As Aventuras do Detetive Peçanha. (02)

Peçanha segurou o papel com cuidado, como se fosse uma bomba. O envelope já estava aberto sobre a mesa. O papel de dentro era grosso, caro, daquele tipo que não se compra em qualquer papelaria.

Ele aproximou o papel do nariz. Tinha um cheiro fraco de tabaco e couro, misturado com o perfume doce que Verônica tinha deixado na sala.

A letra era bonita, elegante, escrita com tinta preta. Não parecia letra de um louco. Parecia letra de um convite de casamento.

Peçanha bebeu o resto do uísque para criar coragem e começou a ler.

"Minha Verônica,

Ontem, no jantar da empresa, você estava usando aquele vestido verde esmeralda. Todos olhavam para o seu rosto, para o seu sorriso treinado. Mas eu não.

Eu olhava para o jeito como a sua mão apertava a taça de vinho quando seu marido te interrompia. Eu via a raiva no seu pescoço. Eu sei que você não é a esposa perfeita que finge ser. Eu sei que, por baixo da seda, você queima.

Lembro da pequena cicatriz que você tem no lado esquerdo do quadril, aquela em forma de meia-lua. Você a esconde bem. Mas eu lembro. Eu sonho em tocar nela de novo. O seu marido não te merece. Ele não sabe o que tem em casa. Mas eu sei. E em breve, você vai saber que eu estou por perto.

Espere por mim."

Peçanha soltou o papel na mesa. Suas mãos suavam um pouco.

O escritório parecia mais quente. Ele afrouxou o nó da gravata. Aquilo não era uma simples carta de fã. O sujeito falava de uma cicatriz escondida no quadril. Uma marca que ninguém veria com um vestido de festa.

Aquilo significava uma de duas coisas: ou o autor da carta era um ex-amante, ou ele tinha conseguido chegar muito perto dela sem ela perceber.

Peçanha sentiu um gosto amargo na boca. Ele se sentiu sujo por ter lido. Era íntimo demais. Ele imaginou Verônica, aquela mulher fria e elegante que esteve ali minutos antes, e tentou imaginar a tal cicatriz. Balançou a cabeça para afastar o pensamento.

— Foco, Peçanha — murmurou para si mesmo.

Ele pegou o envelope de novo e examinou contra a luz da luminária velha. Não havia remetente. O carimbo do correio era do centro da cidade, postado dois dias atrás. Genérico. Impossível de rastrear só por isso.

Mas a tinta... a tinta era especial. Preta, com um leve brilho azulado quando batia a luz.

Ele abriu a gaveta, tirou um maço de cigarros amassado e acendeu um. A fumaça subiu, misturando-se com o cheiro da chuva.

Verônica Salles estava em perigo real. O cara que escreveu aquilo não estava brincando. Ele estava obcecado. E, pior, ele achava que tinha direito sobre ela.

Peçanha pegou o telefone fixo e discou o número que ela tinha deixado anotado num cartão de visitas.

Chamou três vezes.

— Alô? — A voz dela atendeu, baixa e tensa.

— Dona Verônica. É o Peçanha.

Houve um silêncio do outro lado.

— O senhor leu? — perguntou ela.

— Li.

— E então?

Peçanha tragou o cigarro e soltou a fumaça devagar.

— A senhora tem mesmo uma cicatriz no quadril esquerdo?

A respiração dela falhou no telefone.

— Tenho. Um acidente de bicicleta quando criança. Ninguém sabe disso. Só meu marido.

— Pois agora nós três sabemos — disse Peçanha, sentindo o peso do caso cair sobre seus ombros. — Eu vou pegar o caso. Começo hoje à noite.

— O que eu devo fazer? — a voz dela tremia.

— Aja normalmente. Feche as cortinas. E, pelo amor de Deus, tranque a porta do quarto. Eu vou ficar de olho.

Ele desligou o telefone. A chuva lá fora parecia ter ficado mais forte. Peçanha pegou sua jaqueta de couro velha e sua arma na gaveta. A noite seria longa.