O silêncio da manhã era quase sagrado. O ar parecia suspenso entre nós, carregado de tudo o que ainda não havia sido dito.
José me olhava com aquele mesmo olhar da noite anterior — firme, mas terno, como se procurasse entender o que restava de mim depois da tempestade.
— Está doendo? — perguntou, a voz rouca, baixa, como quem teme quebrar o que ainda pulsa.
Demorei a responder.
— Um pouco… — sussurrei. — Mas é uma dor boa. Não da pele, mas do que ficou exposto.
Ele assentiu lentamente, o olhar cheio de uma culpa que não cabia ali.
— Eu precisei te levar até aquele limite, mas juro que cada gesto foi cuidado. — fez uma pausa. — Às vezes, amar é tocar o outro onde ele mais teme ser tocado.
— Eu sei — respondi. — E foi isso que me assustou. Não o que você fez, mas o que despertou em mim.
José se aproximou. Seu rosto estava sério, mas os olhos brilhavam como quem entende, enfim, o que antes apenas intuía.
— Você confiou em mim mais do que eu merecia.
— Não — interrompi. — Eu confiei o bastante pra descobrir quem eu sou quando deixo de controlar tudo. Você não tirou nada de mim. Só me mostrou o que eu escondia.
O silêncio voltou, mas dessa vez era leve, como um respiro depois da confissão.
José passou os dedos pelo meu rosto, desenhando caminhos invisíveis.
— O que eu mais temo é te ferir.
— E o que eu mais temo — respondi — é nunca mais sentir algo assim. Essa mistura de medo e paz.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, quase triste.
— Talvez seja isso o amor: caminhar na beira do abismo, sabendo que o outro está ali pra segurar, se você cair.
Ficamos assim, por longos minutos, sem precisar de mais palavras. O corpo dele ainda guardava o calor da noite, e o meu corpo respondia com gratidão silenciosa. Havia cansaço, mas também uma serenidade nova — como se o que vivemos tivesse limpado um espaço dentro de nós.
José quebrou o silêncio uma última vez:
— Promete que, se eu passar do limite um dia, você vai me dizer?
Olhei bem nos olhos dele.
— Prometo. E você me promete o mesmo?
Ele assentiu.
— Prometo.
Nos abraçamos. Não havia perdão, nem desculpa — apenas presença.
E naquele abraço, percebi que o que nos unia não era a dor, nem o prazer, mas o modo como aprendemos a cuidar um do outro dentro deles.