Rosângela era o antídoto de Paulo. Enquanto ele era o idealista elegante, ela era a realidade prática, o motor de combustão do Barbada. Aos trinta e poucos anos, vestia-se com cores fortes e usava maquiagem impecável, não para seduzir, mas para impor sua presença. Sua mente funcionava em planilhas; ela sabia exatamente quanto café seria consumido em uma terça-feira chuvosa e qual era a margem de lucro ideal de cada dose de uísque. Ela não tinha tempo para as longas "conversas" de Paulo; para Rosângela, silêncio era eficiência.
Mas naquele momento, a eficiência tinha desmoronado.
— Preciso sair. Agora. — Ela disse, com a voz baixa e tensa, uma nota que Paulo nunca ouvira.
O tom era o que incomodou Paulo. Rosângela nunca dizia "preciso sair". Ela dizia: "Estou indo ao banco, volto em quarenta e cinco minutos para receber a entrega da hortifrúti." O "agora" era um tiro na rotina.
Paulo, que estava ajustando o Panamá na cabeça, pousou-o de volta na prateleira com cuidado. — Algum problema, Rosa? O estoque está... — Não é o estoque. É pessoal.
Ela evitou seu olhar, o que era mais revelador do que qualquer confissão. Rosângela sempre encarava, fosse a ele, a um cliente irritado ou a uma pilha de notas fiscais. Suas mãos, normalmente ágeis e firmes, estavam segurando a borda do balcão com tanta força que os nós dos dedos estavam brancos. Era a mulher de ferro do Barbada se transformando em pó.
— Volta em quanto tempo? Temos o almoço em... — Não sei. — Ela pegou a bolsa preta da prateleira e, apressadamente, vestiu um casaco de lã escura.
Paulo olhou para o casaco. Estava quente demais para aquilo. Seu senso de conversador e observador atento ligou o alerta máximo. O casaco era uma armadura, uma tentativa desesperada de se esconder.
— Rosângela. — A voz de Paulo era suave, mas carregada da autoridade que ele usava apenas em emergências. — Você está bem?
Ela parou na porta e finalmente o encarou. Havia uma sombra escura de exaustão sob seus olhos, e o contorno impecável do seu batom parecia ter sido traçado por uma mão instável.
— Estou. Só... tenho que resolver uma besteira. Por favor, cuida do bar. Eu... eu te explico depois.
E ela se foi, deixando o eco do "eu te explico depois" pendurado no ar com um gosto amargo.
Paulo observou-a caminhar pela rua. Em vez de ir na direção do banco ou do centro comercial, ela virou em uma viela estreita e escura, onde ficavam os fundos do armazém da esquina. Aquilo não era uma "besteira". Aquela era uma Rosângela que ele não conhecia, assustada e desorganizada.
Meia hora depois, a porta de ferro do depósito se abriu. Paulo, que estava distraído polindo o vidro de uma garrafa de gim, viu Rosângela entrando novamente no bar. Ela estava pálida, o batom vermelho-escuro borrado — a desorganização perfeita da sua aparência era um choque visual — e seus olhos estavam molhados.
Ela foi direto para a gaveta do caixa, onde guardavam o fundo de troco para emergências.
— Rosa, o que está fazendo? — perguntou Paulo, caminhando em direção a ela.
Rosângela virou-se, com um maço de notas na mão, o corpo tremendo.
— Não diga nada, Paulo. Eu reponho isso até amanhã. Eu juro que reponho. — Repor o quê? O dinheiro do bar? O que aconteceu na viela?
Ela hesitou. Por um momento, a rigidez de Rosângela cedeu; ela parecia prestes a desmoronar. Mas então, ela engoliu o choro, e o orgulho ferido a fez vestir a máscara de gerente novamente, embora trêmula.
— Eu estou sendo... — Ela parou, a voz falhando. — Estou sendo chantageada. Por causa de uma burrada que fiz. E o pagamento era agora. Usei o dinheiro do troco porque... não deu tempo de ir ao banco. Não, não me pergunte quem ou o quê.
Rosângela fechou a gaveta do caixa com uma violência silenciosa.
— Eu só preciso que você me prometa que não vai perguntar mais nada e que vai esquecer que viu isso. A vida de alguém, não a minha, depende disso. Por favor, Paulo. Pelo Barbada.
Ela havia usado a fraqueza dele. O nome do bar como trunfo. Paulo sentiu o chão sumir sob seus pés. Seu bar, seu refúgio de conversas sinceras, estava sendo usado para acobertar chantagem e desespero.
Ele olhou para a Jukebox, que agora tocava um bolero melancólico. O equilíbrio havia sido quebrado, e a conversa que ele precisava ter com Rosângela era a que ele mais temia.c