Clara estava sentada à mesa, as mãos cruzadas sobre o tampo de vidro, olhando fixamente para a xícara fumegante. Ela não dormira. Seus olhos estavam inchados, circulados por olheiras profundas que a maquiagem não tentou esconder.
Lucas entrou na cozinha cinco minutos depois.
Ao contrário dela, ele parecia revigorado. Tinha tomado banho, o cabelo úmido penteado para trás, cheirando a sabonete de hortelã. Vestia uma camiseta branca impecável. Ele se serviu de café, cantarolando baixinho uma melodia qualquer, e sentou-se na cabeceira da mesa — o lugar que costumava ser do pai dele.
Ele mordeu uma torrada com apetite, mastigando devagar enquanto observava a mãe. — Bom dia — disse ele, com uma leveza que revirou o estômago de Clara. — Já verificou a agenda? O prazo do "amigo" continua correndo. Faltam doze mil.
Clara levantou os olhos devagar. O medo da noite anterior havia calcificado, transformando-se em uma espécie de dormência fria e calculista. Ela olhou para o filho e viu o monstro. Mas monstros, ela sabia, tinham fraquezas. E Lucas tinha acabado de gritar a dele na cara dela.
— Eu não vou sair hoje — disse Clara, a voz rouca, mas firme.
Lucas parou de mastigar. O sorriso desapareceu, substituído por aquela sombra autoritária. — Como é? Acho que você não entendeu a posição em que está, Clara. O vídeo...
— O vídeo não importa se eu estiver morta — interrompeu ela. — E eu não tenho condições de sair para atender estranhos hoje. Não depois de ontem.
Lucas soltou um suspiro impaciente, limpando os farelos da boca com o guardanapo. — Negócios são negócios. Você tem uma dívida. Se não quer que seus colegas de trabalho vejam suas tetas na internet, sugiro que comece a se arrumar.
Clara sustentou o olhar dele. — Você disse que o problema era "eles".
Lucas franziu a testa, confuso com a mudança de tom. — O quê?
— Ontem à noite — continuou Clara, escolhendo as palavras como quem pisa em campo minado. — Você gritou. Você disse que o problema não era o dinheiro. O problema era que eu me entregava para velhos, para estranhos, para o Matheus... e nunca para você.
O silêncio caiu sobre a cozinha, pesado e espesso. Lucas recostou-se na cadeira, os olhos estreitando-se. Ele não negou. A respiração dele mudou sutilmente, ficando um pouco mais pesada.
— E daí? — desafiou ele. — É a verdade. É nojento ver você se dando para qualquer um.
— E se não fosse para qualquer um? — A pergunta de Clara ficou suspensa no ar.
Lucas inclinou a cabeça, estudando-a com uma curiosidade predatória. — O que você está sugerindo?
Clara engoliu a bile que subia pela garganta. Era a cartada final. A única maneira de tirar o vídeo de circulação e, talvez, retomar algum controle, mesmo que fosse descendo ao inferno.
— Estou sugerindo uma renegociação da dívida — disse ela, mantendo a voz neutra, profissional, como se discutisse o preço de um imóvel e não o próprio corpo. — Você quer os 12 mil reais restantes. Mas eu sei que você tem acesso às contas. Você sabe que, se eu sair para conseguir esse dinheiro rápido, vou ter que atender cinco, seis homens por dia. Vou ter que fazer coisas que você... que você odeia assistir.
Ela viu a mandíbula de Lucas trincar. O ciúme doentio estava lá, latente.
— Vá direto ao ponto — ordenou ele.
— Eu cancelo a agenda — disse Clara. — Excluo o perfil. Nenhum outro homem toca em mim. A "Vera" deixa de existir para o mundo.
— E como você me paga? — Ele cruzou os braços, mas seus olhos desceram involuntariamente para o decote do roupão dela.
Clara respirou fundo. — Eu pago diretamente ao credor.
Lucas ficou imóvel. O relógio da cozinha tiquetaqueava alto. Ele entendeu. Claro que entendeu. A proposta era obscena, monstruosa, mas era exatamente o que ele desejava no fundo daquela psique retorcida.
Ele soltou uma risada nervosa, incrédula. — Você... você está se oferecendo para mim? Para abater a dívida?
— Estou oferecendo exclusividade — corrigiu Clara. — Você disse: "Por que nunca eu?". Estou perguntando: e se fosse você?
Lucas se levantou devagar. Ele deu a volta na mesa, parando ao lado da cadeira dela. Clara não se moveu, embora cada fibra do seu corpo gritasse para correr. Ele colocou a mão no ombro dela, sentindo a tensão muscular.
— Você faria isso? — sussurrou ele no ouvido dela. — Transaria com o seu filho para esconder um vídeo?
— Eu faria o necessário para proteger minha vida — respondeu Clara, olhando para frente. — E para não ter que lidar com desconhecidos. Se o preço é o meu corpo, prefiro negociar com quem está cobrando.
Lucas deslizou a mão do ombro para o pescoço dela, num toque que era meio carícia, meio estrangulamento. Ele estava excitado. A ideia de ter a mãe, não por amor, mas por contrato, por submissão total, parecia alimentar sua fantasia de poder.
— Que tipo de serviços? — perguntou ele, a voz falhando um pouco. Ele queria detalhes. Queria ouvir ela dizer.
— O que você quiser — disse Clara, fechando os olhos para não ver o sorriso dele. — Mas com condições.
Lucas riu baixinho, o hálito quente batendo na orelha dela. — Você não está em posição de dar condições, mamãe.
— Estou se você quiser exclusividade. — Ela abriu os olhos e virou o rosto para encará-lo. — A condição é: você apaga o vídeo. Apaga os backups. Formata tudo na minha frente. E nunca mais toca no assunto dinheiro. A dívida é paga na cama. E só na cama. Fora daquele quarto, eu sou sua mãe e você é meu filho.
Lucas a encarou, fascinado. A mãe "santa" tinha desaparecido. Ali estava uma mulher negociando sua sobrevivência com as armas que tinha. Isso a tornava ainda mais desejável para ele.
Ele se afastou, voltando para o seu lugar na cabeceira da mesa. Ele pegou a xícara de café e tomou um gole longo, os olhos fixos nela por cima da borda.
— É uma proposta interessante — disse ele, calmamente. — Muito mais interessante do que o dinheiro.
Ele colocou a xícara na mesa com um estalo suave.
— Mas eu preciso testar a mercadoria antes de fechar contrato. — O sorriso dele era diabólico. — Quero ter certeza de que você não vai fingir, como fingia para o papai. Ou para os seus clientes.
Clara sentiu o sangue sumir das mãos. — Agora? — sussurrou.
— O café pode esperar — disse Lucas, levantando-se e estendendo a mão para ela. — Vamos para o seu quarto. Quero ver se você vale o perdão de doze mil reais.
Clara olhou para a mão estendida do filho. A mão que ela segurara para atravessar a rua quando ele era criança. Agora, era a mão que a puxava para o abismo.
Ela se levantou. Não havia mais volta.