O quarto era um caos de luxo revirado. Um balde de gelo tombado, uma garrafa de cristal quebrada sobre o tapete persa e lençóis de seda egípcia manchados de um jeito que não sairiam na lavanderia. No centro de tudo, na cama desfeita, jazia Ricardo Bastos, um dos homens mais poderosos da cidade. Ou, pelo menos, era o que ele tinha sido até algumas horas atrás.
Seu parceiro, Silva, assobiou. "Crime passional escrito na testa. A julgar pela bagunça, a briga foi feia."
Ana não respondeu. Contornou a cama, seu olhar de águia registrando os detalhes. O relógio de ouro no pulso da vítima. As marcas de arranhão em seus ombros. A ausência de sua carteira e celular. Ela se agachou ao lado do corpo.
"Passional, talvez," ela disse, a voz baixa e rouca. "Mas não foi simples."
A médica legista, Drª. Arantes, já trabalhava no corpo. "Sem sinais óbvios de arrombamento," disse a legista, sem tirar os olhos do seu trabalho. "Ele provavelmente deixou o assassino entrar. Causa da morte parece ser asfixia, mas preciso confirmar no laboratório."
Ana assentiu, sua atenção fixa no corpo da vítima. "Doutora, vire-o de lado, por favor."
Com a ajuda de um perito, o corpo de Bastos foi movido cuidadosamente. E foi então que Ana viu. Escondida na parte interna e superior da coxa, uma marca que definitivamente não era de nascença. Era uma tatuagem.
Pequena, precisa, feita com uma tinta preta profunda. Um escorpião, perfeitamente desenhado. Mas o detalhe que fez o sangue de Ana gelar foi outro: as pinças do animal não terminavam em pontas, mas se curvavam e se moldavam na forma de uma chave antiga e ornamentada.
Silva se aproximou para ver. "Que diabos é isso? Um cara como Bastos com uma tatuagem escondida?"
Ana ignorou a pergunta. Ela se aproximou, a mente trabalhando em alta velocidade. Aquilo não era uma tatuagem qualquer. Era um símbolo. Uma assinatura. Era a primeira peça de um quebra-cabeça que ela nem sabia que existia. Um segredo gravado na pele de um homem morto.
"Não é a primeira vez que vejo isso", mentiu Ana, mais para si mesma do que para os outros, testando o peso da ideia em sua mente. A peça se encaixava em outros casos não resolvidos, detalhes que pareciam insignificantes até aquele momento.
Ela se levantou, o olhar duro como aço. O cheiro de champanhe e morte agora tinha um terceiro elemento: o cheiro de um mistério muito mais profundo.
"Silva," ela ordenou, virando-se para o parceiro. "Esqueça os amantes conhecidos. Procure por qualquer conexão que Bastos tivesse com estúdios de tatuagem. Eu não quero saber quem estava na cama com ele. Eu quero saber quem foi o artista que segurou a agulha."
A chave para desvendar aquele crime não estava na paixão daquela noite. Estava na tinta sob a pele.
