Peçanha olhou para o copo de uísque em cima da mesa riscada. Ele tinha cinquenta anos, mas parecia mais velho. Estava cansado, com a barba por fazer e olheiras fundas. O telefone não tocava há dias, e a conta de luz atrasada estava jogada num canto. Ele pensou em beber o uísque de uma vez e ir embora para casa.
Foi quando ouviu passos no corredor. Barulho de salto alto. Toc. Toc. Toc.
A porta abriu sem ninguém bater.
Um perfume caro de mulher rica invadiu o escritório, disfarçando o cheiro de mofo. Peçanha levantou os olhos.
A mulher parada na porta era linda. Alta, elegante, usando uma capa de chuva bege aberta por cima de um vestido azul justo. O cabelo preto era curto e moderno. Ela parecia deslocada ali, como uma joia jogada no lixo.
— Você é o Peçanha? — A voz dela era firme.
Ele não se levantou da cadeira.
— Depende — respondeu com a voz rouca. — Se for cobrança, o Peçanha não está. Se for cliente... eu cobro caro.
Ela não sorriu. Entrou, fechou a porta e foi até a cadeira de madeira na frente da mesa. Tirou um lencinho de papel da bolsa e limpou o assento com cara de nojo antes de sentar.
— Me disseram que você é grosso e sujo, mas que resolve os problemas — disse ela, cruzando as pernas. — Espero que seja verdade.
Peçanha tomou um gole do uísque. Ele notou o anel de diamante na mão dela e o jeito nervoso como ela segurava a bolsa. Ela estava com medo.
— Qual o seu nome? — perguntou ele.
— Verônica. Verônica Salles.
Peçanha se ajeitou na cadeira. Salles era sobrenome de gente poderosa na cidade.
— Marido traindo, dona Verônica? — ele chutou o básico. — Quer fotos dele com outra?
Verônica soltou uma risada seca.
— Meu marido não tem tempo para amantes. O problema não é ele.
Ela se inclinou para frente. O perfume ficou mais forte.
— O problema sou eu.
Ela tirou um envelope grosso da bolsa e colocou sobre a mesa, empurrando com a ponta do dedo na direção dele.
— Alguém sabe meus segredos, detetive — disse ela, baixando a voz. — Alguém sabe o que eu penso e o que eu sinto. Coisas íntimas que eu nunca contei para ninguém. E essa pessoa está me escrevendo cartas.
Peçanha olhou para o envelope e depois para os olhos verdes dela.
— São ameaças de morte? — perguntou ele.
— Pior — respondeu Verônica. — São convites. Fantasias. Detalhes sobre o meu corpo que ninguém deveria saber.
Peçanha pegou o envelope.
— Eu quero que você descubra quem está escrevendo isso — disse ela, levantando-se rápido, como se quisesse fugir dali. — Antes que meu marido descubra.
— E se eu encontrar o cara? — Peçanha perguntou.
Verônica parou na porta, sem olhar para trás.
— Só me diga quem é. Ou faça ele parar.
Ela saiu. O escritório voltou a ficar silencioso, só com o barulho da chuva. Peçanha ficou sozinho com o envelope na mão.
Ele abriu o lacre.