Foi como se a rua inteira entrasse com ela. O ar gelado, o barulho da chuva, o cheiro de asfalto molhado e, francamente, de sujeira. Ela parou no capacho, pingando uma poça de água suja no chão de madeira que Jonas tinha acabado de limpar.
Fernanda continuava na mesa, os dedos parados em cima do notebook. Ela estava de boca aberta. Sua mente gritava: Ladrão. Drogada. Perigo.
Mas Jonas... Jonas nem piscou.
Ele fechou a porta com força, o barulho do vento sendo cortado de novo. Girou a chave. O CLACK da tranca soou definitivo.
Agora eram os três.
A menina era um trapo. Devia ser mais nova que Fernanda, mas parecia ter vivido o triplo. O cabelo escorria, a roupa (se é que dava pra chamar aquilo de roupa) estava colada na pele. Ela tremia tanto que os dentes batiam. "Eu... eu não..." ela tentou falar.
"Tá," foi tudo que Jonas disse. Ele não perguntou o nome dela. Não perguntou "o que aconteceu?". Ele não fez nenhuma pergunta.
Ele simplesmente botou a mão de leve no ombro ensopado dela. Um toque firme. "Vem. Para os fundos. Você não vai ficar aí."
A menina deu um soluço, surpresa com o toque, mas o seguiu. Ele a guiou por trás do balcão, na direção da porta de serviço que levava à pequena cozinha e ao escritório.
Foi só aí que ele pareceu lembrar que Fernanda existia. Ele parou e olhou para ela.
"Fernanda."
A voz dele, baixa e firme, a tirou do transe. Ela pulou na cadeira.
"Para de ficar aí parada," ele disse. Não foi grosso, foi... urgente. "No armário dos fundos, tem umas toalhas de serviço limpas. Pega duas. E vai na cozinha. Prepara um chá. O mais quente que der. E põe muito açúcar."
Fernanda ficou olhando pra ele. Chá? Açúcar?
"Anda!" ele ordenou, dessa vez mais ríspido.
A dinâmica quebrou. Ali não era o chefe gostosão e a funcionária com uma quedinha. Ali eram duas pessoas e um problema. E ele estava dando as ordens.
Ela se levantou depressa, as pernas meio bambas. "Tá, sim, claro. Toalha e chá."
"Isso," ele disse, já se virando e empurrando a porta da cozinha com o quadril, levando a menina com ele para o espaço privado, o espaço deles.
Fernanda ficou sozinha no bar por um segundo. O notebook ainda estava ligado na mesa, o bar meio limpo, meio sujo. E, no chão, uma poça d'água suja secando.
Ela balançou a cabeça, respirou fundo e correu para o armário dos fundos. A noite tinha acabado de ficar muito, muito estranha.