Ela desceu minutos depois, não mais a executiva, mas a dona. Encontrou Rafael terminando seu turno, limpando o balcão com uma eficiência quase irritante.
"Rafael, você não vai para casa." A frase não era um pedido, era uma ordem.
Ele parou o pano, sem demonstrar surpresa. "Algum problema, Sra. Catarina?"
"A Masseira Principal. O coração da nossa produção. Travou," ela disse, apontando para a máquina colossal de aço no canto. "E a produção de amanhã precisa daquele Pão da Meia-Noite." Ela se aproximou, e o cheiro do perfume caro dela chocou-se com o aroma de fermento e carvão dele. "Ninguém aqui entende dessa engenhoca como você. O técnico só vem amanhã de manhã, mas se perdermos a fornada, perco clientes."
Os olhos de Rafael estreitaram-se, analisando-a. Ele sabia que ela estava fabricando a urgência, mas a máquina parecia, de fato, quieta e morta.
"Eu posso tentar, mas não tenho as ferramentas adequadas, Sra. Catarina, e pode levar a noite toda."
O canto da boca dela se curvou em um sorriso predador. "Eu tenho um kit de emergência no almoxarifado. E eu vou ajudar você." Ela deslizou o dedo pela bancada que ele acabara de limpar. "Considero isso uma hora extra muito bem paga, Rafael."
O Mercado Fechado
Vinte minutos depois, o Mercado Dona Aurora estava mergulhado no silêncio pesado e escuro da noite. Apenas as luzes de emergência e a luz forte da cozinha iluminavam o espaço. A padaria, geralmente vibrante, tornara-se um cubículo íntimo e proibido.
A Masseira Principal era um monstro de metal, e Rafael estava deitado no chão de azulejos, sob a carcaça. Catarina estava ajoelhada ao lado dele, as calças sociais apertadas no chão frio, completamente fora de seu elemento.
"Preciso da chave inglesa de quinze, por favor," ele pediu, a voz abafada.
Catarina tateou o kit de ferramentas, tentando ignorar a visão do corpo dele esticado, o jaleco aberto na nuca revelando uma linha de suor que descia pela coluna. A luz forte criava sombras duras que realçavam a musculatura tensa.
Ela encontrou a ferramenta e estendeu a mão.
O Roçar dos Dedos
A primeira faísca veio quando ele pegou a chave. Em vez de pegar a ferramenta, a mão dele envolveu a dela, um aperto rápido e firme. Os dedos dele estavam quentes, ásperos e untados de óleo da máquina. Um arrepio correu por toda a espinha de Catarina.
"Desculpe," ele murmurou, mas o tom não era de arrependimento.
"Concentração, Rafael," ela respondeu, a voz perigosamente rouca. Ela se obrigou a olhar para a máquina.
A posição deles era insustentável. Para alcançar os parafusos internos, Rafael precisava que Catarina segurasse uma pequena lanterna para iluminar o ponto exato. Isso significava que ela tinha que se inclinar sobre ele, o corpo dela pairando a centímetros do peito dele.
"Mais perto, Catarina," ele disse. Não Sra. Catarina. Apenas Catarina.
Ela se inclinou. O perfume de Catarina misturou-se com o cheiro mecânico do óleo, com o calor do seu hálito e com o cheiro dele, um coquetel de farinha e homem. A proximidade era uma tortura lenta. Seus cabelos, soltos do coque por ela ter tirado o casaco, escorregavam para o pescoço dele.
"Eu mal consigo respirar aqui embaixo," ele disse.
"Eu sei," ela respondeu, os olhos nos dele. Ela não estava falando da máquina.
A Confissão da Massa
Um barulho alto de metal rangeu quando um parafuso se soltou. Rafael empurrou o mecanismo com força, liberando uma pequena nuvem de farinha ressecada e graxa antiga. Ele riu, um som genuíno e relaxado que ela nunca tinha ouvido antes.
"Essa máquina tem mais segredos do que eu," ele brincou.
Catarina usou o polegar para limpar uma mancha de farinha do queixo dele. O toque foi deliberado, demorado.
"Eu duvido," ela sussurrou. "Você é... a obra-prima mais complexa que já entrou neste mercado."
O olhar de Rafael, antes focado no trabalho, fixou-se nela. A atração era tão palpável que podia ser tocada. Ele estava sujo, cansado, vulnerável, e nunca pareceu tão perigoso.
Ele não se moveu, mas seus olhos falaram. "Você está brincando com fogo, herdeira. Você me mantém aqui, me provoca. Você sabe o que estou escondendo, e mesmo assim..." Ele deixou a frase morrer no ar.
Catarina inclinou-se ainda mais, até que seus narizes quase se tocaram. O calor entre eles era maior do que o do forno.
"Eu sou a dona do mercado, Rafael," ela disse, a voz cheia de poder e desejo. "Eu não brinco. Eu consumo."