No andar de cima, o som do chuveiro ecoava. Helena estava a lavar-se, a tentar limpar o cheiro e a culpa da noite anterior, mas sobretudo, a vibração do toque de Marcos debaixo da mesa. A água quente batia na sua pele, e ela encostou a testa aos azulejos frios, a respiração pesada. Pela primeira vez em anos, não era a Executiva a ter o controlo.
De repente, a porta da casa de banho abriu-se.
Helena ouviu o som, tenso. Ela pensou que seria Marcos, o desejo impetuoso a levá-lo a quebrar a privacidade. Mas o som dos passos era mais leve.
"Mãe?", a voz de Joana era baixa, filtrada pelo vapor, quase irreconhecível na sua suavidade.
Helena desligou a água, rapidamente enrolando uma toalha à volta do corpo. O vapor tornava a casa de banho num nevoeiro, e Joana estava ali parada, uma silhueta à porta, com os braços cruzados, a observá-la.
"O que é que estás aqui a fazer, Joana?", a voz de Helena era firme, mas a toalha estava apertada, um último vestígio de defesa.
"Vim buscar o meu condicionador," Joana disse, erguendo o frasco debaixo do roupão, uma desculpa patética. Ela deu um passo para dentro, o chão do tapete absorvendo a sua presença. "E talvez ver se a água levou o tremor na tua mão."
Helena ignorou a provocação. "Já viste. Agora sai."
Joana moveu-se com a lentidão de um predador. Ela não olhou para o corpo molhado da mãe, mas para o seu rosto, para os seus olhos, nos quais a excitação chocada da cozinha ainda pairava como uma névoa.
"Ele tocou-te. De propósito," Joana observou, não como uma acusação, mas com o tom de quem faz uma anotação científica. "Pela primeira vez, desde que eu me lembro, alguém te viu desarmada, Mãe. E aguentaste. A Executiva não fugiu. Isso é... impressionante."
O elogio de Joana, vindo de quem veio, atingiu Helena com mais força do que o toque de Marcos. Não era ciúme; era uma espécie de veneração distorcida.
"Não te confundas," Helena respondeu, a voz perigosa, apertando ainda mais a toalha. "A tua 'admiração' não muda nada. O que aconteceu na cozinha foi um jogo dele, e tu fazias parte dele. Agora o jogo acabou."
"Não, Mãe," Joana sorriu, e o sorriso era o mais puro que Helena já vira na filha – puro na sua intenção de quebrar o tabu. "O jogo acabou para ti, se tu deixares. Para mim, acabou de começar."
Joana avançou, parando a um palmo de distância de Helena. O vapor quente pairava entre elas. Ela levantou a mão, não para tocar, mas para mover o cabelo molhado de Helena que se colava ao seu pescoço.
"Eu não estou zangada," Joana sussurrou, a sua voz tão íntima quanto a de Marcos na cozinha. "Estou atraída pela tua força. E, agora que sei que a tens, não posso voltar atrás."
O ar na casa de banho ficou rarefeito. Helena não conseguia respirar. Ela via a si mesma nos olhos de Joana – o cinismo, o desejo destemido, a sede por algo mais. A sua filha era um espelho perigoso.
"O que é que tu queres, Joana?", Helena conseguiu perguntar, a voz estrangulada.
Joana inclinou-se, o seu hálito quente no pescoço da mãe, e sussurrou: "Eu quero saber o que ele te fez sentir. E quero saber o que tu vais fazer para nos parar. Porque, Mãe, o silêncio que tu queres manter... eu posso quebrá-lo com um sussurro."
Ela recuou, quebrando o momento. Pegou o frasco de condicionador, abriu-o por um segundo, cheirou, e fechou.
"Dorme bem, Mãe," disse Joana, virando-se para a porta. "Espero que o teu banho tenha sido produtivo."
E saiu, deixando Helena na névoa, a toalha escorregando lentamente das mãos paralisadas, o medo do exposto agora misturado com uma excitação sombria. O tabu não estava apenas quebrado; tinha-se tornado uma arma nas mãos da sua própria filha.