Fiquei imóvel, observando. Havia ternura em vê-lo assim — concentrado, debruçado sobre o próprio pensamento, como se tentasse traduzir o indizível em palavras. O sol começava a dourar seus ombros, e a cena parecia de outro tempo: um homem escrevendo para entender o que sente, para dar forma àquilo que o amor havia redesenhado.
“Ontem”, escreveu ele, “eu vi o amor de fora. E o que mais me surpreendeu foi perceber que ele continuava inteiro. Nenhuma parte de mim se quebrou; apenas se alargou. Descobri que amar alguém é, às vezes, deixá-lo existir onde a gente não está.”
Li de longe, sem querer interromper. João continuava:
“Passei anos acreditando que amar era proteger, esconder, conter. Mas ontem, no parque, vi que há outro tipo de amor — aquele que observa, que confia, que se torna maior justamente porque aceita o movimento. Há em nós algo que não precisa ser explicado, apenas sentido.”
Ele parou um instante, olhou pela janela e depois voltou a escrever:
“Não é simples, mas é bonito. E talvez seja isso que nos mantém vivos — essa capacidade de nos espantarmos ainda, mesmo depois de tanto tempo juntos.”
Sentei-me na cama, abraçando os joelhos. A manhã cheirava a café e papel. Havia no ar uma espécie de paz que não era ausência de conflito, mas a presença da compreensão.
João se virou e me viu acordado. Sorriu com aquela expressão de quem volta de uma viagem interior.
— Escrevi umas coisas — disse, quase envergonhado. — Acho que precisava colocar em palavras o que ficou em mim.
— E conseguiu? — perguntei.
Ele respirou fundo.
— Acho que sim. Mas as palavras sempre ficam menores do que o sentimento, não é?
Levantei-me, caminhei até ele e li o que havia no caderno. As linhas tremiam de emoção, simples e verdadeiras. Coloquei a mão sobre o papel e, por um instante, ficamos em silêncio.
— Você escreveu o que eu também senti — murmurei. — Que o amor só é forte quando permite respirar.
Ele fechou o caderno, devagar.
— Então talvez a gente esteja aprendendo a amar de novo — disse. — De outro jeito, mais leve, mais lúcido.
O relógio marcava nove horas quando nos sentamos juntos para o café. O mundo seguia igual lá fora — o trânsito, as pessoas, o som dos pássaros. Mas dentro de casa, tudo parecia reorganizado. Havia entre nós uma nova harmonia, como se o amor tivesse encontrado outro tom, mais baixo, mais calmo, mas infinitamente mais profundo.
Enquanto João falava sobre o dia que começava, percebi algo simples e definitivo: amar, no fim das contas, é um aprendizado contínuo — uma forma de se renovar sem precisar recomeçar.
E naquela manhã, entre o aroma do café e o som distante da cidade, compreendi que o amor que sobrevive é aquele que, mesmo depois de tudo, ainda sabe escrever.