Entre o Desejo e a Honra



Era uma tarde de domingo, e Karol insistiu para nos reunirmos. O convite parecia inocente: um almoço leve em um restaurante com jardim aberto, ideal para relaxar. Alberto foi buscá-la cedo, e chegaram de mãos dadas, o brilho do novo casal impossível de esconder. Eu e Ricardo já os esperávamos, ele sério como sempre, eu fingindo a serenidade de quem não tinha nada a esconder.
A mesa parecia comum, mas o jogo era só nosso. Karol, radiante, não desgrudava os olhos de Alberto, e a cada gesto mais atencioso dele, ela sorria como menina. Em contrapartida, não perdia a chance de me cutucar com olhares marotos. Eu retribuía com sorrisos discretos, fingindo que não entendia a provocação.
Beth e Carolina apareceram logo depois, e as brincadeiras começaram.
“Olha só, Ricardo e Alberto lado a lado. Acho que nunca vi tanto homem de presença na mesma mesa.”
Solange completou, abanando-se.
“Duas leoas bem servidas… isso sim é privilégio.”
Todos riram, menos Ricardo, que se limitou a erguer uma sobrancelha e beber um gole de vinho. Alberto, mais solto, entrou na onda.
“Privilégio é nosso. Cuidar de mulheres assim não é trabalho, é sorte.”
Karol gargalhou e beijou o rosto dele na frente de todos. Em seguida, virou-se para Ricardo e lançou sua provocação habitual.
“Viu, Ricardão? Aprende com ele, fala bonito e ainda faz graça. Não é só carranca e silêncio, não.”
A mesa caiu em risadas. Eu mesma não contive um sorriso, aproveitando para aliviar o clima.
“Deixa, Karol. Cada um tem seu jeito. Uns falam muito, outros… fazem muito.”
O silêncio que se seguiu foi curto, mas intenso. Ricardo me olhou de lado, e por um instante o mundo pareceu parar. Só nós dois sabíamos o peso escondido naquela frase.
Karol percebeu e, rápida, desviou a atenção.
“Então pronto, Ricardo é o guardião sério, Alberto é o guardião maroto. Duas versões para dois tipos de loucura. E nós, Viviane, estamos bem servidas.”
Alberto gargalhou e completou.
“Bem servidas e perigosas. Porque quem olha de fora não faz ideia da força que essas duas carregam.”
A mesa voltou ao riso, mas por baixo, o fogo e o segredo queimavam mais forte do que nunca.

A mesa estava mais calma depois que os amigos foram embora. Ficamos apenas nós quatro: eu, Ricardo, Karol e Alberto. O ambiente parecia outro. O barulho do restaurante diminuía e o vinho já tinha deixado todos mais soltos.
Alberto, sempre sorridente, recostou-se na cadeira e lançou o comentário que mudou o rumo da conversa.
“Vocês não têm ideia da sorte que eu tive em cruzar com esse homem aqui. Se hoje eu sei me portar, se tenho disciplina e sei até onde posso ir… devo muito ao Ricardo. Ele nunca fala, mas é um mestre, no sentido mais puro da palavra.”
Karol arregalou os olhos, surpresa.
“Como assim, mestre? Você tá me dizendo que o Ricardão não é só carranca? Ele ensina também?”
Ricardo sorriu de canto, mas ficou em silêncio. Foi Alberto quem continuou, olhando firme para ele antes de falar.
“Ele sempre me passou princípios, não só técnicas. O que ele carrega… não é comum. Vocês acham que é só força e postura, mas é muito mais. É caráter. É ter raiz.”
O silêncio pairou por um instante. Eu aproveitei, inclinando-me levemente sobre a mesa.
“Então conta, Ricardo. A gente vê esse homem pronto, mas eu quero saber de onde veio. Como tudo começou?”
Ele respirou fundo, como quem não gosta de expor, mas acabou cedendo diante da insistência.
“Eu era menino, estudava de manhã. À tarde, ajudava em qualquer trabalho que aparecesse. Jardinagem, consertos simples, limpeza. Precisava levar dinheiro pra casa. Foi numa dessas idas que conheci o velho senhor japonês. Ele tinha um jardim enorme, era respeitado por todos no bairro. Eu ia lá aparar grama, limpar, cuidar das plantas. Ele sempre me observava em silêncio, até que um dia me chamou.”
Karol, fascinada, apoiou o queixo na mão.
“E foi aí que começou a sua história?”
Ricardo fez um gesto afirmativo com a cabeça.
“Ele me perguntou se eu sabia me defender. Eu ri. Eu era só um moleque franzino. Então ele me mostrou um movimento simples, quase invisível, que derrubou um homem adulto com um toque. Aquilo ficou na minha mente. Voltei no dia seguinte, e no outro, e no outro. Ele começou a me ensinar, devagar. Não só golpes, mas disciplina, filosofia, respeito. Eu não sabia, mas estava recebendo algo que ele guardava para alguém digno.”
Alberto completou, olhando para Karol.
“Esse mestre foi quem transformou o Ricardo no que ele é hoje. E digo mais: se não fosse ele, talvez nem estivéssemos aqui agora. Porque o que o Ricardo aprendeu não é só lutar, é viver com honra.”
Eu senti um arrepio percorrer meu corpo. Aquela revelação dava sentido a cada gesto, cada silêncio, cada olhar de Ricardo.
Karol sorriu, mas seus olhos estavam marejados.
“Então quer dizer que todo esse jeito sério vem de lá. Eu sabia que tinha história por trás.”
Ricardo passou a mão pela taça de vinho, girando-a devagar, e completou com a voz grave.
“Eu devo tudo a ele. Mas mais do que isso, devo a mim mesmo nunca trair o que aprendi. O mestre sempre dizia: não use a força para benefício próprio. Use para proteger, nunca para dominar. Essa foi a maior lição.”
O peso das palavras ficou no ar. Eu segurei sua mão discretamente sob a mesa, enquanto Karol e Alberto se entreolhavam em silêncio, como se também estivessem digerindo cada detalhe.
Naquele instante, não vi apenas o homem que ardia comigo em segredo. Vi o garoto que um dia foi moldado por disciplina e honra. E percebi que estar ao lado dele era mais do que desejo: era destino.
O sol iluminava o jardim aberto do restaurante, deixando a tarde clara e leve. As mesas vizinhas estavam cheias de famílias e casais, mas a nossa tinha um ar especial. Apenas nós quatro: eu, Ricardo, Karol e Alberto. A comida já tinha sido servida, o vinho branco refrescava as taças, e o clima de cumplicidade estava no ar.
Foi Alberto quem abriu espaço para algo mais profundo. Ele recostou-se na cadeira, olhou para Ricardo e disse com sinceridade.
“Vocês não fazem ideia de quem está sentado ao lado de vocês. Se hoje eu sou o homem que sou, é porque aprendi muito com esse cara. Ele nunca fala, mas é um mestre no que faz e no que é.”
Karol arregalou os olhos, curiosa.
“Um mestre? Tá brincando, né? Esse aqui mal fala e você me diz que é mestre?”
Alberto riu, mas sua expressão era séria.
“É sim. Não mestre de palco ou academia. Mestre de vida. Ele me ensinou que disciplina não é só treino, é postura. Que força sem honra é vazia.”
Eu, intrigada, não resisti.
“Então conta, Ricardo. A gente conhece você de hoje, mas quero saber de onde vem essa raiz. Como tudo começou?”
Ele respirou fundo, olhou para o prato como quem buscava palavras, e então começou.
“Eu era garoto. Estudava de manhã e à tarde fazia de tudo para ajudar em casa. Jardinagem, pequenos serviços, o que aparecesse. Foi assim que conheci o velho japonês. Um senhor reservado, dono de um jardim imenso. Eu ia lá cortar grama, limpar folhas. Ele sempre me observava em silêncio, até que um dia me chamou. Perguntou se eu sabia me defender. Eu ri, era só um moleque magro. Ele então me mostrou um movimento simples, quase invisível, que derrubou um homem adulto com um toque. Nunca esqueci aquilo.”
Karol estava hipnotizada, segurando o garfo sem perceber.
“E foi aí que você começou a aprender?”
Ricardo fez que sim com a cabeça.
“Dia após dia. Ele me ensinava não só técnicas, mas disciplina, respeito, filosofia. Me moldava. Nunca prometeu nada, nunca me disse que eu seria grande. Só dizia: a força não serve para te elevar acima dos outros, mas para proteger quem precisa. Essa foi a lição que guardei.”
O silêncio tomou conta da mesa por alguns segundos. Até que Karol, no seu jeito, não resistiu.
“Então quer dizer que eu tenho dois mestres para cuidar de mim agora? O Ricardão e o Alberto aprendiz?”
Todos riram alto. Até Ricardo deixou escapar um sorriso discreto. Alberto entrou na brincadeira, erguendo a taça.
“Dois mestres para uma leoa? Acho que nem três dariam conta de você, Karol.”
Ela gargalhou e se inclinou para beijá-lo, arrancando suspiros das mesas ao lado. Eu, sorrindo, segurei discretamente a mão de Ricardo por baixo da mesa.
E assim, entre histórias sérias e provocações, o almoço seguiu leve, cheio de cumplicidade e segredos que só nós quatro compreendíamos.
Karol girava a taça de vinho entre os dedos, os olhos brilhando com a mesma curiosidade de sempre.
“Tá, Ricardão… você contou do velho japonês e das lições de vida. Mas e o resto? Quero saber mais. Como era você criança? Já era esse silêncio ambulante, ou falava um pouco mais?”
Ricardo ergueu uma sobrancelha, ajeitando-se na cadeira.
“Falava pouco. Sempre fui de observar. Eu aprendia mais calado do que desperdiçando palavras.”
Karol gargalhou.
“Ah, pronto! Então quer dizer que você já nasceu nesse modo monge zen? Deve ter sido o terror das meninas, só olhando e não falando nada.”
A mesa caiu na risada. Alberto, aproveitando a deixa, completou.
“Ele sempre foi assim, Karol. Mas vou te contar: esse jeito sério é o que dá mais medo. Porque quando ele fala, é certeiro. Eu mesmo já aprendi a ler até o silêncio dele.”
Eu, rindo e ao mesmo tempo querendo aliviar o peso da curiosidade da Karol, entrei no jogo.
“Karol, deixa o homem em paz. Se ele contar tudo, perde a graça. O mistério é o que mantém esse charme que arranca suspiros por aí.”
Ela virou o rosto para mim, fingindo indignação.
“Ah, então você também já caiu nesse encanto, dona Viviane? Está defendendo demais o seu motorista, hein.”
O coração disparou, mas mantive o tom leve e sorridente.
“Eu só estou dizendo a verdade. Até você reparou, Karol. Não tente disfarçar.”
Alberto gargalhou alto, brindando com a taça erguida.
“Olha só, acho que temos aqui duas leoas que se rendem ao mesmo estilo de homem: um fala pouco e faz muito. O outro fala mais, mas aprendeu com o mestre. Estão bem servidas.”
O comentário arrancou aplausos e risadas da mesa inteira. Ricardo, sério como sempre, apenas ergueu o copo em silêncio, mas o brilho em seus olhos denunciava.
Karol, ainda rindo, levantou-se e deu a volta pela mesa, pousando a mão no ombro de Ricardo.
“Você pode não falar muito, mas já percebi que carrega histórias que dariam um livro. Um dia ainda vou arrancar todas elas de você.”
Ele a encarou com aquele olhar firme, e respondeu baixo, mas audível para todos.
“Algumas histórias não são para serem contadas. São para serem vividas.”
O silêncio caiu por um instante, até que Karol, rápida como sempre, quebrou o clima com uma gargalhada.
“Pronto, agora virou poeta. Não aguento vocês dois.”
Todos riram de novo, e o almoço terminou leve, cheio de provocações, risos e cumplicidade. Mas por baixo das brincadeiras, cada um sabia: naquela mesa, segredos maiores queimavam em silêncio.
O almoço havia terminado em risadas, mas o sol ainda brilhava alto quando sugeri a Ricardo uma volta pelo jardim do restaurante. Karol e Alberto ficaram na mesa, distraídos entre taças e provocações, e eu aproveitei para me levantar. Ricardo veio comigo em silêncio, como sempre, apenas colocando as mãos nos bolsos e caminhando ao meu lado.
O jardim era amplo, com caminhos de pedra ladeados por árvores baixas e flores cuidadas. A brisa suave parecia carregar um silêncio diferente, propício para confidências.
Por alguns minutos caminhamos sem falar. Até que, de repente, ele quebrou o silêncio.
“Você sabe, Viviane… às vezes eu penso que não devia estar aqui.”
Parei e o encarei.
“Como assim, não devia estar aqui?”
Ele desviou o olhar para o chão, chutando levemente uma pedrinha.
“Minha vida nunca foi fácil. Cresci com pouco, vivi com pouco. Estudei porque minha mãe insistia, mas meu mundo era o trabalho. Eu não tinha sonhos de ser alguém grande. Só queria ajudar em casa e não dar trabalho. Nunca imaginei que chegaria a ter alguém olhando para mim da forma como você olha.”
Senti o coração apertar. Ele não falava de si com frequência, muito menos desse jeito.
“E o mestre? Ele não te fez sonhar mais alto?”
Ricardo respirou fundo, o olhar perdido entre as árvores.
“Ele me ensinou disciplina, filosofia, respeito. Mas também me ensinou limites. Sempre disse: não use o que aprendeu para buscar poder ou riqueza. Use apenas para proteger, para guardar. Talvez por isso eu aceitei minha vida como ela é. Motorista, segurança… não importa o título. Eu só queria cumprir a missão de proteger. E hoje percebo que esse destino nunca me pesou. É o que eu sou.”
Caminhei mais um pouco, digerindo cada palavra. Finalmente parei, coloquei a mão no braço dele e o fiz me olhar.
“Ricardo, você fala como se fosse pouco. Mas você não tem ideia da grandeza do que carrega. Quem vive para proteger… vive para algo maior que si mesmo. Isso é raro. Isso é nobre.”
Ele ficou em silêncio, os olhos presos nos meus. Por um instante, o homem de ferro pareceu tremer.
“Às vezes, Viviane, eu penso se alguém algum dia vai entender isso. Ou se vou passar pela vida sem deixar nada além de silêncio.”
Abracei-o sem pensar, ignorando o mundo à volta.
“Eu entendo. Eu vejo. E talvez seja exatamente isso que você deixa: não barulho, mas marcas. Quem você toca nunca esquece.”
Ele apoiou o queixo na minha cabeça e me envolveu com força, respirando fundo. Ficamos assim por minutos, sem pressa, até que finalmente voltamos ao caminho de pedra.
No silêncio confortável que seguiu, percebi que não era apenas desejo que me prendia a ele. Era admiração. Era saber que por trás daquele olhar duro havia uma história de luta, honra e entrega.
E naquele instante, caminhar ao lado de Ricardo parecia mais precioso do que qualquer noite em chamas.


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Comentários


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mans Comentou em 08/09/2025

Vivi voce é uma lady no mesmo sentido da palavra gentleman, pq ao mesmo tempo em que conta sua historia voce apresenta de uma maneira doce, agradavel a sua amiga Karol e a coloca no mesmo patamar que voce... voce não diminue pra sentir melhor Vc é demais

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farmaceutico- Comentou em 08/09/2025

apaixonado por essa Karol




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Ficha do conto

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vivianebeatriz

Nome do conto:
Entre o Desejo e a Honra

Codigo do conto:
241902

Categoria:
Traição/Corno

Data da Publicação:
08/09/2025

Quant.de Votos:
6

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