Depois, a luz. De repente, os prédios gigantes na frente da janela dela viraram só umas sombras escuras contra o céu. O apê dela virou um breu total, uma escuridão que dava pra sentir. Ela ficou ali, parada, com a taça de vinho na mão, e sentiu um arrepio na espinha. Tinha alguma coisa meio selvagem, até um pouco excitante, naquele silêncio todo.
Passou um tempo, ela nem sabia quanto. Dez minutos? Uma hora? De repente, três batidas fortes na porta, que fizeram um eco no corredor silencioso. Não podia ser entrega, o elevador não estava funcionando. O coração dela disparou.
Ela foi andando devagar, sentindo o chão gelado nos pés descalços. Espiou no olho mágico, mas não viu nada, só escuridão. Com a correntinha ainda no lugar, ela abriu só uma frestinha da porta.
Do outro lado, a sombra de um homem recortada contra a luz fraca da janela do corredor. Ele era alto, mas o rosto não dava pra ver de jeito nenhum.
"Foi mal incomodar", ele disse. A voz era grossa, tranquila, mas dava pra sentir que ele tava com um pouco de pressa. "Eu sou o vizinho de cima. Meu celular morreu e eu tô sem nenhuma vela. Será que você não teria uma aí pra quebrar um galho?"
Ficou um clima ali entre os dois. Pesado. Era só o vizinho, preso no mesmo perrengue que ela. Mas ali, naquele escuro, ele era um completo estranho.