Era uma farsa.
Ela não estava exausta pela carga de aulas ou pela pressão da próxima publicação. Estava exausta por ele.
Rafael. Seu orientando.
Ela sabia, com uma certeza irritante, que ele estava lá fora. Esperando.
Ele tinha aquele jeito de saber quando as reuniões de conselho a esgotavam. Tinha o jeito irritante de aparecer na porta dela "por acaso" cinco minutos depois. E tinha o jeito mais irritante de todos de apenas esperar, encostado na parede oposta do corredor, fingindo ler um livro, até ela sair.
Helena respirou fundo. O ar tinha o cheiro industrial de sabonete líquido.
O pior de tudo não era a espera. Era que ela estava começando a gostar dessa espera. Um calor baixo, perigoso, que ela não sentia há anos. Um reconhecimento que ela não via no olhar do marido, Matias, há muito tempo.
Ela guardou o batom na bolsa. Ajeitou o blazer. Ela era a Dra. Helena Tavares. Esposa. Professora Titular. Sua reputação era um castelo de vidro. E Rafael era a pedra.
Ela abriu a porta.
Lá estava ele. Exatamente como ela imaginou. Encostado na parede, sob a luz fraca do corredor. O livro (era sobre Caravaggio, claro) estava pendurado ao lado do corpo.
Ele levantou os olhos assim que o trinco estalou. Ele não sorriu. Apenas a observou, e por um segundo, ela se sentiu completamente transparente.
"Doutora," ele disse, a voz baixa.
Helena forçou o nó em sua garganta a se desfazer. "Rafael. Achei que já teria ido. Está tarde."
Rafael ignorou a repreensão implícita. Ele endireitou a postura, e no movimento, o livro de Caravaggio que estava nas suas mãos escapou, escorregando e caindo aberto no chão frio de mármore, bem aos pés de Helena.
"Desculpe," ele murmurou, abaixando-se rapidamente para pegar.
"Não importa," ela disse, mas seu olhar já havia caído na página aberta: uma reprodução em cores da tela Davi com a Cabeça de Golias.
Ele se levantou, a imagem presa entre os dedos. "Na verdade, importa. Eu estava esperando porque encontrei algo que preciso que a senhora veja, Doutora."
Helena cruzou os braços, assumindo a postura profissional que a fazia sentir-se segura. "Algo sobre Vasari de novo? Rafael, se você insistir que ele era um mentiroso..."
"Não, não," ele interrompeu, o tom agora puramente acadêmico, mas com uma urgência que soava perigosamente íntima. Ele apontou para os olhos vazios na cabeça decepada de Golias. "Olhe para a ferida, Doutora. A técnica não é de dor, é de arrependimento."
Helena revirou os olhos, mas se inclinou, rendida à sua curiosidade profissional, aproximando-se o suficiente para sentir o cheiro de café frio e a leve colônia amadeirada que vinha dele.
"Arrependimento?" ela questionou, seu queixo a centímetros do ombro dele. "Caravaggio estava pintando o castigo da soberba, Rafael. Não há arrependimento, há justiça."
"É aí que erramos," ele sussurrou. Ele estava perto demais. Suas cabeças estavam inclinadas sobre o livro. "O arrependimento não é de Golias. É de Davi."
Ele a encarou, e naquele momento, a distância era zero. Não havia mais professor e aluno. Havia apenas dois pares de olhos em uma luta de vontades. Ele não estava mais falando sobre a pintura. Estava falando sobre eles.
"O vencedor percebe o preço que pagou," ele concluiu, a voz ainda baixa. "E agora, não consegue mais voltar atrás."