— Que sorte a nossa, Mari! Júnior nos deu o melhor quarto. Ele até disse que o pão de queijo... — Léo parou, pensativo. — Ele pareceu meio estranho, não parece? Tipo, tenso. Talvez ele esteja sobrecarregado. Vou dar uma gorjeta generosa.
Mariana engasgou com o próprio ar. — Léo, não! Não seja... generoso demais! A gente nem sabe se ele merece! Talvez ele seja um péssimo dono de pousada. Um tirano! Vamos nos afastar do... proprietário. Ele parece ocupado.
— Que é isso, Mari? Sou um cara do povo! E o pão de queijo da tia dele me chama.
Desceram para o terraço onde era servido o café. O ambiente era rústico-chique, com redes de pesca penduradas e toalhas de mesa de chita. Em uma mesa isolada, mergulhado num livro e comendo uma fatia de mamão com uma calma zen, estava Júnior.
Mariana congelou. A mesa de café era um percurso de slalom para evitar qualquer interação.
— Léo, olha! — Mariana apontou freneticamente para um vaso de planta perto da entrada. — Que espécie exótica! Precisamos tirar uma foto dela. Agora.
— Mari, é um coqueiro mirim. — Léo revirou os olhos, mas parou. — Depois a gente tira foto. Estou faminto.
Eles se serviram. Léo pegou três pães de queijo e voltou à carga, andando diretamente na direção da mesa de Júnior.
— Com licença, Júnior! Não resisti ao cheiro!
Júnior levantou os olhos do livro, que parecia ser um volume de poesia existencial. Ele forçou o sorriso que já estava treinando há 15 minutos no espelho da cozinha.
— Léo. Bom dia. Fique à vontade. O pão de queijo... é bom, né?
— Lendário! — Léo se sentou na cadeira vazia ao lado de Júnior, para o horror silencioso de Mariana, que estava a três metros, fingindo analisar uma manga. — Deixa eu te falar, sou fã da sua pousada. Você tem uma energia aqui que...
Mariana, percebendo o perigo de Léo entrar numa conversa íntima, correu em direção à mesa.
— LÉO! Pelo amor de Deus! Onde está o sal?
Léo franziu a testa. — Sal? Para quê, Mari? Estamos comendo melancia.
— Ah, sim. A melancia salgada! — Mariana se inclinou sobre a mesa, se colocando estrategicamente entre Léo e Júnior, forçando o proprietário a olhar através de seu cabelo. — É uma moda lá no nosso bairro, Júnior. Você não conhece? Traz o sabor do mar para a fruta! Você tem sal grosso? Temos que experimentar!
Júnior, confuso, mas entendendo que ela precisava de uma desculpa, acenou lentamente. — Temos. Na cozinha.
— Ótimo! Júnior, você poderia me fazer o favor de pegar? Léo não está acostumado com essa mania exótica, então...
Léo interrompeu, tirando a pochete da cintura. — Eu pego, Mari. Aonde é a cozinha?
Mariana agarrou o braço de Léo com a força de um sargento de instrução. — Não, meu bem! O Júnior sabe onde fica. Ele é o anfitrião. Você é o convidado! Júnior, por favor? É rapidinho.
Júnior se levantou, aliviado por ter uma desculpa para fugir daquela conversa, mesmo que fosse para buscar sal para melancia. Ele murmurou um "claro" e se dirigiu à cozinha.
Léo olhou para Mariana com uma mistura de adoração e perplexidade.
— Melancia salgada, Mari? Que ideia é essa? E você estava me estrangulando!
Mariana soltou Léo, respirando pesadamente. — Léo, eu... eu senti uma pontada terrível de hipoglicemia. Vi o sal, entrei em pânico. Não consigo pensar direito quando a glicose cai. Júnior me acalma.
— Que bom que ele te acalma, mas... — Léo apontou para a prancha de surfe encostada na parede. — Sabe, o Júnior me lembra o Eduardo, meu personal trainer da academia. Você se lembra do Edu, Mari? O cara do tanquinho?
Mariana sentiu o coração cair no fundo do estômago. — O-o Edu? Não. Não me lembro.
— Lembra, sim. O Edu, que te dava aquelas dicas de alimentação e que você achava... — Léo hesitou, tentando se lembrar da palavra exata. — ...interessante?
Júnior voltou da cozinha, segurando um saleiro prateado, e se deparou com a pausa tensa.
— Voltando ao Edu — disse Léo, sorrindo para Júnior. — O que eu ia dizer é que o Júnior me lembra o Edu porque ele tem aquela vibe descolada. Sabe, Júnior, você me lembra alguém que a minha esposa acharia bem interessante.
Mariana arregalou os olhos. Se ela não agisse agora, Léo daria o play no filme que ela tanto tentava evitar.
Ela pegou o saleiro da mão de Júnior e espalhou uma quantidade absurda de sal grosso sobre o prato de melancia.
— Ah, olha só, Léo! — exclamou Mariana, pegando um garfo e forçando um pedaço salgado de melancia na boca. — Que horrível! Júnior, que tragédia! Você tem que provar. Por que você teria um sal tão ruim aqui? É uma ofensa à culinária! Anda, prova!
Júnior, sentindo que se não cooperasse, Mariana o delataria por cumplicidade, pegou um pedaço da melancia ofegante e levou à boca, fazendo uma careta imediata.
— É... — ele tossiu, bebendo água rapidamente. — Acho que sua mania não vai pegar, Mariana.
Léo riu, ainda alheio. — Viu, Mari? É isso que dá a gente querer inventar moda!
Mariana sorriu, uma vitória pequena, mas crucial. Ela tinha evitado a conversa sobre "o homem interessante", mas agora tinha que se livrar de Júnior.
— Eu estou me sentindo mal com essa melancia. Preciso voltar pro quarto para tomar a pílula de sal — inventou Mariana, levantando-se. — Léo, você fica. Termine seu lendário pão de queijo. Júnior, foi tão legal te conhecer. A gente se vê por aí.
E ela se retirou apressadamente, deixando Léo e Júnior sozinhos, ambos olhando para o prato de melancia salgada, com um silêncio constrangedor pairando no ar.