Paula entrou no apartamento de Andreia pela última vez como visita. E pela primeira, como lar. Não havia anúncio oficial, não houve mudança com caixas e caminhão. Foi uma soma de silêncios. Um sutiã deixado de propósito. Um creme no banheiro compartilhado. Uma playlist que só elas entendiam. Um travesseiro extra na cama. E, enfim, a decisão: ficar.
Era uma sexta-feira à noite. O apartamento estava levemente aquecido, e a playlist suave já tocava desde o fim da tarde. Andreia estava deitada no sofá, de robe preto de cetim, um dos seios exposto de forma involuntária, e o cabelo preso de qualquer jeito, o que para Paula só aumentava o apelo. Era a Andreia real, crua, entregue. Cansada do dia, mas inteira para o que viria.
Paula entrou com um sorriso que não precisava de explicação. Nas mãos, uma mala pequena. No olhar, a certeza de que a vida como elas conheciam tinha mudado.
— Só isso? — perguntou Andreia, arqueando a sobrancelha, como se duvidasse que tudo o que elas construíram coubesse numa mala de mão.
Paula largou a mala no canto e andou até o sofá, sentando-se de lado, cruzando as pernas devagar, deixando a alça do vestido escorregar propositalmente pelo ombro.
— O resto já está aqui dentro — respondeu, levando a mão ao peito de Andreia, sentindo o coração bater com firmeza sob a pele quente.
O beijo que veio depois não era mais de descoberta. Era de apropriação mútua. Era de quem já sabia o caminho, mas mesmo assim percorria com a mesma fome da primeira vez.
A roupa foi saindo devagar. Como se não houvesse mais pressa. Como se a nudez fosse o idioma natural dali em diante. Elas não tinham mais que provar nada uma à outra — agora, só queriam habitar.
Andreia levou Paula para o quarto de mãos dadas. Pela primeira vez, não havia roupas jogadas no chão ou correria entre taças e móveis. Havia cerimônia. Havia intenção.
— Você tem certeza? — perguntou Andreia, deitando-se lentamente sobre a cama, os cabelos loiros desarrumados em contraste com os lençóis cinza escuro.
— Eu nunca tive tanta certeza de um endereço... nem de um corpo — respondeu Paula, subindo sobre ela, beijando o pescoço com calma, como se dissesse: “cheguei”.
O sexo foi silencioso por longos minutos. Gemidos abafados entre beijos. Mãos que sabiam exatamente onde ir. Olhos abertos durante os toques, como se quisessem decorar a alma uma da outra.
— De agora em diante... você não vai dormir sozinha nenhuma noite — disse Paula, entre suspiros, com os corpos entrelaçados. — Nem vai acordar sem beijo.
— E você... nunca mais vai precisar ir embora.
Ficaram assim. Despidas, não só da roupa, mas do medo. Dormiram de conchinha, como todas as outras vezes. Mas agora com a diferença de que, ao amanhecer, o despertador tocaria para um novo dia... que já começaria em casa. Juntas.
No sábado, os cafés se misturaram no mesmo armário. As escovas de dentes, lado a lado. Os livros de Paula ganharam espaço na estante. E um porta-retrato novo foi colocado na mesa da sala: uma foto simples, das duas depois de um treino, suadas, rindo, encostadas uma na outra como se o mundo não precisasse de mais nada.
— Tem certeza que não vou te sufocar? — perguntou Paula, deitada de bruços no tapete, enquanto Andreia passava as mãos pelos seus ombros nus.
— Se for pra sufocar, que seja com seus suspiros — respondeu Andreia, deitando por cima dela, beijando cada pedaço de pele que, agora, era território comum.
No fim daquele fim de semana, Paula sabia onde ficavam as panelas. Andreia sabia onde guardar os livros dela. As toalhas estavam dobradas em dupla. As roupas íntimas, embaralhadas nas gavetas. E os cheiros… ah, os cheiros, já haviam se fundido num só.
Na segunda-feira, Paula saiu para correr com a blusa de Andreia. Andreia ficou em casa com o moletom de Paula. Era oficial. Era cotidiano. Era pele. Era casa.
Elas não disseram “eu te amo” ainda. Não com essas palavras. Mas disseram com o corpo, com o olhar e com a decisão mais ousada de todas:
ficar.