Clara entrou em casa na ponta dos pés, segurando os sapatos de salto numa mão e a bolsa pesada na outra. O apartamento cheirava a cera velha e tranquilidade. Era o cheiro do seu lar, do santuário que ela jurara proteger. Agora, porém, ela sentia que trazia contaminação para dentro dele.
Foi direto para o banheiro social, trancando a porta. As notas de dinheiro — o maço grosso que André deixara na cabeceira — queimavam dentro da bolsa. Ela o tirou. Eram notas de cem e cinquenta reais, amassadas, com cheiro de carteira de couro e transação ilícita.
Clara sentou-se na tampa do vaso sanitário e contou. Quatro mil e quinhentos reais.
Suas mãos tremiam, não de frio, mas de uma descarga elétrica residual. Com aquele dinheiro e o pouco que tinha guardado na poupança de emergência, o boleto seria pago. Lucas não perderia o semestre.
— Está feito — sussurrou, olhando para o próprio reflexo no espelho. A maquiagem de "Vera" estava levemente borrada, o batom vermelho agora era apenas um rastro nos lábios inchados. Havia uma marca roxa, pequena e discreta, na base do pescoço.
Clara praguejou baixinho. Amadorismo.
Entrou no chuveiro. A água quente bateu em suas costas, e ela esfregou a pele com a bucha vegetal até arder. Queria tirar o cheiro de uísque, o cheiro do hotel, o cheiro do desejo de outro homem. Lavou o cabelo duas vezes. Quando saiu, enrolada na toalha felpuda, "Vera" tinha sido drenada pelo ralo. Clara estava de volta.
Vestiu seu pijama de flanela, aquele com o desenho desbotado de ursos que Lucas lhe dera num Dia das Mães anos atrás. Cobriu a marca no pescoço com um pouco de base e soltou o cabelo para esconder a área.
Foi para a cozinha. Eram cinco e meia. A rotina era sua âncora. Colocou a água para ferver, cortou o pão, arrumou a mesa. O cheiro de café fresco começou a preencher a casa, exorcizando os fantasmas da madrugada.
Pelo aplicativo do banco no celular, ela digitou o código de barras do boleto da faculdade. Seus dedos hesitaram sobre o botão "Confirmar Pagamento". Era dinheiro ganho com suor, sim, mas um suor diferente. Um suor que ela jamais poderia admitir.
Confirmar. Pagamento realizado com sucesso.
Uma lágrima solitária escorreu pelo rosto dela, caindo sobre a tela do celular. Alívio. Um alívio tão profundo que fez seus joelhos cederem. Ela se apoiou na pia, respirando fundo, sentindo o peso do mundo sair de suas costas, apenas para ser substituído por uma sombra na consciência.
— Mãe?
Clara deu um pulo, virando-se bruscamente. Lucas estava na porta da cozinha, coçando os olhos, o cabelo despenteado e vestindo apenas uma calça de moletom.
— Bom dia, filho — disse ela, forçando a voz a sair firme e alegre. — Caiu da cama?
Lucas bocejou e puxou uma cadeira, sentando-se à mesa. — Ouvi barulho. Você chegou tarde ontem? O inventário demorou?
Clara serviu o café na xícara dele. O líquido preto e fumegante. — Demorou muito. Foi exaustivo. Mas... — Ela fez uma pausa dramática, colocando o celular sobre a mesa. — Valeu a pena.
Lucas olhou para ela, confuso. — Como assim?
— A dona da loja ficou tão grata que me deu um bônus. Um adiantamento grande pelas horas extras e pela organização. — A mentira fluiu com uma facilidade assustadora. Clara sentiu um gosto metálico na boca. — Paguei o boleto, Lucas. Está tudo certo. Sua matrícula está garantida.
O silêncio de Lucas durou dois segundos. Então, os olhos dele se arregalaram. O rosto cansado de estudante se iluminou com um sorriso que Clara não via há meses. — Sério? Mãe, você... meu Deus! Eu achei que... eu estava com tanto medo.
Ele se levantou e a abraçou. Um abraço de urso, forte, cheio de gratidão e amor filial. Clara sentiu o corpo do filho contra o seu, o mesmo corpo que ela carregara no ventre, o motivo de toda a sua luta. Mas, ao abraçá-lo de volta, ela sentiu uma pontada de repulsa por si mesma. As mãos que afagavam as costas de Lucas eram as mesmas que, horas antes, haviam percorrido o corpo de um estranho em troca daquele momento.
— Eu prometi, não prometi? — disse ela, segurando o choro. — Eu cuido de tudo. Você só precisa estudar.
Lucas se afastou, segurando os ombros dela. Ele parecia ver algo nos olhos da mãe. Uma sombra de cansaço que ia além da física. — Você é incrível, mãe. A melhor do mundo. Eu vou compensar isso. Vou ser o melhor cirurgião desse país e vou te dar uma vida de rainha. Você nunca mais vai precisar fazer inventários de madrugada.
Clara sorriu, engolindo a seco. — Eu sei que vai, meu amor. Agora coma. Você tem aula.
Enquanto Lucas comia vorazmente, falando sobre as provas de anatomia, Clara se encostou no balcão, observando-o. O sol da manhã começava a entrar pela janela, iluminando a poeira que dançava no ar. Tudo parecia normal. Tudo parecia salvo.
Mas dentro de Clara, uma porta tinha sido aberta e não podia mais ser fechada. Ela olhou para a própria mão, lembrando-se do toque da pele de André, da sensação de poder, do dinheiro fácil. O problema estava resolvido por agora. Mas o mês seguinte viria. Outros boletos viriam.
E, no fundo de sua mente, uma voz sussurrou algo perigoso: Foi fácil. E você gostou de ser Vera.
Clara sacudiu a cabeça, afastando o pensamento, e serviu-se de mais café. O dia estava apenas começando, mas ela já ansiava pela noite.