Os dias seguiam tranquilos no convento, até a chegada de um visitante. O padre Miguel, jovem, de voz calma e olhar sereno, viera para conduzir retiros espirituais e ajudar nas confissões semanais.
Desde o primeiro encontro, algo mudou em Antônia. Havia algo no tom da voz dele, na forma como a olhava quando falava sobre fé e humanidade, que a deixava inquieta. Sentia um calor subir pelo corpo, um rubor leve que ela tentava esconder sob o véu.
Durante a confissão, sua voz saía trêmula.
— Padre… às vezes eu sinto coisas que não entendo. Um vazio, um desejo… como se fosse algo errado, mas que não consigo controlar.
Padre Miguel manteve o olhar fixo, com uma doçura que a desarmava.
— O que você sente, filha, não é pecado. É o humano dentro de você tentando dialogar com o divino.
Essas palavras ficaram martelando em sua cabeça por noites inteiras. “O humano tentando dialogar com o divino.”
Na solidão do quarto, Antônia não sabia mais distinguir o que era fé e o que era desejo. Cada vez que lembrava do olhar dele, o coração acelerava. Cada oração parecia carregar um tom diferente, mais íntimo, mais profundo.
Certa tarde, ao ajudar a arrumar o altar, Antônia deixou cair um pequeno crucifixo. Quando se abaixou para pegá-lo, a mão do padre tocou a dela — apenas um toque leve, mas suficiente para que o tempo parasse por um instante. Seus olhos se cruzaram, e o silêncio entre eles parecia mais denso do que qualquer palavra.
Antônia sentiu o corpo estremecer. Retirou a mão rapidamente, sussurrando uma desculpa, mas a sensação ficou ali, viva, latejante.
Naquela noite, deitada, ela orou com mais fervor do que nunca. Pedia perdão, mas ao mesmo tempo, dentro de si, uma parte desejava que aquele toque se repetisse.