Era um aquário gigante no último andar do prédio. As paredes eram todas de vidro, mostrando a cidade lá embaixo. A mesa era preta e tão polida que parecia um espelho. O ar-condicionado estava sempre no máximo, gelado.
Na ponta da mesa, numa cadeira que parecia um trono, estava Artur Sá (52 anos). O dono de tudo. Ele era um homem bonito, com cabelos grisalhos e um relógio caro no pulso. Mas hoje, ele estava com uma cara de tédio profundo. Ele olhava para os seus diretores, homens de terno cinza que só sabiam dizer "sim, senhor", e sentia um cansaço imenso.
No outro canto da sala, quase escondido atrás do seu notebook, estava Bruno (25 anos), o filho de Artur. Bruno se sentia tão cinza quanto os ternos dos outros diretores. Ele trabalhava ali, mas sentia que ninguém o via de verdade. Ele era apenas "o filho do chefe".
Até que ela começou a falar.
Helena (30 e poucos anos) estava de pé. Ela usava um blazer vermelho-vivo. Naquela sala fria e cinza, ela parecia uma labareda. Ela era a nova arquiteta paisagista, contratada para cuidar do projeto de um parque novo.
A voz dela era calma, mas firme. Ela clicou o controle e uma imagem do projeto apareceu na tela gigante.
Helena: Aqui, na área de descanso, o projeto original pede essas palmeiras finas. — Ela apontou para a imagem. — Isso não vai funcionar.
Vargas: (Um dos diretores mais velhos, e o maior puxa-saco de Artur) Mas, senhorita Machado... o cliente adorou a ideia das palmeiras.
Helena: (Ela sorriu para Vargas. Um sorriso educado, mas que não se dobrou) O cliente também pediu um lugar para ler um livro. Ninguém consegue ler com o sol do meio-dia fritando a cabeça. Palmeiras finas são bonitas na foto, mas não dão sombra. Meu trabalho é fazer um parque que seja bonito, mas que também seja usado.
A sala ficou em silêncio. Ninguém nunca respondia a Vargas. E ninguém nunca dizia "não" para uma ideia que o cliente (e Artur) já tinham pré-aprovado.
Na ponta da mesa, Artur se ajeitou na cadeira.
Ele, que estava quase dormindo, agora estava bem acordado. Um sorrisinho surgiu no canto da sua boca. Que mulher, pensou.
Ele estava farto de "ovelhas" que só balançavam a cabeça. Ali estava alguém com coragem. Alguém com opinião. Fez ele se lembrar de Lúcia, sua falecida esposa. Lúcia também era assim, forte. Artur não via Helena como uma simples funcionária. Ele a viu como uma igual, alguém com quem ele finalmente poderia ter uma conversa de verdade.
Enquanto o pai via uma "guerreira", Bruno via outra coisa.
Do seu canto, Bruno estava hipnotizado. Ele sempre se sentiu "desbotado" perto do pai. E ali estava Helena, tão cheia de cor e de vida, brigando por algo tão simples quanto a sombra de uma árvore. Ela não estava ali só pelo salário. Dava para ver nos olhos dela: ela se importava de verdade.
Para Bruno, ela não era uma guerreira. Ela era a pessoa mais real que ele tinha visto em anos. Ele sentiu uma pontada no peito, uma vontade enorme de conhecê-la melhor.
A reunião finalmente acabou. Os diretores cinzentos saíram da sala, falando baixo sobre a "novata atrevida".
Artur se levantou. Ele era alto, e sua presença parecia encher a sala toda. Ele caminhou lentamente até Helena.
Artur: Helena.
Helena: (Ela se virou, profissional) Sim, Sr. Artur.
Artur: (Ele a olhou nos olhos) Belo trabalho. Gostei da sua firmeza.
Helena: Obrigada, senhor.
Artur: Este projeto do parque é o meu legado. Precisamos estar perfeitamente alinhados. — Ele fez uma pausa. — Você está livre para jantar comigo amanhã? Para discutirmos o projeto. Com calma.
Bruno, que guardava seu notebook, congelou. Jantar? O pai dele não "jantava" para discutir trabalho. Ele "marcava reuniões". Jantar era... pessoal. O estômago de Bruno gelou.
Helena: (Ela pareceu um pouco surpresa com o convite, mas manteve a postura) Claro, Sr. Artur. Que horas?
Artur deu a ela o nome de um restaurante caro, disse "às oito", e saiu. O perfume amadeirado e caro dele ficou no ar.
Agora, só estavam Helena e Bruno na sala gigante e fria.
Bruno: (Ele pigarreou, e sua voz saiu meio fraca) Ei...
Helena: (Ela se virou para ele, e de repente a "arquiteta séria" desapareceu. Ela sorriu, um sorriso genuíno) Oi, Bruno.
Bruno: (Ele se sentiu um desajeitado) O... o que você falou das árvores... da sombra... foi muito legal. Sério.
Helena: (Ela riu, um riso baixo) Obrigada. Parece bobagem, né? Mas eu levo essas "bobagens" a sério.
Bruno: Não é bobagem! É o mais importante! — Ele respirou fundo. Sentiu que era agora ou nunca. — Olha, eu sei que você vai jantar com meu pai amanhã... mas, tecnicamente, eu sou o coordenador que vai ligar o seu projeto com a equipe de engenharia.
Helena: Ah, sim.
Bruno: E eu preciso te passar uns dados. É uma papelada meio chata, na verdade. — Ele estava claramente inventando uma desculpa. — Sabe, seria bem melhor fazer isso num lugar mais relaxado. Talvez num almoço? Amanhã? Só nós dois.
Helena olhou para ele. Bruno estava com o rosto meio vermelho, e não conseguia sustentar o olhar por muito tempo. Ele era tão diferente do pai. Tão mais... suave.
Helena: Um almoço. Claro, Bruno. É uma ótima ideia. Me manda o endereço por mensagem.
Ela sorriu mais uma vez, pegou sua bolsa e saiu da sala, deixando para trás o eco dos seus saltos e um Bruno com o coração disparado, que agora tinha um "encontro" com a mesma mulher que seu pai.