Silva retornou à suíte presidencial uma hora depois, a frustração exalando dele como o cheiro de suor sob o calor abafado do quarto. Ele não apenas havia ligado para os estúdios; ele havia ido pessoalmente a dois deles, pressionando os donos a mostrarem seus livros de clientes e portfólios.
Ele jogou o bloco de anotações sobre a mesa de centro de vidro. O som seco do impacto ecoou no luxo revirado.
"Esquece, Ana. Tatuagem em executivo de alto nível, aqui na cidade, é coisa de estúdio VIP. Passei um pente fino nos contatos dele e liguei para os três mais exclusivos – The Needle Sanctuary, Art Inked e aquele manicômio de celebridades, Lux Tattoos. Todos juram que nunca viram o Bastos, muito menos fizeram um Escorpião-Chave na coxa dele." Silva bufou, passando a mão pelo cabelo. "São negócios que vivem de discrição. Se eles mentiram, é uma mentira perfeita."
Ana Cruz estava agachada novamente ao lado da cama, ignorando a maca que aguardava o corpo de Ricardo Bastos. Desta vez, ela estava equipada com uma lupa de joalheiro emprestada do perito. Seus olhos de águia percorriam o desenho milímetro por milímetro. A precisão era aterrorizante.
"Eles não mentiram," ela murmurou, quase para si mesma. "Eles não podiam ter feito. Olhe para isto, Silva."
Ela apontou com uma caneta para a cauda do escorpião. "A linha é perfeita. Não há nem um borrão, nem uma falha, mesmo onde a pele se dobra. E a tinta... veja como ela absorve a luz. A maioria das tintas pretas profissionais tem um brilho azulado ou marrom quando refletidas. Esta é um vazio, um preto absoluto."
Ana se levantou, cruzando os braços, a voz baixa, mas firme. "Bastos não procurava um tatuador; procurava um mestre calígrafo da pele. Alguém que não está na lista telefônica e que não aceita agendamentos."
Silva ficou em silêncio por um momento, a cabeça inclinada, absorvendo a nova linha de raciocínio.
"Você está dizendo que é um trabalho sob medida," ele disse, a implicação o atingindo. "Um artista que cria a própria tinta para ter um preto assim. Isso é coisa de artesão, de elite absoluta."
"Exato. E artesãos deixam rastros diferentes dos estúdios," Ana concordou. Ela pegou o rádio e chamou a Dra. Arantes, que estava no elevador a caminho do IML.
"Doutora," ela pediu, a voz grave. "Assim que o corpo estiver em sua mesa, prioridade total na tatuagem. Eu quero uma análise química imediata daquele pigmento. Quero saber a composição molecular, se é nacional, importado, e se há algum traço de elemento mineral atípico. Quero que você trate esse pigmento como se ele fosse a impressão digital do assassino. Eu preciso de um nome para essa tinta."
Ela desligou o rádio e se virou para Silva, que já estava pegando o bloco de notas.
"Enquanto Arantes lida com a alquimia, você lida com a história. Volte ao escritório e me puxe todos os casos arquivados de mortes violentas de figuras públicas dos últimos dez anos. Não me importa se foi overdose, suicídio suspeito, ou assalto que deu errado. Eu quero os relatórios de autópsia e as fotos da cena."
"Você está procurando um serial killer com um tema de escorpião?" Silva perguntou, incrédulo.
Ana negou com a cabeça. "Não um serial killer no sentido clássico. Eu estou procurando por padrões negligenciados. Procure por qualquer coisa incomum na pele das vítimas: pequenas marcas, símbolos que foram descartados como manchas de nascença, queimaduras de cigarro ou cicatrizes antigas. Eu não sei o que estamos procurando, mas sei que se o símbolo existe, Bastos não foi o primeiro a usá-lo, e o assassino pode ter tentado apagar a marca em vítimas anteriores."
Ela caminhou até a janela, observando o nascer do sol tingir o horizonte da cidade de um cinza-pálido. A tatuagem era um idioma que Bastos não podia mais falar.
"Silva, vá. A chave para esse crime não está no quem ele amava, mas no que ele guardava."