Peçanha estacionou seu carro velho a dois quarteirões de distância, numa sombra onde a luz do poste não chegava. Eram oito da noite. A chuva tinha dado uma trégua, mas o frio continuava.
Ele comeu metade de um sanduíche de presunto que tinha comprado numa padaria e pegou seu binóculo.
A casa era moderna, cheia de vidros. Quem tem muito dinheiro acha que não precisa de privacidade, ou talvez goste de se exibir. A sala de jantar, iluminada por um lustre de cristal gigante, era perfeitamente visível da rua.
Verônica estava lá.
Ela já não usava o vestido azul do escritório. Agora vestia um longo branco, de seda. Estava sentada à ponta de uma mesa enorme, que caberia doze pessoas, mas só tinha dois lugares postos.
Então, o marido entrou em cena.
Otávio Salles era um homem grande. Mesmo de longe, Peçanha notou a postura rígida dele. Usava um terno cinza impecável. Ele não sorriu para a esposa quando entrou na sala. Ele foi direto para a cabeceira da mesa, sentando-se de frente para ela, mas distante.
Peçanha ajustou o foco do binóculo.
Eles pareciam estátuas. Não conversavam. Uma empregada de uniforme serviu o jantar e saiu rápido, como se tivesse medo de ficar ali.
Otávio falou alguma coisa. Verônica não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, olhando para o prato.
De repente, Otávio se levantou. Ele caminhou até a cadeira da esposa. Peçanha prendeu a respiração. O marido colocou as mãos nos ombros nus de Verônica. Parecia um gesto de carinho, mas não era. Os dedos dele apertaram a pele dela com força. Verônica ficou imóvel, tensa, como um animal preso numa armadilha.
Ele sussurrou algo no ouvido dela e depois beijou seu pescoço. Verônica fechou os olhos. Não parecia prazer. Parecia que ela estava aguentando uma dor.
— Ele é o dono dela — murmurou Peçanha dentro do carro. — Não o marido. O dono.
Otávio voltou para o seu lugar e continuou comendo como se nada tivesse acontecido.
Peçanha abaixou o binóculo e sentiu um gosto ruim na boca, pior que o gosto do cigarro. A carta tinha razão numa coisa: aquela mulher vivia num teatro.
O detetive pegou sua câmera fotográfica e tirou algumas fotos da casa, das janelas, das entradas. Se alguém quisesse entrar lá para deixar cartas ou espionar Verônica, teria que ser um fantasma. Ou alguém que conhecia as senhas do alarme.
As luzes da sala de jantar se apagaram. O casal subiu as escadas.
Peçanha olhou para o relógio. A noite estava só começando. Ele ajeitou o banco do carro para trás, tentando ficar confortável. Ele não ia sair dali. Se o autor das cartas aparecesse, teria uma surpresa.
Mas, no fundo, Peçanha não estava ali só pelo trabalho. Ele queria garantir que aquele homem de terno cinza não apertasse o ombro dela daquele jeito de novo.