Joana observava tudo. O cinismo inicial nos seus olhos não desapareceu, mas foi corroído por uma nova emoção: fascínio. A sua mãe, a Mulher Inatingível, a Estrategista Fria, tinha sido reduzida a um tremor na mão por um toque furtivo de Marcos.
'O café da manhã está servido,' a voz de Helena era quase normal, mas o esforço para parecer assim era a sua maior fraqueza e, ironicamente, a sua maior força naquele momento.
Marcos anuiu, a voz ainda rouca. "Claro, mãe."
Joana pousou o seu copo de água na mesa com um som seco, propositalmente alto.
"O que foi, Joana?", Helena perguntou, sem a encarar.
"Nada," Joana sorriu, afiado como sempre, mas agora havia um brilho diferente, quase de reverência. "Só estou a admirar. Percebi que tens mais estofo do que eu pensava, Mãe. A forma como não desmoronaste… é quase admirável."
Helena finalmente levantou o olhar, os seus olhos azuis afiados como gelo. Ela soube imediatamente: Joana não estava apenas a provoca-la. Estava a ver a sua fraqueza, mas também a sua capacidade destemida de aguentar o golpe.
"Aprende," Helena sibilou. "É assim que se sobrevive a reuniões longas." Ela levantou-se então, não com a pressa de quem foi apanhada, mas com a lenta dignidade de quem acabara de ganhar um round. O roupão de seda deslizou, desenhando a linha sensual do seu corpo.
Joana sentiu um calor estranho, não de ciúme pela mãe ou por Marcos, mas de uma atração crua pela força de Helena. A mãe que sempre quis humilhar era agora a mulher que ela queria estudar, talvez até tocar.
"Onde vais?", Joana perguntou, a voz menos cínica do que o pretendido, quase ansiosa.
Helena parou à porta da cozinha, virando-se lentamente. Ela olhou diretamente para Joana, ignorando Marcos, que assistia à cena em silêncio tenso.
"Vou tomar um duche," disse Helena, a sua voz voltando ao tom baixo e íntimo que usara com Marcos. "Preciso de me livrar da noite anterior, antes que ela se espalhe pela casa."
E saiu. O silêncio que se seguiu não era pesado de segredos satisfeitos, mas de algo novo: uma expectativa trêmula.
Joana não olhou para Marcos. Olhou para o café que Helena deixara na chávena, para o pequeno círculo húmido onde a chávena tinha estado, e sorriu para si mesma, um sorriso de descoberta.
"Ela é mais perigosa do que pensávamos," Joana sussurrou, mas não como aviso a Marcos. Era quase um elogio à mãe. "Ela está a gostar disto."
Marcos moveu-se. Ele veio por trás de Joana, pousando as mãos nos seus ombros. "E nós? O que é que nós vamos fazer agora, Joana?"
Joana inclinou a cabeça para trás, roçando o cabelo nos lábios de Marcos. "Nós vamos esperar," disse ela, a sua voz cheia de excitação fria. "Vamos ver o quão longe ela está disposta a ir para provar o seu ponto. E depois..."
Ela não terminou a frase. Levantou-se da mesa, afastando-se de Marcos. O seu corpo tremia, mas não de atração por ele. A sua atração era por um jogo de três pessoas que acabava de ser inventado, e ela, a filha, queria agora uma parte da força, do poder e do desejo que irradiava de Helena.
Ela caminhou até à escada, ouvindo o som distante da água a correr no andar de cima. Estava a ir para a mãe.
"Depois," Joana terminou o pensamento, sussurrando, "eu vou descobrir se ela é tão boa a manter segredos quanto eu."