos esperando o senhor, ela disse. Era um aviso. Um convite. Uma armadilha? Sentou-se entre Helena e Diana, e cruzou olhares comigo. Geraldo então se fez presente trazendo cerveja e dando a Sueli um copo e se sentou para conversar também. Sueli então passou por mim com uma travessa de carne, inclinou-se o suficiente para que eu visse ou fosse convidado a ver um seio médio, livre, delicioso, sem culpa. Ela me olhou e notou que o que ela queria mostrar foi visto e muito apreciado. Ela disse, o senhor não come major, está tudo no ponto hoje, a carne, a companhia, o tempo. Eu aceitei uns pedaços de carne e peguei outra cerveja. Não havia mais pressa. Não naquele dia. As conversas dispersavam em pequenos grupos, no jardim, na varanda. Eu e Sueli ficamos sozinhos por um tempo. Ela, com o copo na mão, olhava para o céu sem olhar para ele. Você observa muito e fala pouco. Gosto disso disse, sem me olhar. Fiquei em silêncio. Mais tarde, na varanda dos fundos, ela me achou de novo. Gostou do pôr do sol, disse ela. Então eu disse, sua casa é bonita. A casa é do Geraldo. Eu cuido da atmosfera, ela respondeu. Olhei para ela. E como vai a escola? perguntou. Sob controle, como tudo o que exige disciplina, respondi. Imagino, ela respondeu. E saiu com um sorriso que ficou. Mais tarde, ela me lançaria um sussurro mais direto, a cerveja está no ponto, Major. Como o resto da noite. A noite caiu. As luzes da varanda se acenderam. As cervejas agora eram long necks. Geraldo apareceu rindo, dizendo que as casadas estavam soltas demais. E elas responderam com ironia afiada. Liberdade não é deixar de ser casada. É deixar de fingir que ser casada nos define, disse Camila. Liberdade entre quatro paredes é só uma parte. O problema está nas janelas, disse Diana. Tem algo mais perigoso do que mulheres casadas que deixaram de pedir permissão? disse Sueli. Geraldo apenas sorriu, já um pouco etéreo de álcool e lucidez, aprendi a não impedir o que não posso controlar. E a gostar do que não entendo por completo. Sueli olhou para mim, e disse, a maioria dos homens se incomoda com o que não pode controlar. Você não? Eu não, respondi. As despedidas vieram devagar, como quem não queria que a noite se encerrasse. Helena veio descalça, cabelo solto, olhos de quem tinha mais páginas para mostrar, cuidado com o silêncio, Major. Às vezes, é ele que responde por você. E nem sempre da forma que você escolheria. Beijo leve. Livro prometido. Segredo no sorriso. Diana, firme, suave, gosto de quem observa. Mas gosto mais de quem age no tempo certo. Deixou uma pulseira sobre a mesa. Nenhuma explicação. Camila, por fim, séria, foi um ótimo dia. E será melhor ainda quando você parar de fingir que tem tudo sob controle. Bilhete na mão. Promessa cifrada.
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