Helena estava na área de serviço, a respiração presa, olhando para os números no extrato. O saldo de Sofia: R$ 35,00. O aluguel: R$ 1.500,00, vencendo em quatro dias.
A ansiedade virou fúria. Bateu na porta da suíte da irmã, o coração acelerado.
“Sofia! Abre essa porta. O extrato não mente. O que você fez com o dinheiro, pelo amor de Deus?”
Nenhum som. A porta estava trancada.
Helena foi buscar a chave reserva, o som do clique da fechadura soando como uma traição.
Lá dentro, o quarto de Sofia era uma bolha de penumbra, quente e doce pelo incenso. O cheiro de tinta e perfume forte. E, na cama, a visão que paralisou Helena.
Sofia estava aninhada sob o edredom, e havia outra mulher ao seu lado.
Uma estranha de cabelo escuro, com um braço firme e moreno jogado sobre a cintura de Sofia, em uma intimidade completa.
O choque silenciou Helena. Era a audácia, a total despreocupação de Sofia, dormindo tranquilamente enquanto o futuro das duas era ameaçado.
“Sofia!” A voz de Helena não era um grito, mas um sussurro rouco e carregado de veneno.
As duas se mexeram. A estranha abriu os olhos primeiro, semicerrando-os na penumbra. O sorriso sonolento de Sofia morreu ao ver a irmã parada ali, segurando o papel do extrato como uma arma.
“Hél, que invasão é essa?” Sofia se sentou, cobrindo o peito.
“Isso é o extrato, Sofia. E isso é uma emergência,” Helena sibilou, apontando o papel. “Nós vamos ser despejadas! Onde está a sua parte do aluguel?”
A outra mulher, percebendo a tensão, levantou-se com agilidade e dignidade silenciosa. Ela pegou suas roupas do chão, vestiu-se e, sem dizer uma palavra a Helena, calçou os sapatos e saiu, fechando a porta da suíte.
Helena nem piscou, os olhos fixos na irmã.
Sofia levantou-se e, debaixo do olhar gélido de Helena, caminhou até a mochila de couro jogada no canto. Abriu o zíper, tirou um bolo de notas, no total R$ 1000,00 e estendeu para a irmã.
“Toma. Tá tudo aí. Eu não te deixei na mão.”
Helena sentiu um misto de alívio e repulsa ao tocar no dinheiro.
“O quê? Onde você conseguiu isso, Sofia? E que ‘amiga’ é essa que acabou de sair daqui, que te paga essa quantia em dinheiro vivo?”
Sofia deu de ombros, voltando para a cama, parecendo entediada com o interrogatório.
“Não é da sua conta, Helena. Eu consegui. Foi um trabalho. Aquela moça… ela é fotógrafa, e precisava de umas fotos ‘conceituais’ de manhã cedo. Eu fiz e ela me pagou. Tive que usar quinhentos para pagar umas dívidas menores, mas o aluguel tá resolvido. Pronto.”
Sofia a encarou, os olhos verdes, idênticos aos de Helena, desafiadores.
“Eu sei que sou impulsiva, Hél. Mas não sou burra. Eu não ia deixar a gente voltar para a casa dos pais. Essa é a minha forma de ‘estabilidade’. Eu resolvi o problema. Agora, por favor, me deixa em paz.”
Helena apertou as notas na mão, sentindo a rugosidade do papel-moeda. A casa estava salva, o aluguel garantido. Mas o gosto era amargo. O dinheiro de Sofia, o preço da liberdade delas, estava manchado de segredo e daquela intimidade ambígua que ela acabara de testemunhar.
“E a que custo, Sofia?” Helena sussurrou, a voz esmagada entre o alívio e o nojo. “Que tipo de ‘trabalho’ exige esse tipo de segredo? Quem mais você está ‘fotografando’?”