De novo. Mais fraco que a chuva, mas impossível de ignorar.
Fernanda ficou dura na cadeira. "Jonas...?" ela sussurrou, a voz mal saindo. O pensamento dela era um só: Ignora. Pelo amor de Deus, ignora. Seja quem for, uma hora vai embora. Duas da manhã não é hora de visita, é hora de problema.
Mas Jonas não era do tipo que ignorava. Ele ficou olhando para a porta, a testa franzida. Ele não parecia estar com medo; parecia... irritado? Ou só muito cansado? Com ele, era sempre difícil saber.
"Jonas, o bar tá fechado," ela tentou de novo, um pouco mais alto, tentando botar algum juízo na cabeça dele.
Ele olhou para ela por cima do ombro. Foi só um segundo. Não foi um olhar bravo, mas foi o suficiente pra calar a boca dela na hora. Era o olhar de "dono". O olhar que dizia, sem uma palavra: "Eu resolvo."
Ele largou o pano de vez no balcão e andou até a porta. Os passos dele eram pesados na madeira, o único som no bar além da porcaria da chuva.
Ele parou bem na frente do vidro grosso. A chuva lá fora distorcia tudo. Era só uma silhueta, um vulto. Pequeno, encolhido contra o vento.
A figura bateu de novo, dessa vez com a palma da mão aberta no vidro. Dava pra ver a marca pálida da mão escorregando.
Fernanda prendeu a respiração. Ele não vai abrir, vai? Ele não é louco.
Ele foi. A mão dele foi direto pro trinco de metal pesado.
O CLACK da tranca sendo destravada soou como um tiro no silêncio do bar.
Fernanda deu um pulinho na cadeira, o coração batendo na garganta.
Jonas puxou a porta. Só uma fresta, a princípio.
O ar gelado da rua invadiu o "Refúgio na mesma hora. Veio o cheiro de chuva, de asfalto molhado e de lixo do beco. O barulho da rua, que antes estava abafado, de repente ficou alto.
Na fresta da porta, encharcada, estava uma menina. Uma criança, quase. Não devia ter nem vinte anos. O cabelo ralo estava colado no rosto, e ela tremia tanto que mal conseguia ficar em pé.
"Senhor..." a voz dela era um chiado, quase um choro. "Por favor... ajuda..."
Jonas ficou olhando pra ela. Um segundo. Dois. Fernanda já estava com a mão no celular, pronta pra ligar pra polícia, pra qualquer um.
Mas aí, ele fez o oposto do que ela esperava. Ele abriu a porta por completo.
"Entra," ele disse, a voz baixa e rouca. "Anda, entra logo."