Entrei no comboio sem pressa, resignado a mais uma viagem longa, monótona, cheia de paragens e pessoas cinzentas. Mas bastou um olhar para tudo parar.
Ela estava ali. Sentada junto à janela, o rosto virado para o reflexo da paisagem que não via. Não era uma beleza óbvia, mas tinha uma presença que feria. Havia qualquer coisa nela, uma espécie de tempestade contida sob pele morna, que me agarrou. Um decote indecente a pedir olhos, umas pernas cruzadas com precisão cirúrgica, um nariz altivo e sensual, feito para ser mordido. Sentei-me por perto. Sem hesitar. Se a viagem ia ser longa, ao menos haveria corpo para contemplar.
Ela sorriu. De leve. Endireitou-se. Cruzou as pernas com aquela lentidão que só têm as mulheres que sabem que estão a ser observadas. Ajeitou o casaco, passou os dedos pelo decote, suspirou. Havia nela uma inquietação doce. Um erotismo que se mexia devagar.
Eu já sentia o pau a latejar, a roupa a prender-me o sangue entre as pernas. Ainda não tinham passado dez minutos e já eu decidira que aquela mulher havia de sentir a minha mão no meio das coxas antes do comboio parar.
No vidro, através do reflexo, apanho-lhe um olhar. divertido, lúbrico. O telemóvel toca. Ela atende com voz baixa, rouca:
- Olá… estou ocupada… não posso falar agora.
Diz isto a olhar para mim. E desliga.
A deixa foi perfeita.
- Uma grande mentirosa - digo-lhe. - Ocupada com quê?
- Consigo. Estava a divertir-me a olhar para si.
- A mim? - devolvo. - Porquê?
- Tem os botões da camisa mal apertados.
Olho. E sim, estavam. Sorrio enquanto me componho. Os olhos dela não me largam.
Pergunto-lhe, em tom mordaz:
- Já comprou a prenda para o seu namorado? É dia deles… corações por todo o lado.
- Deixei de acreditar em namorados. E no amor. Há muito.
- E acredita em quê?
- No desejo. E no dinheiro. Em fazer o que quero. Quando quero.
Pousa a mão na minha perna. Encosta-se. Sussurra-me:
- Sabe o que precisava agora?
- De quê?
- De um café.
- Mal a conheço, mas fazia-lhe tudo o que precisasse, querida mentirosa.
- Tudo, tudo? Não me chame “querida”.
- Mentirosa, então. Fica-lhe melhor.
Levantámo-nos. Fomos ao bar. Mas o comboio pára bruscamente. Ela tropeça. Agarra-se a mim. Eu seguro-a. A mão escorrega-lhe até ao meu rabo. O peito dela cola-se ao meu. O meu pau já lhe roçava o ventre.
- Desculpe… estou desastrada hoje.
- Ainda bem. Assim caiu nos braços certos.
Ficámos colados segundos a mais. Depois seguimos. Sentámos. Café à frente. Palavras com duplo sentido. Mão na perna. Festa na barba. Os olhos dela eram uma promessa suja.
De repente, levanta-se. Agarra-me pela fivela do cinto.
- Anda.
Não disse mais nada. E eu fui. Como um cão, sedento de cio. Levou-me pelo corredor, ninguém à vista. Atirou-me para a casa de banho. Trancou a porta.
Agarrei-a. Contra a parede. As pernas dela em torno de mim. A boca, faminta. As línguas a morderem-se.
Eu já duro como ferro. Ela sabia. Sentia. E adorava.
Despe-me os boxers. Passa a mão.
- É tudo o que preciso agora.
Viro-a para o lavatório. Meias para baixo. Tanga posta de lado. O cheiro dela era brutal, húmido, um cio exposto. Meto o preservativo. Entro nela. Por trás. Com força. Com ritmo. Com fúria doce.
Tapei-lhe a boca. Os gemidos eram intensos demais. Quase indecentes. O corpo dela contra o meu. Eu a penetrá-la fundo. Ela a agarrar-se, a implorar mais com os olhos.
Mudei o compasso. Mais lento. Mais fundo. Ela quase desmaiava com os orgasmos. Gemeu alto. Arqueou-se. Gritei com o corpo. Gozei com um prazer animal.
- Ocupei-te bem o tempo?
Ela beijou-me. Mordeu-me o lábio. Sangrou. Sorriu. Subiu as meias. Alisou o cabelo.
- Arranja-te. Eu saio primeiro.
Fiquei uns segundos a olhar o espelho. Água no rosto. Calças para cima. Sorri. Saí.
Ninguém à porta. Ninguém sabia de nada. Só eu sorria como um puto depois de chupar a colher de chocolate escondida da mãe.
Voltei para o lugar. Ela igual. O mesmo olhar. O mesmo cruzar de pernas. O mesmo fogo mudo.
Perguntei-lhe:
- Posso ter o teu número? O teu nome? O teu tudo?
Ela respondeu com a frieza doce que me partiu:
- Nunca mais nos vamos encontrar. Nem me sabes o nome. Nem eu quero saber o teu. Há coisas que se vivem uma vez. E se voltassem… estragavam-se.
Fiquei mudo. O telemóvel dela tocou. Ignorou-o.
Ficámos os dois a olhar pela janela. A ver o nada. O fim da linha aproximava-se.
Quando o comboio parou, não resistimos.
Beijámo-nos. Com tudo. Um beijo que se morde. Que se grava. Que se quer em câmara lenta. As mãos dela nas minhas costas. As minhas nas nádegas dela. As pernas a colarem-se como quem não quer sair dali nunca mais.
Depois… silêncio. Separámo-nos nas portas.
Cruzámos um último olhar.
A minha namorada correu para mim. Beijos. Perguntas.
- Que aconteceu ao teu lábio?
- Foi uma viagem cansativa — disse, num tom neutro.
Olhei de lado. Ela beijava um homem mais velho. O “namorado”. A rotina. A mentira social.
- Correu bem a viagem, meu querido? - pergunta a minha.
- Foi… agradável.
Anos mais tarde voltei a vê-la. Troquei finalmente o nome. O contacto.
E soube, com um arrepio:
Naquela noite, ela foi pedida em casamento.