Isso não é Cinquenta Tons...

A luz da sala estava baixa, âmbar, vinda apenas do abajur ao lado do sofá. Lá fora, a cidade adormecia. Clara girava a taça de vinho entre os dedos, o líquido tinto balançando preguiçosamente. Miguel a observava do outro lado da mesinha de centro, em silêncio, sentindo o peso de uma conversa que ainda não havia começado.

Eles estavam juntos há seis anos. Seis anos de cumplicidade, risadas e uma rotina confortável. Mas o conforto, às vezes, vira estagnação.

"Eu andei lendo sobre uma coisa", Clara disse finalmente, a voz pouco acima de um sussurro. Ela não o encarou, preferindo focar na taça.

Miguel se inclinou, apoiando os cotovelos nos joelhos. "Uma coisa? Que tipo de coisa?"

"Sobre... dinâmicas de poder. Na cama." Ela arriscou um olhar. "Sobre... BDSM."

A palavra pairou no ar. Miguel não recuou, apenas franziu levemente o cenho, processando. "Tipo... Cinquenta Tons?", ele perguntou, sem julgamento, apenas buscando um referencial.

Clara soltou uma risada nervosa. "Não exatamente. Quer dizer, não o drama do filme. Mais sobre... a confiança. A entrega." Ela pousou a taça. "Miguel, eu te amo. E eu confio em você mais do que em qualquer pessoa no mundo."

"Eu também, meu amor. O que você está pensando?"

"Estou pensando", ela disse, agora o encarando firmemente, "que eu passo o dia inteiro no controle. No trabalho eu decido, em casa eu organizo, eu planejo. Estou... cansada de estar no controle." Ela umedeceu os lábios. "A ideia de... não estar no controle, por um tempo. De te dar esse controle... me parece..."

"Assustador?", ele sugeriu.

"Excitante", ela corrigiu. "Incrivelmente excitante. Mas só com você."

Miguel ficou em silêncio por um longo momento, absorvendo. Ele via a vulnerabilidade nos olhos dela, mas também uma faísca que não via há tempos.

"Ok", ele disse, a voz calma e firme. "Vamos conversar sobre isso. Se vamos fazer, vamos fazer direito. Quais seriam as regras?"

A tensão na sala mudou. O que era ansiedade, agora se tornava antecipação.

"Primeiro", disse Clara, o coração batendo mais forte, "precisamos de uma palavra de segurança. Uma palavra que para tudo, sem perguntas, sem ressentimentos. Se qualquer um de nós disser, a cena acaba."

"Certo. Tem que ser algo que a gente nunca diria normalmente", ponderou Miguel. "Que tal... 'Abacaxi'?"

Clara sorriu. "Abacaxi. Perfeito. Se eu disser 'Abacaxi', você para."

"Se você disser 'Abacaxi', eu paro", ele corrigiu gentilmente. "Isso vale para os dois."

"Sim. Para os dois." Ela assentiu. "E... limites. Coisas que estão fora de questão. Para mim, nada que... machuque de verdade. Nada de sangue. Nada que deixe marcas que eu não possa explicar."

"Para mim", ele acrescentou, "nada que pareça humilhante. A ideia é te adorar, Clara, não te diminuir. É sobre poder, não sobre crueldade."

"Exato", ela respirou, aliviada. "Eu fiz uma lista de coisas que eu gostaria de... experimentar. Coisas pequenas, para começar."

"Que coisas?" A voz dele baixou um tom, a curiosidade agora tingida de algo mais intenso.

"Vendas", ela sussurrou. "A ideia de não ver. De confiar apenas no que eu sinto, no seu toque, na sua voz."

Miguel estendeu a mão sobre a mesa e tocou o joelho dela. O contato foi elétrico. "Eu gosto disso. Gosto da ideia de ser o único sentido que você tem."

"E... talvez... amarrar minhas mãos", ela continuou, sentindo o rubor subir pelo pescoço. "Nada complicado. Talvez só com uma gravata sua. Apenas a sensação de estar presa. Entregue."

Ele apertou levemente o joelho dela. "Eu posso fazer isso. Eu posso cuidar de você."

A promessa naquela frase era mais íntima do que qualquer beijo. A negociação não era mais uma conversa técnica; era o início da sedução. Era um contrato verbal, selado pela confiança mútua.

"Então", disse Miguel, levantando-se e oferecendo a mão para ela. "Temos uma palavra de segurança. E temos um primeiro passo."

Clara olhou para a mão estendida. O primeiro passo. O desconhecido. Ela colocou sua mão na dele e se levantou.

"Onde está sua gravata favorita?", ela perguntou.